Atualmente, é difícil fugir da tecnologia. Ela está em todos os lugares, inclusive na sala de aula. Mas, de que forma estes equipamentos modernos e com acesso à internet são usados pelos educandários? Celulares, computadores e chromebooks estão entre as opções pra um mundo de pesquisas e informações.
No último mês, na Câmara dos Deputados, em Brasília, um assunto movimentou os parlamentares: a regulamentação do uso de celulares nas salas de aula do Ensino Fundamental e Médio. O autor do Projeto de Lei número 104/2015 é o deputado federal Alceu Moreira (MDB), que defende que as tecnologias sejam aproveitadas apenas para fins pedagógicos.
No momento, o projeto tramita na Comissão de Educação, onde aguarda a apresentação do parecer do relator, o deputado Diego Garcia (Republicanos-PR). Com o parecer do relator, o projeto abre o prazo de cinco sessões para que sejam apresentadas emendas. Aprovado na Comissão de Mérito, o texto parte para a análise da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).
De acordo com Moreira, se faz necessário definir um conjunto de regras para que o celular não seja proibido, mas melhor aproveitado no processo de ensino-aprendizagem. O parlamentar cita os dados recentemente divulgados pela Unesco, indicando que o uso excessivo de smartphones pode ser prejudicial para crianças e jovens. Outro estudo, por sua vez, aponta que os alunos podem levar até 20 minutos para se concentrar novamente no que estavam aprendendo após usarem o celular em atividades sem fins pedagógicos. Atualmente, no Brasil, não há lei que proíba o uso de celulares.
“Se uma criança ou jovem está com a sua atenção retida em uma tela de celular, é porque ali está um espaço de descoberta e vida. Ferramentas como essa, que instigam a curiosidade, devem estar aliadas à pesquisa, orientação e realização de tarefas. Se isso não ocorre, evidentemente que requer um regramento.”
ALCEU MOREIRA
Deputado Federal
Curiosidade
Países como Finlândia, Holanda e Suíça – que ostentam os melhores indicadores na área da educação – já possuem regulamentação a respeito do tema. Atualmente, uma em cada quatro nações baniu ou tem políticas públicas sobre uso de celulares em sala de aula. No Brasil, ainda não há legislação para este fim.
Capital do Chimarrão
Na rede municipal de Venâncio Aires, segundo o secretário de Educação, Émerson Eloi Henrique, o uso ou não do celular é orientado pelo professor, que tem autoridade para definir os momentos de utilização. A orientação da Secretaria de Educação é de que os aparelhos sejam usados apenas de forma pedagógica, para acrescentar nas atividades.
Henrique ainda destaca que com a chegada dos chromebooks, no início de 2022, o celular acaba sendo pouco usado e é substituído pelos aparelhos disponíveis nas escolas.
A professora de Educação Física da Escola Dois Irmãos, Susana Marinesa da Rosa, explica que, no educandário, o regramento interno não permite o uso do celular em período de aula. “Os alunos trazem o celular, mas deixam na mochila, podendo usar no início e fim da aula e no intervalo”, afirma.
Nas pesquisas e reproduções de vídeo que faz na disciplina, Susana distribui os chromebooks aos alunos. Na escola, são 70 aparelhos disponíveis. “Cada vez mais se usa a tecnologia para tudo. Com a pandemia, este processo acelerou ainda mais, e quem ainda não sabia lidar com isso, teve que aprender. O uso da tecnologia continua constante na educação”, diz.
Uma das aunas da escola, Bianca Beatriz Behling, 13 anos, comenta que leva o celular, mas usa somente nos momentos permitidos. “Os chromebooks são muito bons para pesquisas e, com essa possibilidade, entendemos muito melhor alguns conteúdos”, afirma a estudante do 8º ano A. Em casa, ela admite que usa mais o celular para praticamente tudo que precisa afazer. “Antes não usávamos tanto assim o celular e computadores para estudar, mas agora é muito mais”, comenta.
Autonomia dos professores
Na rede estadual de educação, a 6ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE) entende que o professor é o responsável pela gestão pedagógica do componente curricular que ministra. Nesse sentido, o profissional tem autonomia para utilizar todos os recursos e instrumentos que colaborem para o processo de aprendizagem dos estudantes, principalmente em pesquisas diretas. “O celular é um instrumento facilitador da aprendizagem, se utilizado de forma correta. A inserção do estudante no mundo digital é uma competência da Base Nacional Comum Curricular e cabe à escola desenvolvê-la”, afirma a assessora pedagógica e coordenadora do Núcleo de Tecnologia Educacional, Lenir Maria Rossarola.
Em relação à permissão para levar o aparelho celular para as escolas, a chefe de divisão pedagógica, Joice Battisti Gassen, explica que cada instituição deve debater com seu conselho escolar sobre estar dentro do conjunto de normas e regras da escola. “O estudante não pode estar fazendo uso de livre e espontânea vontade dentro da sala de aula sem autorização devida do professor. Único e exclusivamente para estudo e aprendizagem.”
Na rede estadual, as tecnologias em sala de aula são diversas, como lousas, chromebooks, desktops, computadores e notebooks. “Só conhecendo essa diversidade já é um ganho para os estudantes. Há uma riqueza de possibilidades dinâmicas com a exploração desses recursos”, ressalta Leni. As escolas têm acesso também a aplicativos e plataformas que ajudam nos processos de ensino e aprendizagem, como o Elefante Letrado e Árvore de Livros.
Foco e atenção na aprendizagem
Mesmo que o celular seja uma ferramenta útil e prática, que nos permite a comunicação, pesquisas e o acesso às diversas informações em um único aparelho, a coordenadora do programa de pós-graduação, mestrado e doutorado em Letras da Unisc, Rosângela Gabriel, destaca que o celular em sala de aula pode ser muito prejudicial e desenvolver comportamentos como ansiedade, déficit de atenção e impaciência. “A sala de aula é um espaço de aprendizagem e de interação entre as pessoas que compartilham esse espaço. Para que a interação e a aprendizagem sejam qualificadas, precisamos de atenção, de foco, e celulares podem ser grandes distratores”, alerta.
Segundo a especialista, no campo da psicolinguística e das ciências cognitivas, a orientação que dá às escolas e professores é que seja feito um combinado com os estudantes, para que o celular seja mantido desligado durante as aulas, longe dos olhos e ouvidos. Mas, eventualmente, quando solicitado para uma atividade específica, com propósito didático, que seja utilizado este recurso. “Por exemplo, em uma aula de geografia, o Google Earth pode ser uma ferramenta poderosa para estudar os continentes. Em uma aula de inglês, os tradutores automáticos podem nos ajudar a descobrir os contextos em que determinadas expressões são usadas”, explica.
Rosângela observa que algumas regiões cerebrais, especialmente aquelas que controlam os impulsos, consolidam seu desenvolvimento apenas ao final da segunda década de vida. “Se para nós, adultos, controlar impulsos é difícil, para crianças e adolescentes, é ainda mais complicado.” Por isso, segundo ela, é preciso discutir o uso racional do celular e de outras tecnologias, e verificar quando podem ser úteis e quando podem atrapalhar a aprendizagem, o convívio social e a saúde física e mental.
Mundo digital
Rosângela reforça que algumas pessoas pensam que os nativos digitais, ou seja, aqueles que nasceram após o advento da internet, a partir da década de 1990, e que interagem com muitas ferramentas tecnológicas, são capazes de prestar atenção a vários estímulos ao mesmo tempo. Na verdade, a especialista ressalta que se trata de uma ilusão, já que as pessoas mais jovens têm maior flexibilidade mental, ou seja, maior agilidade para mudar de foco de atenção, alternando a atenção para diversos estímulos. “Em algumas situações corriqueiras, isso pode não gerar um dano maior, como por exemplo, assistir TV e mexer no celular. Mas, em outras situações, pode ser desastroso ou até fatal, como dirigir o carro e mexer no celular.”
Ela evidencia que, em sala de aula, a desatenção provocada por eventuais notificações no celular ou outros estímulos pode dificultar a manutenção da atenção para completar um raciocínio, compreender um texto, aprender um novo conceito. “Independentemente da idade, nosso cérebro possui uma janela atencional, ou seja, prestamos atenção a um estímulo de cada vez e, para muitas aprendizagens, além da atenção aos estímulos externos, precisamos ativar conhecimentos armazenados em nossas memórias.”
Rosângela é professora há 35 anos e destaca que quanto maior o engajamento cognitivo durante as situações de aprendizagem, mais rica e integrada a rede de memórias criada e maior a facilidade de recuperar essas informações quando houver necessidade.
“Há vários aplicativos desenvolvidos com o objetivo de contribuir para a aprendizagem e, nesses casos, o celular e outras tecnologias são muito bem-vindos aos espaços escolares. Mas o celular não pode estar continuamente ao alcance dos olhos e das mãos.”
ROSÂNGELA GABRIEL
Coordenadora do programa da pós-graduação, mestrado e doutorado em Letras da Unisc