Religião assume papel de protagonismo em Venâncio Aires

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Conforme pesquisa feita pelo Censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os 141 estabelecimentos religiosos em Venâncio Aires superam a quantidade de instituições de ensino no município, que somam 112, e de saúde, que chegam a 132. A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo não faz diferenciação por religião, mas a reportagem apurou que são 31 comunidades católicas no município e que o último levantamento do Conselho de Ministros e Pastores Evangélicos de Venâncio Aires (Compev), realizado entre 2016 e 2018, contabilizava 50 igrejas evangélicas.

O número chama a atenção, mas não surpreende. Professor de Sociologia na Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) e pesquisador sobre religiosidade, Cesar Goes entende que este é um processo natural.

“Uma sociedade dinâmica produz ambientes onde os indivíduos possam, de alguma maneira, se encontrar e exercer a sociedade, sua vontade e a sua dimensão religiosa. Portanto, muitos templos, a rigor, é sinal também de uma liberdade de culto, é sinal de uma sociedade múltipla, diversa, e nesse sentido não deve ser limitada”, justifica. Para Goes, esse movimento é sinal de uma abertura democrática para o exercício religioso.

Já o presidente do Compev e pastor da Igreja Pentecostal Ministérios da Fé, Ben-hur dos Santos, entende que o crescimento no protagonismo das igrejas, fenômeno que não está presente apenas na Capital do Chimarrão, tem relação direta com o impacto social que as denominações têm feito nos últimos anos.

Um exemplo é a casa Fé Ylê, de Mãe Rita Campos de Iemanjá. Ela está há 27 anos na religião de Nação Africana – uma vertente do Candomblé. A Mãe de Santo conta que os templos religiosos acolhem a comunidade da qual faz parte. “A gente faz repasse de alimentos às famílias carentes, festas comemorativas e distribuição de mantimentos às famílias e crianças da comunidade”, lembra.

A comunidade luterana, por sua vez, promove ações na área da educação, por meio do Colégio Gaspar, além de trabalhos sociais. Há ações de assistência a pessoas necessitadas e vítimas de catástrofes, como as enchentes, e de arrecadação de leite para a Liga Feminina de Combate ao Câncer. Na música, também há diversos grupos organizados que se apresentam em atividades locais.

Já a igreja católica, do ponto de vista histórico, tem participação fundamental para a constituição da cidade. O cônego Albino Juchem teve participação fundamental na fundação do Hospital São Sebastião Mártir, em 1935, como lembra o padre Aldo José da Silveira. Além disso, o sacerdote também menciona que os salões comunitários são constantemente colocados à disposição dos venâncio-airenses.

Mãe Rita de Campos participa há 27 anos da religião de Nação Africana (Foto: Grande Axé de Porto Alegre)

ESPIRITUALIDADE EM ALTA

Em um contexto em que cada vez se fala mais sobre saúde mental e as doenças causadas pelo psicológico, as religiões acreditam muito que são fundamentais também neste aspecto. Para Santos, trata-se de uma questão de equilíbrio entre corpo e mente: “Na realidade, é uma necessidade que existe em nosso interior de ter essa busca. Por exemplo, o nosso corpo físico avisa quando necessitamos de alimento. Também o nosso espírito anseia em ser alimentado, a nossa alma precisa de um alimento. Estamos vivendo em uma época onde notamos que existe um aumento de doenças relacionadas à alma, como depressão, ansiedade, síndrome de burnout, entre outros”.

O sentimento é compartilhado por Rita, que afirma que 80% dos consulentes que chegam à casa buscam ajuda para superar alguma situação difícil que apresentam. “A verdade é que as religiões de matriz africana servem para ajudar. Ajudar espiritualmente aqueles que necessitam, que vêm em busca de um conforto, uma palavra de carinho, um conselho, um caminho melhor a seguir. Acredito que todo sacerdote independente da religião está aqui para orientar espiritualmente, aconselhar e ensinar os fundamentos do amor e da caridade. Ensinar que precisamos ter fé em um ser maior, independente do nome pelo qual queira chamar”, pontua.

O padre Aldo afirma que o crescimento dos templos religiosos “é um grande sinal de que o ser humano realmente não vive sem o espiritual. O mundo tenta colocar o ter e o possuir de qualquer maneira. E o ser humano vai, então, buscando um jeito diferente de viver a espiritualidade e vão criando grupos. Muitas vezes nem são religiões, são grupos, são células”.

Por outro lado, o pastor luterano Jair Luiz Holzschuh tem uma visão mais crítica deste ‘fenômeno espiritual’ que é registrado em todo o país. Para ele, existe uma atenção maior às individualidades, enquanto o senso coletivo fica em segundo plano. “As pessoas buscam por uma espiritualidade pessoal, para o seu bem-estar e para suprir suas necessidades ou projetos. Temos a impressão que a espiritualidade e o louvor nas igrejas não saem de lá. Esse fervor não se torna realidade no relacionamento entre as pessoas. Me parece que a espiritualidade buscada e cultivada é, em muitas situações, que Deus atenda seus projetos pessoais e não o contrário”, analisa.

CUIDADO COM DISCURSOS

Embora os benefícios estejam claros, há cuidados que fiéis precisam tomar em relação aos discursos. O próprio trabalho de mentoria, que muitas denominações fazem com quem os segue, pode deixar gerar um desequilíbrio nas relações entre as lideranças e os religiosos, como alerta o professor Cesar Goes. “Há uma relação direta entre o baixo nível de educação de uma população e a adesão dessa população a discursos mais messiânicos. São discursos menos autônomos no sentido da formação religiosa de um indivíduo, que são os discursos de medo, as promessas infundadas da teologia da prosperidade, os discursos sobre exorcismos e tudo mais”, coloca.

Pastora da igreja Tenda das Missões, em Mato Leitão, Maria Liane Neve, também critica a postura de determinados líderes religiosos. “O papel que eu enxergo nas igrejas não é o papel que eu gostaria de enxergar. No meu ponto de vista, eu enxergo uma ânsia, uma busca incessante pelo poder. Ou seja, o poder dominante e a busca para obter privilégios. Não é isso que eu creio que a igreja deveria exercer, mas é o que se vê”, lamenta.

Outro aspecto levantado por Holzschuh é a relação que o campo religioso estabeleceu com a política. Para ele, o papel atual da igreja é voltar ao seu lugar, que não tem a ver com busca de poder, mas, sim, como um local que serve a comunidade: “A Igreja de Cristo não pode servir a propósitos políticos ou ideológicos de qualquer matiz. Fazer isso é tornar Cristo pequeno, do tamanho da minha capacidade de pensar e entender. Cristo é maior e está acima de tudo isso”.

O que é necessário para abrir uma igreja?

Conforme a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo de Venâncio Aires, existe um procedimento que interessados em abrir templos religiosos no município precisam seguir. Após a constituição da igreja, com a criação do estatuto com normas e fundamentos e abertura do CNPJ, deve ser realizada a Inscrição Municipal. “Com a formalização finalizada, esses documentos devem ser protocolados para o Município para o casamento com algumas informações básicas, como endereço e responsável pela entidade”, explica a Fiscal de Posturas da Prefeitura, Daniele Mohr.

O segundo passo é o de licenciamento, que pode ser feito já com a igreja em funcionamento. Neste momento é que são apresentados outros documentos como o habite-se e o alvará do Corpo de Bombeiros. Com os documentos em dia, a entidade fica regular para a abertura. Na oportunidade, também a Secretaria explica ao responsável pelo local o que pode ser feito no ambiente. “Muito se confunde igreja com comunidade, com clubes comunitários ou locais de reuniões. A atividade religiosa tem determinadas ações adicionais que podem ser feitas e outras não. Por exemplo, um baile não pode ser feito numa igreja sem outra licença específica para essa festividade”, completa. Essa fiscalização é feita pela Prefeitura ou pelos Bombeiros.

IRREGULARIDADES

Dados do Desenvolvimento Econômico dão conta de que há um grande número de templos religiosos em Venâncio Aires que estão em situação irregular. “Os cadastros para a regularização não cresceram na mesma medida das aberturas e muitas entidades desconhecem essas obrigações”, conta Daniele. Ainda, esses locais devem seguir uma série de regramentos que vão desde questões estruturais, relativas ao espaço em que são realizados os encontros, até o direito de vizinhança, como perturbação de sossego, que, conforme a pasta, são os motivos mais recorrentes de denúncia na ouvidoria.

Estar com a situação irregular, por outro lado, não sujeita a igreja a ser interditada de forma imediata. Nos casos de constatação de irregularidades, geralmente são fornecidos prazos para adequação. Por outro lado, estar irregular pode fazer com que as entidades percam oportunidades e direitos. “Vai limitar muitas coisas. A entidade fica impossibilitada de receber emenda impositiva, repasses e auxílios do Município, não pode ser parceira em projetos ou receber isenção de taxas de uso de espaço público, como o Parque do Chimarrão, por exemplo”, cita a fiscal. O poder público, por sua vez, atua na fiscalização, principalmente após o recebimento de denúncias.

Culto em ‘portunhol’ une Brasil e Venezuela no bairro Gressler

A igreja Encontros de Vida está localizada no bairro Gressler, dentro de Venâncio Aires, mas, na prática, tem um pezinho em outro país da América do Sul. Segundo conta o pastor Jeferson Domingues, 49 anos, dos cerca de 60 membros que acompanham os cultos semanalmente, 50 são venezuelanos. O templo está instalado na Capital do Chimarrão há pouco menos de cinco anos, mas sua origem foi há 16 anos, no Uruguai, na cidade de Salto.

Domingues relembra que o intuito da igreja não era necessariamente acolher pessoas de outros países, mas acabou acontecendo em decorrência de determinados fatores. Com a pandemia de Covid-19, muitos frequentadores se afastaram logo após os primeiros meses de atuação da recém-chegada denominação. Logo em seguida o pastor soube deste grupo, que morava próximo à RSC-453, em situação socioeconômica bastante fragilizada. Ele e sua esposa, Cláudia Rosa, também pastora, entenderam que podiam se aproximar para ajudar a comunidade a encontrar melhores condições de vida.

“A gente ficou sabendo que eles estavam passando por necessidades e sendo explorados. Então, fomos visitar para ver de que maneira poderíamos ajudar. Juntamos doações, entregamos e, a partir daí, começamos a criar uma afinidade com esse público. Aprendemos espanhol para conseguir nos comunicar melhor com eles. Algumas famílias vieram congregar conosco, estas começaram a trazer outras. A partir daí chegaram muitas pessoas”, lembra Jeferson Domingues.

Além dos fiéis venezuelanos, também participam dos encontros alguns colombianos e cubanos. Também há o pastor Jonny Diaz, uruguaio, que contribui com a igreja desde agosto do ano passado. Por conta de toda essa comunidade hispanofônica, os cultos, hoje em dia, são em uma espécie de ‘portunhol’, porque mistura elementos da língua portuguesa com outros da língua espanhola. “A gente é conhecido como a igreja dos venezuelanos”, exalta Domingues.

Jeferson Domingues e Cláudia Rosa foram os pastores que trouxeram a igreja Encontros de Vida para Venâncio Aires (Foto: Juan Grings)

ENSINAR A PESCAR

“A gente não dá o peixe, mas ensina a pescar”, observa a pastora Cláudia Rosa. O trabalho desenvolvido pelas lideranças da Encontros de Vida envolve trabalho de orientação não só na vida espiritual, mas também profissional. Os pastores auxiliam na confecção e envio de currículos para empresas com quem têm contatos, fornecem dicas sobre como se portar em uma entrevista e também organizam, junto a empresários locais, doações de móveis e roupas para trazer maior dignidade à vida de quem passa por necessidades.

Hoje praticamente todos os frequentadores dos cultos moram e trabalham nos arredores do bairro Gressler, próximos ao templo. “A gente presta um grande auxílio ao Município. Ele não consegue chegar a algumas pessoas e a igreja acaba sendo esse suporte. Tanto na questão material, quanto na questão espiritual. Tem pessoas que estavam prestes ao suicídio, vieram à igreja, ouviram o conselho pastoral e desistiram”.

Fiéis com dificuldades socioeconômicas já receberam diversas doações organizadas pela igreja (Foto: arquivo pessoal)


Juan Grings

Juan Grings

Repórter de geral na Folha do Mate e produtor na Rádio Terra FM.

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