Estudo estadual analisa casos de suicídio em Venâncio Aires

Venâncio Aires está entre os cinco municípios da região que integram o projeto piloto do Observatório de Análise da Situação do Suicídio no Rio Grande do Sul. O estudo, iniciado, há cerca de um ano, está na fase final de análise dos dados, em uma iniciativa do Comitê Estadual de Promoção da Vida e de Prevenção ao Suicídio, formado por instituições governamentais e não governamentais.

Coordenadora do comitê, a assistente social Andréia Novo Volkmer explica que o objetivo do trabalho é garantir uma interpretação qualitativa dos casos. “Queríamos nos aproximar das situações, para pensar em um plano de ação, em estratégias para entender e prevenir um fenômeno que é complexo, multicausal”, explica ela, que também coordena o Núcleo de Doenças e Agravos Não Transmissíveis do Centro Estadual de Vigilância em Saúde (Cevs).

Foto: Divulgação / DivulgaçãoPesquisa buscou conhecer a história identificar características comuns nos suicídios ocorridos em 2016
Pesquisa buscou conhecer a história identificar características comuns nos suicídios ocorridos em 2016

Foram tomados como base, para a pesquisa, os cerca de 40 suicídios ocorridos ao longo de 2016 nos cinco municípios – somente em Venâncio Aires, foram 11. De acordo com Andréia, a escolha da área de abrangência da 13ª Coordenadoria Regional de Saúde (13ª CRS) para realização do trabalho se deu porque, assim como outras regiões do estado, o Vale do Rio Pardo tem números alto de morte por suicídio. “É uma região que merece cuidado.” Mais do que isso, ela ressalta o interesse e o empenho dos profissionais de serviços de saúde para efetivar a pesquisa.

“Venâncio foi o município no qual conseguimos atingir 100% dos casos, conversando com familiares das 11 pessoas”, explica. De acordo com ela, as entrevistas com familiares permitiram que se conhecessem as histórias e, a partir disso, fossem identificados os aspectos comuns entre os casos e traçado um perfil de risco. “Finalizando a análise dos dados, poderemos criar perfis, para que, quando uma pessoa estiver em atendimento e apresentar aquelas características, seja um sinal de alerta”, esclarece.

Mitos

Foto: Juliana Bencke / Folha do MateAndréia destaca importância da escuta atenta e sem julgamento
Andréia destaca importância da escuta atenta e sem julgamento

Segundo a coordenadora do Comitê de Prevenção ao Suicídio, as conversas com familiares também foram importantes como forma de auxílio aos sobreviventes. “Encontramos pessoas em situação de risco, que foram encaminhadas para serviços. Muitas agradeceram a oportunidade de conversar e, assim, desmistificar o assunto e trabalhar mitos que cercam o suicídio”, comenta.

Entre os mitos citados por Andréia estão o fato de muitos familiares se sentirem culpados pela morte, por acreditarem ter feito algo que acarretou a situação. “No suicídio não existe um motivo, existe um fato precipitante, que é como uma gota d’água em um copo que já está cheio. As famílias puderam entender que não eram culpadas e que o familiar não deixou da vida porque não queria mais conviver com elas”, destaca, ao lembrar que todas informações pessoais são tratadas de forma sigilosa, na pesquisa.

Segundo Andréia, o objetivo é, ao fim do trabalho, criar um plano de ação para cada município, com estratégias que se somem ao trabalho já realizado pelos serviços de saúde, como os Centros de Atenção Psicossocial (Caps). “Queremos somar ao trabalho já desenvolvido nos municípios. O Estado estará comprometido em ajudar. O suicídio é um fenômeno complexo e multifatorial que exige muitas estratégias de prevenção.”

>> A cada três dias, uma pessoa tenta tirar a própria vida, em Venâncio Aires. Do início do ano até agora, foram 86 tentativas de suicídio. Em todo o ano passado, foram 133.

>> 20 suicídios ocorreram em Venâncio Aires, no ano passado, o que representa que, a cada 18 dias, uma pessoa tirou a própria vida. Neste ano, já foram 14 casos, conforme dados da Vigilância Epidemiológica.

“Precisamos falar com os homens e os idosos”

Embora a análise dos dados do Observatório de Suicídio ainda não esteja concluída, já é possível abordar fatores de risco para o suicídio, a partir da pesquisa. Em entrevista exclusiva para a Folha do Mate, nesta semana, a coordenadora do Comitê Estadual de Promoção da Vida e de Prevenção ao Suicídio, Andréia Volkmer, adiantou que, em muitos casos, identificou-se que a pessoa que tirou a própria vida tinha sofrido algum tipo de violência.

Além disso, outros dois aspectos merecem atenção especial, na opinião da assistente social: a incidência de suicídio entre homens e idosos, em ambos os casos, atrelada a questões culturais. “Percebemos que alguns homens acabaram se suicidando, sem que ninguém conseguisse saber qual foi o fator precipitante que levou a isso e nem que eles estavam sofrendo.”

De acordo com ela, como, culturalmente, o sofrimento é visto como um sinal de fraqueza masculina, muitos homens não conseguem buscar ajuda. “Precisamos conversar com os homens. Dizer para eles que o sofrimento e a dor podem acontecer para qualquer pessoa, de qualquer sexo”, enfatiza.

Prevenir o suicídio exige que a gente se transforme em uma sociedade na qual se preste atenção no outro, que se importe com o outro, queira saber o que ele sente. Precisamos saber ouvir, sem julgamentos e sem dar conselhos ou comparar situações, e encaminhar os casos para avaliação em um serviço de saúde.”

Andréia Volkmer, coordenadora do Comitê Estadual de Promoção da Vida e de Prevenção ao Suicídio.

Da mesma forma, ela observa que a valorização excessiva do trabalho contribui para que, em determinadas situações, o idoso não encontre mais sentido na vida. “É claro que o trabalho é muito importante, mas ele não é tudo. Há várias coisas que completam uma pessoa. A cultura forte do trabalho faz com que, quando se chega na velhice ou, por alguma doença, não consegue mais produzir, as pessoas não se sintam mais úteis e desejem não viver mais. Isso é muito forte para os idosos. Precisamos conversar com eles sobre isso”, ressalta.

Ajuda

O Centro de Valorização da Vida (CVV) oferece apoio emocional gratuito, a pessoas que estejam em sofrimento. O atendimento ocorre 24 horas, todos os dias, pelo telefone 188. Também é possível buscar ajuda com profissionais nos postos de saúde ou nos Caps. Caps II: 3983 1045Caps AD: 99714 6306Caps Infantil: 3983 1022

 

Juliana Bencke

Editora de Cadernos

Responsável por coordenar as publicações especiais, considera o jornalismo uma ferramenta de desenvolvimento da comunidade.

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