Você, torcedor de estádio, de sofá, do radinho de pilha, de bar ou da fila do supermercado. Quantas vezes, nos últimos anos, ouviu falar que o futebol brasileiro vive uma escassez de meios-campistas clássicos? Os legítimos camisas 10, responsáveis por ‘dar as cartas’ em campo?
É quase unânime: aquele que vai dar o penúltimo passe, ‘pifar’ o atacante, consagrar o companheiro no momento mais eufórico de uma partida (o gol), virou raridade. Da mesma forma, o lamento é pela carência de um bom cobrador de faltas, aquele que parece colocar, com as mãos, a bola no ângulo do goleiro. Mas, se os gramados Brasil afora vivem certo saudosismo, em Venâncio Aires, no futebol de veteranos, há uma figura que carrega essas particularidades. Por aqui, ainda é possível ver um meia legítimo e que ficou conhecido pelo jeito especial de bater na bola. Ele é Gerson Luís Weber, o Gersinho, o ‘pifador’ da Assive.
Da escolinha no Santa Tecla aos juniores do Guarani
O jeito de tratar a bola, os gols de falta ‘acertando a coruja’, as assistências ‘açucaradas’ para o companheiro ficar cara a cara com o goleiro. Essas são características comuns daqueles jogadores considerados cerebrais e articuladores. Puxando na memória, rapidamente lembramos de Zico, Neto e Messi. No estado, os gremistas logo associam a Douglas, campeão da Copa do Brasil e Libertadores entre 2016 e 2017, e que inclusive ganhou a alcunha de Maestro Pifador. Já os colorados ainda contam com um jogador dessa estirpe no elenco atual – o capitão Alan Patrick.
Em Venâncio Aires, o que dizem nos gramados é que um jogador de 1,69 metro também tem esses quesitos. E de sobra. Falamos de Gerson Luís Weber, ou apenas Gersinho, 51 anos. Filho do meio de Renato (já falecido) e Nilse, Gersinho tem as raízes no interior, na divisa de Venâncio e Santa Cruz do Sul, entre Linha Esperança e Linha Saraiva, e ainda muito pequeno se mudou para a parte baixa da cidade e cresceu na então Vila Mayer. O pai, que pelo 1,80 metro que tinha chegou a ser goleiro no Palmeiras de Arroio Grande, levou o guri para treinar no campo do Santa Tecla, no tempo que tinha até um vestiário subterrâneo. Era o fim dos anos 1970, a década vitoriosa do Internacional e que virou o time de coração de Gersinho. “Onde tinha um campinho em Venâncio a gente estava batendo bola. Para ir até a Santa Tecla a gurizada ia a pé ou de bicicleta. Quem me treinou lá foi o Airton da Rosa”, lembra o hoje jogador veterano.
Com oito anos, o pequeno colorado viveu uma emoção inesquecível, ainda viva numa pequena foto em preto e branco. Em dezembro de 1981, Cléo Hickmann, venâncio-airense e jogador do Internacional, esteve na Capital do Chimarrão para um jogo festivo no antigo campo do Operário, em Vila Santa Emília. “Foi uma festa, com carreata e tudo. Aí deram essa alegria para os coloradinhos da época e eu estava lá, batendo bola com um cara que jogou até na Seleção.”
Guarani
Do Santa Tecla, Gersinho foi para a escolinha do Esporte Clube Guarani, onde ficou dos 12 aos 15 anos. Como é comum na adolescência, época de desinteresses ou novos interesses, por algum tempo ele deixou o futebol. Voltaria a jogar bola no quartel, em São Gabriel. “Peguei a seleção lá e podia ter ficado no time da cidade. Mas quis voltar e fui fazer teste nos juniores do Guarani.”
Num time que tinha nomes como Eliomar Marcon (hoje presidente do Guarani) e Fernando Becker (jornalista na RBS TV), Gersinho participou da campanha de 1993, quando foram semifinalistas do estadual de juniores. Os jovens eram treinados por ninguém menos que Mano Menezes.
Treinador de goleiros
A campanha e as boas atuações do meia renderam a ele a possibilidade de ficar no plantel profissional do Guarani em 1994. Em 1995, chegou a ser emprestado ao São José, de Cachoeira do Sul, mas voltou no mesmo ano. “O grupo estava fechado, mas fiquei por lá. Daí o preparador do Oneide [Dalafavera, o goleiro] teve um problema nas costas e precisavam de alguém. O Oneide me convidou e virei o treinador dele. Ali aprendi a bater na bola. Até hoje dizem que, se tiver uma falta perto da área, é meio gol.”
A trajetória no amador
“É muito difícil chegar num clube profissional e mais difícil ainda é se manter. Tinha muita gente boa”, comentou Gersinho, ao falar da tentativa de viver exclusivamente do futebol. Se o profissional não vingou, o jogador começou, ainda em meados dos anos 1990, a mostrar seu talento nos campos de Venâncio Aires e vestiu diversas camisas do futebol amador: Palanque, São Luiz, Fluminense de Linha Sapé, Flor de Maio, Cecília, Onze Unidos, Ipiranga e Fluminense de Mato Leitão, além do Esporte Clube Cruzeiro e de equipes de Santa Cruz do Sul, Vera Cruz, Passo do Sobrado, Cruzeiro do Sul, Teutônia, Arroio do Meio e Vale do Sol. Só no Ipiranga, de Linha 17 de Junho, disputou cinco finais consecutivas da Taça da Amizade e venceu três delas.
Gerson também referencia nomes que viu atuar e depois teve oportunidade jogar junto, como Paulinho Lauxen, Eloizinho Smidt, Betinho Morsch (já falecido), Lúcio Kroth, Carlos Silberschlag, Henrique Etges, Luiz Carlos Weschenfelder (Barriga), Silvio Pritsch e Paulo Rogério dos Santos (Vovô).
Gol olímpico
Outro time pelo qual foi campeão é o Onze Unidos, do bairro União. Isso aconteceu no Municipal de 1998, sendo decisivo. Na ida da semifinal, disputada em casa contra São José, de Arroio Bonito, Gersinho protagonizou um dos lances mais difíceis e bonitos do futebol: um gol olímpico.
O veterano lembra que essa nem era a intenção quando se aproximou do escanteio. Mas uma provocação, em tom de brincadeira, que ouviu de um torcedor, o fez mudar de ideia na hora. “Tinha uns amigos meus em cima de uma caminhonete F1000 vermelha, que eu usava para trabalhar. Daí o Paulo Weschenfelder gritou: ‘se tu fizer um gol olímpico, pago uma caixa de cerveja.’
Gersinho chutou direto e a bola entrou na primeira trave. Na final, o meia do Onze Unidos também deixaria sua marca, fazendo um gol de pênalti contra o Fluminense de Mato Leitão.
O bicho do jogo e o bicho de verdade
Nas andanças pelo futebol na região, Gersinho sempre esteve acompanhado da esposa Lúbia, 43 anos, conhecida como Bia. Numa dessas, quando jogava pelo Xirus, de Vera Cruz, não recebeu o pagamento pelo jogo. Isso porque o ‘bicho’ da partida foi trocado por um bicho de verdade. “O dono do time me contou que tinham nascido vários filhotes de Collie [a mesma raça que ficou famosa com o filme Lassie]. Fui lá e me encantei. Daí disse pra ele que podia me dar um cachorro, em troca do pagamento do Gersinho”, lembra Bia, entre risos.
Pela história e pelo futuro da Assoeva
Além da habilidade no campo, Gersinho também tem uma grande trajetória nas quadras de futsal. Disputou oito campeonatos amadores e venceu seis, se destacando pelos times do Ipiranga e São Luiz. Na equipe de Santa Emília, aliás, conquistou o Municipal de 1998 ao lado de Valdir Scheibler, o Furação das Colônias, primeiro entrevistado da série ‘Masters: veteranos do futebol’.
Mas talvez o que muitos não saibam é que Gerson Weber está na origem da Assoeva no futsal. Ele integrou o time da Associação Recreativa Venâncio Aires (Arva), que venceu o regional de futsal em 2000. No ano seguinte, numa conversa do então presidente da Assoeva, Vianei Hammes, com Gersinho e Silvio Nervo, surgiu a ideia de fazer um time para jogar o estadual, na Série Bronze. Nascia, ali, a história da Assoeva com o futsal, tendo Gerson no time. Capitão da equipe, ele levantou a primeira taça em 2005 (Copa Unisc) e vestiu a camisa até 2007.
Treinando os jovens
Gersinho está no passado da Assoeva, mas também se dedica ao futuro dela. Atuou como técnico dos times sub-15 e sub-17 entre 2011 e 2015, trabalho retomado em 2023, de forma voluntária. “Acho muito importante. É fundamental para a manutenção da Assoeva enquanto clube e formação de novos atletas.”
São cerca de 30 adolescentes sob o olhar do jogador veterano, incluindo os filhos, Eduardo, o Dudu, de 16 anos, e Lucas, 11. Os dois também integram a escolinha do Santa Tecla. Dudu foi goleador do Campeonato Gaúcho de Futsal Sub-15, em 2023, e a equipe ficou em terceiro. Os registros das participações e premiações dos meninos, em recortes de jornal, hoje são guardados pela vó, Nilse, 74 anos. Ela segue o hábito que já tinha com as conquistas do filho Gerson.
O ídolo Zico e a comparação com Petkovic
Como todo atleta amador de fim de semana, naturalmente Gerson Weber teve trabalhos paralelos de segunda a sexta. Ele conta que todas as oportunidades de emprego sempre foram a partir de pessoas ligadas ao futebol, como o caso de Ilário Breunig, que mantinha açougue no bairro Santa Tecla e era dirigente do clube. “Eu comecei fazendo entregas de carne e linguiça num Fusca.” Gersinho também passou pelo balcão da Casa do Agricultor e, em 1997, começou sua trajetória na construção civil. Atualmente, tem a própria construtora e a trabalha com a esposa, Bia, que é arquiteta.
Entre as responsabilidades do trabalho e os treinos dos jovens da Assoeva, há um outro compromisso fixo de Gerson. Todas as tardes de sábado, nos últimos 15 anos, ele ‘bate ponto’ no campo da Associação Independente de Veteranos (Assive), no Parque do Chimarrão. “Esse não dá pra faltar, se não vai para o banco de reservas”, revela, entre risos.
É na Assive que Gersinho segue se destacando como meia clássico e um grande batedor de faltas – fez dois gols assim na última Copa IMX de Veteranos. “Uma assistência vale mais que um gol. Hoje eu consagro os caras”, comenta, em tom de brincadeira. Ainda que se sinta satisfeito como ‘garçom’ dos atacantes, o veterano tem uma boa soma de gols na Assive e, de acordo com a contagem do clube, são cerca de 400.
Considerando os tempos de amador em outros clubes, Gerson acredita que passe dos 500 gols, número que se aproxima do ídolo dele no futebol, Zico, multicampeão com o Flamengo na década de 1980 e que disputou três Copas do Mundo pelo Brasil. Pelo estilo de jogo e batida na bola, Gersinho revela que também já foi comparado a outro camisa 10 famoso no futebol brasileiro: o sérvio Petkovic. “Três pessoas diferentes já me falaram isso. Para mim, é uma honra.”
Na Assive, onde é conhecido como ‘pifador’ do time, curiosamente não veste a 10, mas carrega outro número ‘pesado’, de um grande meio-campista do futebol mundial. “Quando vim para a Assive, o Beckham usava a 23 no Real Madrid. Então fiquei com o número. Está dando certo.”
Coleção
• Na casa onde mora, no Centro, Gerson Weber mantém guardada toda a história vitoriosa no campo e no salão. São cerca de 100 medalhas e mais os troféus e prêmios individuais.
• Ele considera todos importantes, mas fala com carinho especial do Destaque Esportivo de 2000, no recomeço do futsal em Venâncio, e a medalha de campeão brasileiro de veteranos, em 2016, no minifutebol, pela AABB de Santa Cruz.
• Também em casa está o troféu de 2,1 metros, conquistado com a Arva, no regional de futsal de 2000.
“Aprendi na minha trajetória que o futebol, assim como a vida, depende das nossas atitudes e da busca constante por aprendizagem, para que no final a recompensa chegue numa bela vitória.”
GERSON WEBER – Construtor e jogador de futebol veterano