Há 20 anos, a maior glória do Guarani

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Por Carlos Dickow e Roni Müller

Há exatos 20 anos, em um domingo de Dia das Mães, o zagueiro Luiz Fernando marcou, de cabeça, aos 20 minutos do segundo tempo, o gol mais importante da história do Guarani de Venâncio Aires. A partida era contra o São Gabriel, no Estádio Sílvio de Faria Corrêa, na Terra dos Marechais. Era a decisão do Gauchão de 2002 e, após um empate em 0 a 0, três dias antes, no Estádio Edmundo Feix, aquela vitória magra, suada e em ‘clima de guerra’ deu ao clube da Capital Nacional do Chimarrão a sua maior glória.
Chegava ao fim, da melhor forma possível, a saga do técnico Mano Menezes e de seus comandados, que depois de amargarem a lanterna no primeiro turno do Gauchão daquele ano, ganharam oito das 12 partidas do segundo turno e garantiram vaga para as semifinais da competição. Para ir à decisão, o Rubro-Negro ainda precisou superar o 15 de Novembro, de Campo Bom, time que acabaria, mais tarde, perdendo a final do Supercampeonato Gaúcho para o Inter, que tinha Clemer, Júnior Baiano e Claiton, entre outros.
“Na verdade, eu fui contratado para tirar o time do rebaixamento. O dia em que o Zecão me ligou já era meia-noite, mais ou menos. Estava em Santa Cruz do Sul, peguei meu carro e fui na antiga sede do Expresso Cruzador. Acertamos salário e logo comecei a trabalhar, no entanto jamais passou pela minha cabeça que o time viria a ser campeão”, lembra Mano Menezes, atual técnico do Inter e com passagens por Grêmio, Corinthians, Cruzeiro, Palmeiras, Flamengo, Bahia, Shandong Luneng, Al-Nassr e Seleção Brasileira, que na época treinava o Guarani. “As coisas foram acontecendo e fomos campeões”, completa.

MEMÓRIAS VIVAS
Mano tem muito vivas as memórias daquela conquista, tanto da caminhada, até o título improvável, quanto da multidão que esperava a delegação, em Venâncio Aires, para a festa. “Quando chegamos, já era de madrugada, mas a Osvaldo Aranha estava lotada, desde o Acesso Leopoldina”, recorda ele. Além disso, destaca a satisfação de estar para sempre na história do clube e da comunidade. “É uma conquista tão importante para o torcedor do Guarani, quanto pra mim. É algo fica eternizado, como naquela placa que foi colocada no estádio. Tive outros momentos marcantes na carreira e cada um deles está guardado”, conclui.

O time da decisão
• O Guarani atuou na decisão com Luizão; Bolívar, Luiz Fernando, Macarini e Cristiano; Cadu Preus, Eder Lazzari, Luiz Américo e Alexandre (Castro); Aurélio (Daniel) e Sandro Gaúcho.

“Quando estava dando entrevista depois do jogo, em São Gabriel, me disseram que festa de alemão, em Venâncio Aires, tinha chope e foguete. E realmente teve.”

MANO MENEZES – Técnico campeão de 2002

Durante a entrevista concedida à Folha do Mate, Mano Menezes ressaltou o potencial de formação de atletas do Guarani no tempo em que esteve no clube. Entre as ‘crias da casa’, citou Bolívar, Luizinho Neto, Luis Fernando, Eliomar Marcon, Eder Lazzari, Alex Klafke, Cadu Preuss e Cristiano. Também lembrou da importância de nomes como Chicão, Romeu Siebeneichler, Zecão e Delmar Döring, entre outros.

União: o ingrediente da virada

Outro jogador que se emociona ao relembrar a conquista é o meia Eder Lazzari. “Foi um campeonato e tanto. No primeiro turno, terminamos no fundo do poço. Na outra metade, lideramos de ponta a ponta. Chegamos em alta na decisão. Muitos não acreditavam na gente depois daquele empate em casa. Fomos lá em São Gabriel, vencemos e voltamos para Venâncio Aires com o maior título do clube até hoje”, relata.
Lazzari é um dos tantos atletas daquela vitoriosa equipe formados na base do Rubro-Negro. Para ele, a união do grupo foi fundamental para a espetacular reviravolta. “A chegada do Mano, ao lado do Artur e mais alguns reforços pontuais, foi essencial na virada de página de um turno para o outro. Bons tempos, quando tínhamos uma diretoria engajada e o torcedor na arquibancada apoiando esse time de guerreiros”, comenta.

Formação histórica: Guarani bateu o São Gabriel no Sílvio de Faria Corrêa (Foto: Roni Müller)

Primeiro turno
Guarani 0x0 São Luiz
Esportivo 0x0 Guarani
São José 5×1 Guarani
Guarani 1×4 Passo Fundo
Guarani 1×1 15 Novembro
Santo Ângelo 4×0 Guarani
Guarani 0x0 Santa Cruz
Caxias 3×1 Guarani
Guarani 2×2 São Paulo
São Gabriel 1×0 Guarani
Guarani 1×2 Palmeirense
Veranópolis 2×2 Guarani

Segundo turno
São Luiz 3×3 Guarani
Guarani 2×0 Esportivo
Guarani 4×1 São José
P. Fundo 1×2 Guarani
15 Novembro 0x2 Guarani
Guarani 2×1 Santo Ângelo
Santa Cruz 1×1 Guarani
Guarani 0x1 Caxias
São Paulo 0x1 Guarani
Guarani 2×1 São Gabriel
Palmeirense 1×2 Guarani
Guarani 1×1 Veranópolis

• Semifinal: O Guarani disputou jogo único diante do 15 de Novembro, no Edmundo Feix, e ficou no 1 a 1 no tempo normal. Luiz Américo marcou o gol do time da casa e Sandro Sotilli igualou. Na prorrogação, ninguém movimentou o placar e o Guarani, por ter melhor campanha no returno, avançou à decisão.

• Final: Mais uma vez o primeiro duelo ocorreu em Venâncio Aires, no dia 9 de maio. Após 90 minutos, 0 a 0 no marcador. O confronto decisivo ficou para São Gabriel, no dia 12, quando o Guarani venceu por 1 a 0 e levantou o Gauchão de 2002.

A Federação Gaúcha de Futebol (FGF) não reconhece o Guarani como campeão Gaúcho de 2002. O título do Estadual consta como sendo do Internacional, que venceu o Supercampeonato Gaúcho, realizado mais tarde e que reuniu, além do Colorado, Grêmio, Juventude, Pelotas, Guarani, São Gabriel, 15 de Novembro e Esportivo.

Protagonistas de uma história que está eternizada

“Lá se vão 20 anos. E como isso é lembrado pelos torcedores do Guarani e por todos nós que fizemos parte daquele título. E não foi uma conquista qualquer. Depois de um primeiro turno em que ficamos na zona de rebaixamento, muda o técnico, chega o Mano Menezes, remodela aquele time e a gente se torna campeão do segundo turno e depois campeão Gaúcho. O mais legal de tudo é saber que o Guarani sempre foi um clube formador nas suas categorias de base, e aquele time, particularmente, tinha mais da metade dos

Bolívar

jogadores criados no Edmundo Feix. Jogadores que moravam no estádio, viviam o clube e eram apaixonados pelo Guarani. Muita gente da região, coisas que a gente não vê mais. É uma satisfação enorme ter participado daquela conquista, é uma história que fica marcada para sempre, que está eternizada. Sempre que eu vou a Venâncio Aires, olho aquela placa lá, do título Gaúcho de 2002, e pra mim é muito prazeroso. Aqueles dois jogos contra o São Gabriel foram duas batalhas. O torcedor de Venâncio foi com o time e depois fomos recebidos na cidade de uma maneira inesquecível. A partir daquele momento, as coisas começaram a se encaminhar para vários jogadores. Foi um título marcante, que valorizou todo um trabalho e a dedicação que tivemos naquele ano”.
Fabian Guedes, o Bolívar (jogador do Guarani em 2002)

Flávio Bienert

“Em 2002, o Zecão era presidente, eu o vice e o Tarço Kreibich e o Gerson Campos os diretores. São belas recordações. Me lembro bem que abria o jornal e ligava o rádio e só dizia que éramos o lanterna, isso no primeiro turno. Quando íamos jogar na serra, comíamos naqueles restaurantes que tinham uns lampiões acesos e pensávamos: bah, até isso! Estávamos traumatizados. No fim do primeiro turno, decidimos trocar o Eugênio Silva pelo Mano Menezes, e com ele veio o Arthur Ruschel. Fizemos mais uma ou duas contratações pontuais. Foram poucas mudanças, mas com um grande resultado. No segundo turno, viramos o fio da navalha. Começamos a ganhar e o time engrenou até chegar às finais. Empatamos o primeiro jogo em casa, em 0 a 0, contra o São Gabriel, e fomos para a partida decisiva, com o estádio deles superlotado. Lembro que tivemos que pedir à Federação Gaúcha de Futebol que escalasse um árbitro de ponta, e o presidente Emídio Perondi determinou que fosse o Leonardo Gaciba. O jogo também se ganha fora de campo, os bastidores são importantes também. Lembro que o presidente do São Gabriel já tinha levado a taça para lá, estava com a festa toda pronta, contando com a vitória sobre o Guarani. Só que tivemos aquele jogo memorável, em um ano que mais mesclamos o time, com muito aproveitamento das categorias de base. Eram alguns experientes e os demais vindos dos juvenis e juniores. Foi um time altamente competitivo, que garantiu que ficássemos para sempre na história do clube. Somos muito gratos às pessoas que trabalharam conosco e à torcida, que nos ajudou demais. Também tivemos uma parceria fundamental com a imprensa escrita e falada. É isso que a gente leva para a eternidade”.
Flávio Bienert (vice-presidente do Guarani em 2002)

Mano Menezes e Zecão Melchior em 2002, na apresentação do treinador (Arquivo FM)

“Começamos o campeonato com o Paulo Porto de treinador. As vitórias não estavam acontecendo e decidimos contratar o Eugênio Silva. Era turno e returno e não fomos felizes também com a nova comissão técnica. Naquele ano, o campeão seria do interior, porque não estavam na disputa os clubes que jogavam a Copa Sul-Minas: Grêmio, Inter, Juventude e Pelotas. Aí um dia eu fiquei sozinho na sala do presidente, pensando que tinha que fazer alguma coisa. Faltava um jogo pra terminar o primeiro turno e estávamos na lanterna. Aí me veio o nome do Mano Menezes. Liguei e ele veio na mesma noite. Sentamos e acertamos. No último jogo do primeiro turno, com o terceiro técnico, empatamos e fechamos a fase com sete pontos. Tínhamos que fazer 17 pontos no segundo turno para não cair e uns 23 pra tentar disputar as finais. De lanterna, a gente foi campeão do returno e tínhamos a chance de disputar o título do campeonato. Na reunião que tivemos na Federação Gaúcha de Futebol, me lembro que o presidente do São Gabriel dizia: ‘teu treinador, o meia e o atacante me servem para a Copa do Brasil’. Ele contava certo com o título, já que tínhamos empatado o primeiro jogo. Até a taça deram para o São Gabriel levar pra lá. Locamos uns quantos ônibus, fomos pra lá e a nossa torcida foi apedrejada. Pedíamos ajuda para a Brigada Militar e só me diziam que a segurança era por conta do clube. Fomos praticamente escorraçados do estádio. Os jogadores deles entraram para aquecer fazer festa. E no jogo ganhamos de 1 a 0 não por acidente, mas porque fomos melhores mesmo. Foi uma festa só. Em Venâncio estavam nos esperando com caminhão do Corpo de Bombeiros, desfilamos do trevo até o estádio, onde tinha chope até para a torcida”.
José Ademar Melchior, o Zecão (presidente)

“Quando acabou a final, não tinham taça para entregar. Não estava em poder da Federação. Comemoramos sem taça mesmo, porque estava com o São Gabriel. Mais tarde, tive que buscar na FGF, em Porto Alegre, depois que o São Gabriel devolveu. Tenho muito orgulho de ter sido presidente quando o Guarani conseguiu seu maior feito.”

JOSÉ ADEMAR MELCHIOR, O ZECÃO – Presidente do Guarani em 2002, ano do título do Campeonato Gaúcho

    

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