Dois anos depois, pandemia dá sinais de que está no fim

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Por Carlos Dickow e Luana Schweikart

Venâncio Aires completou ontem, oficialmente, dois anos convivendo com a pandemia de Covid. O dia 13 de abril, em 2020, ficou marcado como a data do primeiro caso confirmado de coronavírus e, desde então, a comunidade enfrentou momentos extremamente difíceis. Um hospital de campanha – que não chegou a ser utilizado – foi montado no Pavilhão São Sebastião Mártir. Acompanhamos aos poucos a elevação do número de infecções e internações decorrentes da doença, até que sofremos o primeiro grande baque, no dia 23 de abril, quando a Capital Nacional do Chimarrão registrou a sua primeira morte por Covid.

Passamos por uma série de incertezas, enfrentamos o medo, tivemos um lockdown e perdemos 142 venâncio-airenses. No período mais desesperador da pandemia, de fevereiro a abril do ano passado, o Hospital São Sebastião Mártir (HSSM) chegou a ter 66 pacientes internados, 33 no Setor Covid-19 (leitos clínicos) e 33 na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). O tão temido colapso no sistema de saúde aconteceu e foi necessário internar pessoas até na Unidade de Pronto Atendimento (UPA). Os leitos estavam todos ocupados.

Depois que o ‘inimigo invisível’ começou a dar sinais de perda de força, a esperança se renovou. As atividades passaram a ser autorizadas novamente mas, do nada, uma nova ‘onda’, avassaladora, veio para novamente colocar em dúvida os rumos da pandemia. Era a variante Ômicron, que se mostrou imponente na transmissão, mas menos agressiva que as outras cepas. Apesar de o número de novos casos ter decolado outra vez, as internações não ocorreram na mesma proporção, o que assegurou o alívio necessário para o momento de transição que vivemos agora. Inclusive, a máscara não é mais um item obrigatório.

Casos em queda

Há exatamente um mês, no dia 14 de março, Prefeitura e Vigilância Epidemiológica decidiram que o boletim sobre novos casos da doença deixaria de ser diário e passaria a ser divulgado duas vezes na semana. De acordo com o último balanço, foram 19 casos entre os dias 9 e 12 de abril. No dia 9, por exemplo, apenas um diagnóstico positivo foi confirmado. Neste momento, há dois pacientes no HSSM, um em leito clínico e um na UTI. O número total de infectados em Venâncio é de 16.721, dos quais 16.516 são considerados curados, um percentual de quase 98%. O levantamento informa ainda que 60 pessoas estão em recuperação domiciliar (casos ativos) e quatro aguardam resultados de exames cujas amostras foram enviadas para análise no Laboratório Central do Estado (Lacen), em Porto Alegre.

“Jamais vamos esquecer nossas perdas, mas é momento de celebrar as vitórias”

Ao fazer uma análise dos dois anos de pandemia do novo coronavírus, o prefeito de Venâncio Aires, Jarbas da Rosa, que é médico, destacou que, no começo da pandemia, “tínhamos mais incertezas e dúvidas, principalmente com relação ao vírus, e também estávamos buscando o melhor tratamento”. O chefe do Executivo – que lado da vice-prefeita, a enfermeira Izaura Landim, foi à linha de frente para se somar ao atendimento nas unidades de saúde -, lembrou da pior época da pandemia. “Entre os meses de março e abril, tivemos o pior cenário possível. Foi o pior momento para a saúde pública de Venâncio Aires, do país e do mundo inteiro nos últimos 100 anos, tanto que chegamos ao colapso do sistema de saúde”, comentou.

Mas Jarbas também lembrou que, de lá para cá, a situação foi melhorando e temos outro panorama: baixo número de casos e de internações e sem registros de óbitos há quase dois meses – o último foi em 16 de fevereiro. “Muito disso é reflexo da vacinação. O avanço da imunização foi fundamental para que chegássemos a este momento, com estes números que, podemos dizer, são confortáveis”, afirmou. Os próximos meses, segundo ele, “ainda serão de preocupação e cuidados, especialmente pela chegada do inverno e pelas mudanças de temperatura, no entanto, no estágio de vacinação que estamos, não acredito que teremos qualquer problema em relação às flexibilizações”.

Jarbas reforça que o momento é o melhor desde o início da pandemia e que a 16ª Festa Nacional do Chimarrão (Fenachim) será uma oportunidade para comemorar os novos tempos. “Jamais vamos esquecer as nossas perdas, mas é momento de celebrar as vitórias conquistadas neste período que foi tão difícil. A dor das famílias e dos amigos ainda está muito presente, mas é hora de olhar para a frente e seguir adiante”, concluiu o prefeito.

Marcas para sempre

A pandemia deixou marcas para sempre em muitas famílias venâncio-airenses. Até hoje, foram 142 mortes em decorrência de complicações da doença. A reportagem da Folha do Mate conversou com familiares de duas vítimas da Covid-19, que estão em uma espécie de recomeço após terem perdido seus entes queridos. No bairro Morsch, Luciana Inês Kroth Loeblein, 47 anos, e os filhos Christian e Matheus, de 17 e 11 anos, respectivamente, dão sequência nas suas trajetórias sem a presença do marido e pai Marcelo Luis Loeblein, que faleceu no dia 24 de março do ano passado, aos 47 anos, após cerca de um mês de luta pela vida.

“O que eu mais sinto falta é do companheirismo que a gente tinha. Estávamos sempre juntos, e isso é bem doloroso. Sempre tivemos esperança de que ele ia superar a doença, até porque iniciou como se fosse uma gripe, só que a febre não cedia e as coisas foram piorando”, diz Luciana. Ela e os dois filhos destacam que notaram o quanto Marcelo era querido no momento de sua despedida, quando muitas pessoas participaram do último adeus. “Apesar do sofrimento, para a família é muito bom e conforta um pouco saber que ele tinha muitos amigos e era tão benquisto. Tínhamos tantos projetos, mas Deus teve outros planos para ele”, lamenta.

Luciana com os filhos Christian e Matheus: um ano após o falecimento de Marcelo Loeblein, família se mantém unida e busca a recuperação. (Foto: Carlos Dickow)

Conforme Luciana, passado mais de um ano da morte do marido, o vazio ainda bate e, em muitos momentos, a tristeza derruba. No entanto, ela prefere reunir forças para seguir em frente. “A gente sabe que era isso que o Marcelo ia querer. Tenho dois filhos para encaminhar na vida e, junto com os meus pais e os pais dele, vamos manter nossa família unida, pois a família é o bem mais sagrado que temos”, observa. Os amigos do CTG Chaleira Preta, segundo Luciana, também foram importantes neste período de sofrimento. “O que podemos fazer é tentar seguir a vida. Sempre digo que a gente tem que agradecer a oportunidade de levantar da cama a cada novo dia. Só isso já é motivo para à luta e enfrentar a dor da perda”, finaliza.

“Passamos por intenso sofrimento e estamos tentando retomar a rotina. O que mais me dói, hoje em dia, é ter que escutar as pessoas dizerem que a Covid é só uma ‘gripezinha’, que não é um vírus grave, como a gente sabe que é. Isso machuca, porque perdemos uma pessoa que amávamos muito.”
LUCIANA LOEBLEIN
Esposa de Marcelo, vítima da Covid

Perda irreparável

Em Vila Palanque, uma outra família revive momentos de tristeza quando o nome de Clari Roberto Mees é citado. Bastante conhecido na comunidade, ele faleceu no dia 15 de março de 2021, aos 54 anos, depois de três semanas de internação no HSSM. Começou no oxigênio simples, precisou da máscara de Hudson e, finalmente, foi necessária a intubação. O irmão Adriano Daniel Mees, de 47 anos, lembra que quando Clari já estava dependente da ventilação mecânica, houve uma melhora, o que deu esperança aos familiares. “Quando tivemos aquela notícia, passamos a acreditar na reversão do quadro”, ressalta.

Contudo, apenas dois dias depois, os familiares foram informados de que a condição de Clari havia piorado. “Aquilo pegou todo mundo de surpresa, porque chamaram a família já para se despedir no hospital. Na verdade, a esposa, o filho e a nora foram lá. O restante da família não teve essa chance, pois assim que ele faleceu, precisou ser sepultado. Eram os protocolos da época”, lamenta Adriano, o segundo mais jovem entre nove irmãos. Clari estava logo acima dele na idade, era o terceiro. “Às vezes bate uma tristeza forte, porque ele era um cara novo, ainda, e muito querido. Gostava muito de viver e tinha amigos por toda a parte. Estamos vencendo a pandemia e precisamos ir em frente, mas a perda é irreparável”, afirma.

Saudade: Adriano com a foto de Clari. (Foto: Alvaro Pegoraro)

Os custos no pós-pandemia

O administrador do Hospital São Sebastião Mártir (HSSM), Luís Fernando da Rocha Siqueira, relata que, apesar da movimentação com pacientes de Covid-19 estar mais tranquila na instituição de saúde, os reflexos da pandemia ainda são sentidos. “A maioria das consequências não são mais casos de pessoas internadas, mas sim, o custo para o hospital, que está assombrosamente elevado neste momento já considerado de pós-pandemia”, diz.

Siqueira menciona que na próxima semana deve ser lançada uma campanha da Federação das Santas Casas para alertar as comunidades de que os hospitais estão passando pela maior crise da história, e o Sistema Único de Saúde (SUS) também alerta sobre isso. “Antes, já se tinham deficiências de salários e isso não melhorou. Agora, os materiais têm maior custo”, exemplifica. O custo de profissionais que atuam no plantão também aumentou, devido ao risco de contato com a Covid-19.

Hoje, o HSSM tem estrutura pronta para atender quem precisar de Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) Covid-19. O último mês de recebimento de recursos para manter qualquer atendimento provocado pelo coronavírus será abril. Após, a casa de saúde já não receberá mais valores para esta finalidade, mesmo que a Covid-19 não seja erradicada tão cedo.
No pior momento da pandemia, no início de 2021, com uma alta de casos e internações, Siqueira afirma que dos 23 leitos na UTI, somente dois não eram ocupados por pacientes infectados. E, dos internados, todos estavam intubados. Na época, o hospital usava 100% do consumo máximo de oxigênio possível. Durante a pandemia, chegaram a ter mais da metade de todos os atendimentos da casa vindos pela Covid-19. “Tínhamos mais de 60 pacientes internados pelo coronavírus.”

Experiência

Sobre o que levam desta pandemia, na questão emocional e de preparo profissional, Siqueira comenta que de positivo fica só o aprendizado. “Dificilmente algo vai nos assustar daqui para a frente. Vamos estar preparados para nos mobilizar de maneira intensa e rápida.”

Outro fator destacado pelo administrador do HSSM é o apoio aos profissionais e hospital, que não continuou. “Durante a pandemia, todos eram heróis e, hoje, nas redes sociais, só vejo reclamações do hospital, que na pandemia teve poder de solução. Nenhum venâncio-airense foi transferido durante a pandemia por não conseguir atendimento aqui.” Siqueira menciona com tristeza que a união e a comoção da pandemia já partiu para um lado individualista, em que cada um vê somente a sua condição.

“Quero que a sociedade busque na memória quando foi que o hospital teve mais da metade da sua demanda impactada por uma única doença. Foi histórico e atípico, tivemos que ter profissionais e estruturas que atendessem isso.”
LUÍS FERNANDO DA ROCHA SIQUEIRA
Administrador do Hospital São Sebastião Mártir (HSSM)

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