Encarar o envelhecimento, por si só, já é difícil. Algumas pessoas se tornam mais dependentes e ficam limitadas a algumas atividades que, antes, eram do cotidiano. Mas, quando o Alzheimer faz parte deste período da vida, o processo se torna ainda mais doloroso, para a família e para o próprio indivíduo, já que o esquecimento – seja de episódios antigos ou de memórias bem recentes -, começa a fazer parte da rotina.
Para amenizar esta situação, principalmente aos familiares que cuidam de parentes com a doença, foi criado o Grupo de Leitura Guarda-Chuva de Flor, na Biblioteca Municipal. O projeto é liderado e coordenado pela bibliotecária Rosaria Garcia da Costa, e os integrantes do grupo, que no início eram seis, agora já somam 11 pessoas, que se encontram de 15 em 15 dias para falar sobre o Alzheimer e compartilhar leituras e materiais de apoio. O grupo começou em fevereiro deste ano e, segundo Rosaria, quem participa das atividades e familiares ressalta a importância da iniciativa. “Ouço comentários muito bons, de pessoas que aplicaram os aprendizados adquiridos no grupo com seus familiares e deu certo”.
Durante os encontros, os integrantes fazem trocas de leituras, perfis de redes sociais e sites que ajudam a entender e a conviver com o Alzheimer. Conversam também sobre informações gerais sobre a doença e os profissionais que auxiliam no processo. Além disso, em todo encontro, uma liderança ou profissional é convidado para falar sobre o tema, como terapeutas, psicólogos, médicos e servidores públicos ligados ao assunto. “Muitos não sabem de informações como a de que pessoas com Alzheimer têm direito a receber fraldas geriátricas, e da dificuldade do diagnóstico, em muitos casos”, afirma Rosaria.
A bibliotecária enfatiza que também compartilham sobre a dificuldade em cuidar de uma pessoa com Alzheimer, que perde o filtro social, a independência e não tem vergonha e nem noção de nada na maior parte do tempo. “Essas pessoas não sabem o que estão fazendo, e não adianta xingar ou brigar. Portanto, cada um deve buscar a melhor forma desse cuidado, que deve prezar pela paciência e amor, acima de tudo”, orienta.
“Quem cuida de pessoas com Alzheimer precisa de um espaço para compartilhar suas vivências sem culpa, pois muitas vezes, dentro da família, há julgamentos por se tratar de pais e mães doentes. Aqui todos se entendem por estarem passando pela mesma situação. Quem tem algum parente com Alzheimer, vai perdendo a pessoa aos poucos.”
ROSARIA GARCIA COSTA
Bibliotecária e criadora do grupo de leitura e apoio
- O próximo encontro do grupo será na terça-feira, 8, das 18h às 19h30min, na Biblioteca Municipal. Interessados em participar podem comparecer ou, se preferirem, fazer contato prévio pelo telefone WhatsApp (51) 2183-0262.
De onde surgiu a ideia
• Rosaria explica que a ideia de montar o grupo surgiu de uma experiência pessoal, já que cuidou do pai, que teve Alzheimer e faleceu em 2018. A bibliotecária percebe que após a pandemia, principalmente, a procura por livros que tratam sobre o tema cresceu muito. Ela entendeu que muitas das pessoas precisavam conversar e desabafar sobre os momentos de vivência.
Sobre o Alzheimer
1 A profissional Diana Ruaro, que atua com Medicina Interna e Geriatria, explica que o Alzheimer é uma doença neurodegenerativa progressiva que cursa com alterações cognitivas e comportamentais e, infelizmente, ainda não se conhece a cura.
2 Ela acredita que para entender melhor a doença, é importante manter uma relação de médico-paciente e médico-cuidador o mais próximo possível, tirando dúvidas e mantendo acompanhamento frequente do paciente.
3 A profissional participa do grupo Guarda-Chuva de Flor há pouco tempo, mas já percebe a diferença que os encontros em ambiente acolhedor fazem na vida de familiares e pacientes. “As pessoas percebem que não estão sozinhas, muitas vivem a realidade da doença ou conhecem alguém com Alzheimer. O grupo apoia, ensina a lidar com as fases e entender a doença, principalmente a tratar com carinho e compreensão”.
Uma válvula de escape na rotina de quem convive com a doença
Uma das integrantes do grupo é Maria Cristina Agnes Bencke, de 55 anos, que cuida da mãe, Venilda Agnes, 79 anos, diagnosticada com Alzheimer em 2019, mas em tratamento há mais de 10 anos, quando começaram a aparecer as primeiras mudanças de hábito. Para ela, que participa desde que o projeto foi iniciado, o grupo, que é de leitura, se torna muito mais de apoio. Maria já tinha o hábito de fazer muitas leituras e, quando percebeu que a mãe passava por esquecimentos frequentes, começou a estudar livros sobre o assunto.
No grupo, aprendeu e teve conhecimento de muitas redes sociais e sites que tratam sobre Alzheimer e pôde trocar ideias e experiências com os demais colegas e os profissionais convidados. Venilda fará 80 anos no dia 17 de novembro. Ela, que ainda mora sozinha, perto da filha, no bairro São Francisco Xavier, está perdendo a autonomia e já não lembra de fatos bem recentes. “Acompanho ela direto e vejo como é difícil esse cuidado e entendimento. Hoje já adaptamos tudo e tiramos acesso ao fogão e a chave da casa dela, por exemplo”, explica Maria, que cuida da mãe durante todo o dia.
O grupo também funciona como uma válvula de escape. “Não vejo a hora de chegar o dia do nosso encontro para que eu possa me aliviar”, constata. Mesmo que o irmão Luís também ajude, é com Maria que dona Venilda tem contato mais direto. “É uma relação de paciência e amor, não adianta brigar, xingar nem discutir”, reforça. As filhas, Juliana e Sabrina, também são fortes apoios de Maria na rotina de cuidado com Venilda. Sabrina, inclusive, também participa do grupo. “São meu braço direito. Me tranquilizam e dão forças.”
“A pessoa com Alzheimer vai se transformando aos poucos, mas o amor nunca se vai, ele permanece. E, mesmo que um dia ela não vá mais me reconhecer, lembrarei dela para sempre.”
MARIA CRISTINA AGNES BENCKE
Cuidadora da mãe com Alzheimer e integrante do grupo de leitura e apoio
Memória
• Entre as lembranças que Venilda tem bem forte na memória é o cuidado que sempre teve com a limpeza da casa, já que também trabalhou como diarista no passado.
• O gosto de ir nas missas da comunidade também permanece e a filha Maria faz questão de levá-la para manter o hábito, mesmo que ao sair da missa ela já não lembre mais do que participou.
• As atividades paliativas fazem parte da rotina de Venilda. “Além do tratamento com medicamentos, levamos ela para passeios e visitas aos parentes. Queremos proporcionar os melhores momentos e ficamos felizes em fazer isso por ela”, afirma a filha.
• Maria tem o cuidado de anotar toda a evolução da doença da mãe em um caderno, além de anotações dos estudos e leituras que faz. “Faço isso para lembrar de tudo, porque há detalhes que também esquecemos. E também para caso algum familiar queira ler para entender um pouco do que o Alzheimer causa”, conclui.