A professora Eunice Inês Heuser tinha 38 anos quando foi eleita a primeira prefeita de Mato Leitão, em outubro de 1992. O envolvimento com a educação, como diretora do Colégio Estadual Poncho Verde, a inserção em diversas entidades comunitárias e, em especial, o trabalho na Comissão de Emancipação conduziram ela ao desafio de administrar o município recém-criado, a partir de 1993. De lá para cá, ocupou diversos cargos na Administração Municipal, como vice-prefeita, secretária de Saúde, Agricultura, Educação, Administração e de Assistência Social, Habitação e Cidadania.
Em entrevista à Folha do Mate, ela relembra os desafios e as conquistas da luta pela emancipação e dos primeiros anos do governo. “Ser a primeira prefeita de Mato Leitão foi uma grande honra, mas acima de tudo um grande compromisso”, destaca ela, que atualmente está aposentada e atua na Comunidade Católica Santa Inês, como integrante da diretoria e equipe de liturgia.
Como surgiu a mobilização para a emancipação?
Eunice Heuser: Mato Leitão sempre foi um distrito promissor de Venâncio Aires. Embora os moradores da sede por vezes reivindicassem maior atenção por parte da Prefeitura de V. Aires, não almejavam a emancipação. Os problemas existentes eram de certa forma resolvidos por iniciativa das lideranças locais, através da constituição de associações. Assim surgiu a Associação de Abastecimento de Água, a Associação Telefônica e a Associação de Desenvolvimento do Distrito de Mato Leitão (Adedimat), entre outras. Em novembro de 1989, o então presidente da Adedimat, Adolar Inácio Reiter recebeu a visita de uma comitiva do recém-emancipado município de Brochier do Maratá, que vinha buscar informações sobre o funcionamento da associação. Os visitantes se admiraram da pujança do nosso distrito e questionaram como ainda não havíamos buscado a emancipação, pois tínhamos plenas condições. Sugeriram o nome do advogado municipalista Arno Carrard para nos orientar neste sentido. O presidente acatou a sugestão promovendo uma reunião das lideranças locais com o referido advogado, evento que ocorreu no dia 13 de novembro de 1989, na Sala de Pastoral da Comunidade Católica Santa Inês. Como diretora do Colégio Poncho Verde, participei deste primeiro encontro e de várias outras reuniões preparatórias que secretariei, visando a assembleia popular que ocorreu no dia 23 de dezembro de 1989, na Seubv. Aliás, uma grande assembleia com a presença de mais de setecentas pessoas que assinaram o livro de atas apoiando a criação do Município de Mato Leitão.
Como foi o caminho para que você se tornasse a primeira prefeita?
Nunca imaginava e nem projetei ser prefeita. Como professora, tinha intensa participação comunitária. Além de diretora do Colégio Poncho Verde, atuava como secretária em diversas diretorias: Comunidade Católica, Adedimat, Associação Telefônica de Mato Leitão, apoiava atividades culturais e esportivas. No entanto, o que realmente me credenciou para disputar a 1ª eleição como candidata à prefeita foi a firme atuação na condução dos trabalhos da Comissão Emancipacionista, como braço direito do então presidente Adolar Inácio Reiter. O processo de emancipação de Mato Leitão foi muito polêmico devido aos obstáculos que alguns políticos colocaram em nosso caminho. Foram mais de dois anos de luta, mas graças à persistência de alguns integrantes da comissão, a união e o apoio da comunidade, conseguimos comemorar a vitória no plebiscito realizado no dia 10 de novembro de 1991.
Logo após a criação do município, em 20 de março de 1992, as lideranças começaram a organizar os partidos políticos. Na eleição de 3 de outubro de 1992, quatro partidos estavam organizados: PDT, PDS, PT e PTB. No meu partido, o PDT, havia outros nomes disponíveis para candidato a prefeito, por isso, houve muita discussão para chegar a uma definição. Após incontáveis reuniões, fui indicada pelo PDT para compor, juntamente com o Décio Henkes, a chapa majoritária na coligação PDT/PDS à prefeitura de Mato Leitão. Havia ainda a chapa do PTB e do PT que concorreram sem coligação.
Quais os principais desafios nos primeiros anos de gestão?
Ser a primeira prefeita de Mato Leitão foi uma grande honra, mas acima de tudo um grande compromisso. Dar os primeiros passos com precisão e acerto, fazer o alicerce e traçar os rumos do novo município, delinear a estrutura administrativa, promulgar as leis básicas que norteiam a vida do Município foi realmente um grande desafio.
Com uma retroescavadeira alugada da Adedimat iniciamos uma operação tapa-buracos. E assim fomos indo. Em pouco tempo informatizamos os serviços da Administração e ampliamos o patrimônio municipal com a compra de equipamentos e concretização de muitas obras. Tudo foi dando certo, graças ao empenho e dedicação dos primeiros servidores, muitos dos quais ainda hoje integram a Administração Municipal, bem como o bom entrosamento com a Câmara de Vereadores.
“Iniciamos no dia 1º de janeiro de 1993 num prédio locado, sem maquinário, sem equipamentos, sem móveis, sem computador, sem carro, sem experiência e com tudo por fazer. As estradas eram praticamente intransitáveis, por anos abandonadas pelo município-mãe.”
Quais as ações mais acertadas, naquela época, que garantiram uma história de desenvolvimento?
Acho que as ações mais acertadas foram proporcionar qualidade de vida para a população, investindo na educação, agricultura, saúde e segurança, sem esquecer da geração de emprego e renda. Investimos na cultura, no esporte, no lazer, preservando a herança histórico-cultural e elegendo a orquídea como flor símbolo.
Muito importante foi delinear a estrutura administrativa do município, criando um Plano de Carreira prático e mantendo um quadro de servidores enxuto para não comprometer a capacidade de investimento. Fundamental também foi manter o equilíbrio orçamentário e financeiro e o bom trânsito com os governos do Estado e Federal, buscando recursos para investimentos. Outra decisão acertada foi a instituição do Regime Próprio de Previdência Social – RPPS que gera economia com a diminuição da alíquota patronal. Importante também a preocupação com o meio ambiente e o ordenamento e embelezamento da cidade com planejamento e projeção de ruas como a Perimetral que vai circundar a cidade e possibilitou termos hoje a bela Avenida Pilz.
Um ótimo investimento foi proporcionar a capacitação e qualificação dos servidores em geral e a formação dos profissionais da educação buscando o atingimento de metas promissoras. Enfim, foram ações acertadas, como buscar a parceria da Emater, universidades, empresas e entidades, bem como instituir Conselhos Municipais e governar com competência, transparência e austeridade com a colaboração e apoio do Legislativo Municipal.
Qual a essência de Mato Leitão, características que sempre foram foco do trabalho e se mantiveram ao longo dos 30 anos?
Como emancipacionistas tínhamos em mente criar um município basicamente agrícola, e que dotado de infraestrutura pudesse oferecer à população, principalmente aos jovens, condições de permanência no seu meio, evitando o êxodo rural e permitindo acima de tudo a preservação da herança histórico-cultural. Acho que esta essência, buscar a qualidade de vida da população com investimentos na cidade e no interior foi característica dos administradores municipais. Muitos benefícios a população conquistou ao longo destes 30 anos: melhoria nas estradas, nas redes de luz, redes de água para todo o município, ginásios esportivos, programas e incentivos diversos para as propriedades rurais, infraestrutura na sede urbana com pavimentação de ruas e passeios públicos, atendimento qualificado na saúde e grandes investimentos na educação com tempo integral nas Escolas Santo Antônio de Pádua, Ireno Bohn e Vó Olga, investimentos no Colégio Poncho Verde com Ginásio de Esportes e apoio aos estudantes universitários.
“Mato Leitão chega aos 30 anos com passos firmes e seguros, demonstrando maturidade e franco crescimento. A antiga vila, sede do 4º distrito de Venâncio Aires, transformou-se na simpática, calma e acolhedora Cidade das Orquídeas.”
Quais os principais avanços nestas três décadas?
Em primeiro lugar, a infraestrutura no interior e na cidade: pavimentação das ruas e passeios público e o embelezamento da cidade. A organização das comunidades. Destaco os avanços na agricultura, com a diversificação de culturas, a produção de leite com a melhoria do rebanho leiteiro e tecnologias de produção. Importante o impulso na produção de suínos e aves com a instalação do Condomínio Avícola e a Unidade Incubatório da Dália Alimentos. Fundamental a diversificação do comércio e da indústria com a implantação do Distrito Industrial e atração de novas empresas, um incremento para geração de emprego e renda. Uma grande conquista foi a aquisição da área e o início das obras do Centro Administrativo Municipal. Destaco igualmente a instalação do Parque de Eventos e os eventos culturais: Festa do Colono Imigrante, Exposição Estadual de Orquídeas e Festa das Orquídeas. Também destaco a otimização de serviços de um modo em geral com a renovação do parque de máquinas, o equilíbrio orçamentário e financeiro. Por fim, o protagonismo na Educação, na Saúde e Assistência Social e a atenção para com as pessoas: crianças, jovens , adultos e idosos.
“Mato Leitão é referência em qualidade de vida na região pois tem uma saúde e educação de primeiro mundo. Tem comunidades organizadas e um povo ordeiro e empreendedor. A Cidade das Orquídeas é bonita, organizada e prima pela gastronomia e hospitalidade de sua gente.”
Reconhecimento
Quais pessoas importantes na história do município que você destacaria?
Eunice Heuser: Certamente não posso citar todos que escreveram seu nome na história do município a partir da emancipação e mereciam ser citados. Difícil é fazer justiça. Começo citando os integrantes da Comissão de Emancipação que sempre estavam disponíveis e foram fundamentais para a criação do município.
– Adolar Inácio Reiter: presidente da comissão
– Décio Henkes: 1º tesoureiro da comissão e vice-prefeito na 1ª gestão
– Ireno Bohn (já falecido): 1º vice-presidente da comissão e vereador
– Dário Jaeger (já falecido): 2º vice-presidente da comissão e vice-prefeito 1997-2000
– Adelmo Raphael Machry: 3º tesoureiro da comissão e vereador
Destaco ainda pessoas que não integravam a comissão, mas foram fundamentais na ‘campanha do Sim’: vereador Elocyr Flávio Rodrigues da Silva, Marciano Heinen e Luiz Carlos da Rosa (já falecidos). Leonel Floriano de Quadro (já falecido), que foi o responsável pelo Tabelionato e Registro Civil de Mato Leitão de 1978 a 2002. Um grande colaborador na elaboração dos documentos do Processo da Emancipação. Também João Bohn Filho (já falecido), sócio-fundador da Finomate que, com mais de 80 anos de idade, em 1991, acompanhava todos os comícios em favor do Sim. Na pessoa dele, vai minha homenagem a todas as pessoas idosas que ajudaram a escrever a história de Mato Leitão.
Por fim, destaco os prefeitos que com certeza foram fundamentais na caminhada exitosa do município: Carlos Alberto Bohn, prefeito no 4º mandato (1997-2000, 2009-2012, 2016-2020, 2021-2024), João Aurélio Wildner, prefeito nas gestões 2000-2004 e 2004-2008, e Carmen Goerck, prefeita na gestão 2012-2016. Na pessoa do vice-prefeito Arly Stöhr vai o destaque para todos os vice-prefeitos, vereadores e presidentes da Câmara. Ele foi o 1º presidente do Legislativo Municipal, na legislatura de 1993.