Pouca gente sabe, mas além do trabalho com o bisturi, o cirurgião geral e coloproctologista Paulo Romeo Coitinho Abrahão, 61 anos, também é habilidoso com o pincel. Ou seja, além de médico, há décadas ele se dedica à arte e parte desse trabalho com pinturas de telas poderá ser conferido nos próximos dias, numa exposição no Museu de Venâncio Aires. Com o tema ‘Arte ao longo da vida – a arte como terapia’, as obras ficarão expostas entre 6 de março e 6 de abril.
Embora seja um fato desconhecido para a maioria dos venâncio-airenses, a arte acompanha o médico há quase 50 anos e despertou nele ainda na infância, quando morava na região norte do Rio Grande do Sul, onde cresceu, primeiro em Barracão, depois em Erechim. Com avós maternos portugueses e avô paterno judeu, da região de Israel, Abrahão conta que o gosto pela cultura vem da família. “A cultura sempre esteve muito presente. Meus pais foram professores e em casa sempre tinham muitos livros e revistas.” No caso dele, ainda pequeno, foi lendo os gibis de Walt Disney, principalmente as histórias de Tio Patinhas e Pato Donald, que também veio a vontade de desenhar. Assim, traçando personagens dos quadrinhos, que Paulinho, o apelido em família, começou a desenhar e pintar com mais interesse.
Em 1976, com 13 para 14 anos, pintou o primeiro quadro. Numa tela de linho de 1,2 metro x 60 centímetros, fez ‘O João-de-barro’. Vendo o gosto do filho pela arte, a mãe, Ione, decidiu matriculá-lo na Escola de Belas Artes Professor Osvaldo Engel, em Erechim, que frequentou por três anos. “Lá aprendi e desenvolvi várias técnicas de pintura. O uso de luz, sombra, as tintas, por exemplo. Aprendi sobre impressionismo, realismo, paisagens e abstrato.” Nesses quase 48 anos pintando, Abrahão destaca que a inspiração é um ponto importante, mas que a arte também é terapia. “Gosto de tirar fotos e imaginar telas, especialmente paisagens. Pinto nos fins de semana, numa noite que atendi no hospital e não consegui voltar a dormir, ou apenas para tirar o estresse. É uma terapia.”
Sobre a exposição
Paulo Abrahão revela que a ideia da exposição surgiu após uma conversa com o colega de profissão, o médico Cristiano Pilz, presidente do Núcleo de Cultura de Venâncio Aires (Nucva), responsável pela manutenção do Museu. “A gente estava numa sala de cirurgia e ele comentou sobre a importância de movimentar mais o Museu. Então sugeri uma exposição de arte e ele me perguntou: ‘Mas quem pinta?’ Aí respondi: ‘Eu!’”, relatou o médico, entre risos, lembrando da surpresa do colega ao descobrir sobre o passatempo dele.
A exposição ‘Arte ao longo da vida – a arte como terapia’ ficará no Museu entre 6 de março e 6 de abril, para visitação de segunda a sexta, das 8h30min às 11h30min e das 13h30min às 16h30min. Haverá sorteio de um livro sobre a História da Arte entre os visitantes. Na próxima quarta, 6, ocorre o vernissage para convidados às 18h e, a partir das 19h, a exposição já estará aberta ao público, até as 21h30min, com a presença do artista. Cerca de 50 obras serão expostas.
Abrahão explica que cada quatro exposto trará uma ficha técnica, com nome, ano, dimensões, gênero, técnica usada e onde se encontra. No caso dele, trata-se de uma coleção particular. Das telas que pintou, destaca que já deu algumas de presente para familiares e nunca pensou em vendê-las. “O objetivo é que ajude a movimentar o Museu e que a arte, assim como mexeu comigo, que possa mexer com outras pessoas. Penso sempre nas crianças e de quanto talento pode ter dentro delas para pintura, música, escultura e dança, só precisando de um incentivo.”
Grandes artistas
• O interesse do médico pela pintura também reflete nas leituras e gosta muito de ler sobre História da Arte. Abrahão revela que também é admirador daqueles considerados os maiores artistas da história e cita Van Gogh, Monet, Da Vinci, Michelangelo e Rembrandt.
• É de Rembrandt, aliás, a obra que ele diz que gostaria de ter pintado. Trata-se de ‘A Lição de Anatomia do Dr. Tulp’, uma pintura a óleo sobre tela, feita em 1632. “É uma pintura cheia de detalhes e tem relação com a Medicina”, comenta o médico.
• Questionado se ele se considera um artista, Abrahão é enfático: “Se Michelangelo, que pintou a Capela Sistina, não se considerava pintor, quem sou eu pra me considerar um artista? Sou apenas um médico que gostar de pintar.”
Além da arte, o futebol e a Medicina
Assim como a arte despertou em Abrahão ainda na infância, desde pequeno ele também se divide entre mais duas paixões: o futebol e a Medicina. Colorado e que cresceu numa das décadas mais vencedoras da história do Internacional, ele conta que até almejou jogar profissionalmente (como um dos irmãos, que jogou por Ypiranga e Inter), mas o porte franzino não lhe favoreceu na época. Assim, o futebol seguiu de forma amadora, mas constante até hoje. Sempre na lateral direita, Abrahão integra quatro times de veteranos que jogam futebol 7.
Quanto à Medicina, destaca que começou a se interessar com cerca de 8 anos, época que a mãe descobriu um câncer no útero e depois no intestino. Ela superou a doença e viveu até os 75 anos. Abrahão lembra que também virou o ‘médico’ da gurizada que se machucava pisando em espinhos, arrebentando dedo em pedra ou ralando joelhos. Montou seu kit de primeiros socorros com tesoura, esparadrapo, gaze, Merthiolate e água oxigenada, dentro de uma caixa construída com sobras de madeira onde vinham as ferramentas de um vizinho mecânico. “Pintei a caixa de branco e desenhei uma cruz vermelha. E eu cobrava pelos atendimentos, para conseguir repor o material”, relata, entre risos, falando dos centavos que os ‘pacientes’ lhe davam.
No Ensino Médio, fez um curso de Atendente de Enfermagem e, em 1985, ingressou na faculdade de Medicina na Universidade Federal de Rio Grande, onde se formou em 1990. Foi lá que Paulinho começou a ser chamado de Abrahão (como também é conhecido em Venâncio), já que eram oito ‘Paulos’ na faculdade. Em 1991, começou a trabalhar em Passo do Sobrado, ainda um distrito de Rio Pardo e, nesse meio tempo, também virou o médico do Esporte Clube Guarani, de Venâncio Aires. Com muitas amizades na Capital do Chimarrão, se mudou para Venâncio em 1994, onde segue até hoje trabalhando como cirurgião geral e coloproctologista. Também é o atual diretor técnico do Hospital São Sebastião Mártir (HSSM).
Perguntado se é mais difícil lidar com o bisturi ou o pincel, Abrahão não hesita. “O pincel é muito mais fácil, porque ainda me permite corrigir um erro. Mas acredito que uma coisa ajuda a outra, quanto ao tato. Porque assim como é preciso cuidado e delicadeza para lidar com o tecido do corpo humano, deve ser com a pintura.”
“A arte é uma forma de expressar sentimentos e emoções. É cultura e educação. A arte reflete os aspectos sociais, históricos, políticos e religiosos. Existe comunicação pela pintura e por ela aprendemos sobre a evolução do mundo e do ser humano.”
PAULO ABRAHÃO – Médico e pintor