“Hoje, no litoral gaúcho, a água está quente e os banhistas estão adorando. De fato, a água a um ou dois graus acima da média normal para a nossa costa é um espetáculo. E se ela ainda estiver com plena condição de banho, melhor ainda. Mas a água está quente porque os oceanos estão mais quentes, a corrente do Brasil está mais forte e isso está trazendo algumas mudanças de modo geral.” O alerta é do professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e climatologista Francisco Eliseu Aquino, que recentemente participou de uma expedição à Antártica, que concentra 90% do gelo do mundo, junto de 57 pesquisadores de diferentes países.
Segundo relatou, em entrevista ao programa jornalístico Folha 105 – 1ª Edição, da Rádio Terra FM, o aumento constante na temperatura média global tem deixado marcas importantes em diversas regiões do mundo. Institutos de meteorologia já indicam que o planeta Terra atingiu a média de 1,5ºC acima do período pré-industrial, mesmo índice que foi o limite firmado por 195 países em 2015 no Acordo de Paris. Aquino projeta que a Terra deve atingir, até 2035, números próximos aos 2ºC acima.
“Se a gente considerar que a década mais quente da história de toda a humanidade foram os últimos 10 anos, que 2024 foi o ano mais quente do mundo e que janeiro de 2025 é o mês mais quente da história, é óbvio que os eventos extremos vão se intensificar. As inundações extremas no Rio Grande do Sul estão diretamente associadas à mudanças climáticas, assim como a estiagem que agora nos afeta. A estiagem que nós temos é mais impactante pela mudança do clima que pelo La Niña, que tem efeito de diminuir a precipitação, mas não de deixar tão quente. Ele deveria fazer o oposto: arrefecendo as temperaturas extremas do nosso verão”, explicou.
Estações menos definidas
O aumento nas temperaturas globais e consequente degelo na Antártica deve reduzir a influência do continente gelado no Rio Grande do Sul, uma das regiões mais ao sul do mundo: “A gente lembrava que os verões tinham dias quentes, mas não semanas muito quentes, não madrugadas muito quentes. Nós tínhamos um inverno mais rigoroso, mais marcado, hoje ele é bem mais morno.”
Esse impacto, além da saúde humana, pode ser sentido com mais intensidade na agricultura, uma vez que as ondas de calor têm começado na primavera, comprometendo a reserva de água do inverno logo nos primeiros meses após a estação mais fria do ano.
Já durante o verão, naturalmente mais seco, cada vez mais as frentes frias precisam ser mais robustas para superar as ondas de calor. Dessa forma, tornam-se mais comuns as tempestades, as chuvas de granizo e os vendavais, por exemplo, citou Aquino.
Reversão das mudanças climáticas é possível?
Na opinião do professor Francisco Eliseu Aquino, sim, é possível ainda revertermos o grave quadro instalado no planeta a partir das mudanças climáticas. No entanto, seria demandado um “esforço global gigantesco”, como definiu. “A gente está vendo que internacionalmente a política não vai nos ajudar nesse assunto. Então, eu tenho que dizer que, do ponto de vista da ciência, nas próximas gerações, nas próximas décadas e nos próximos 100 anos, a gente seguirá com a temperatura subindo”, lamentou.
Para ele, uma mudança deverá partir da própria comunidade, como preservar áreas verdes e as nascentes dos rios, economizar o uso de água, utilizar formas alternativas de geração de energia, separar o lixo e diminuir o uso de carros.
“É claro que o Rio Grande do Sul tem total condição de amenizar suas condições, de preservar a água, de preservar a diversidade, porque essa é a nossa tecnologia mais barata e a mais disponível para que a gente possa seguir desenvolvendo as nossas regiões com racionalidade e tecnologia”, disse.
Arborização urbana como alternativa
Outro aspecto elencado pelo climatologista é a importância de manter as vias públicas da área urbana arborizadas. Em Porto Alegre, onde reside, Aquino explicou que fez algumas medições em determinados pontos da cidade. Segundo ele, nos pontos arborizados da capital dos gaúchos, a temperatura chega a ser de 5ºC a 7ºC mais baixa. Em comparação, nos locais expostos, por vezes chegou-se a medir 50ºC.
“A gente sabe que a temperatura sobe demais no solo exposto. Então, a estiagem aumenta a temperatura do solo, o solo pede mais a umidade e a gente não consegue sobreviver nessas condições”, concluiu.