O número de brasileiros vai diminuir, e não deve demorar muito tempo. De acordo com a mais recente projeção divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), o país deve começar a ver a sua população reduzir a partir de 2041, quando deve chegar a um pico de 220,4 milhões de habitantes. Atualmente, o número é de 212,5 milhões. O estudo consegue prever o desenvolvimento populacional do Brasil até 2070, ano em que o número de habitantes voltará a uma marca abaixo dos 200 milhões, o que não acontecia desde 2014.
O IBGE utiliza dados provenientes de diversas fontes, como os três censos demográficos mais recentes (2000, 2010 e 2022), a série histórica das Estatísticas do Registro Civil (iniciada em 1974), o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), ambos do Ministério da Saúde, entre outros.
No entanto, o cenário é ainda mais drástico se analisado apenas o Rio Grande do Sul. Isso porque, ao lado de Alagoas, no Nordeste, o estado do Sul começará a diminuir em termos de habitantes já daqui a três anos. De acordo com o último Censo Demográfico (2022), são 10,8 milhões de pessoas vivendo no estado e, até 2027, o número vai crescer em 400 mil habitantes. Neste momento, começa a queda – sendo ultrapassado por Santa Catarina em 2054, o que o tornará o Rio Grande do Sul menos populoso da região Sul. Em 2070, o IBGE projeta 9,1 milhões de habitantes.
O que explica?
O segredo está na taxa de fecundidade, que calcula quantos filhos cada mulher tem ao longo da sua vida. De acordo com o professor do Programa de Pós-Graduação Mestrado e Doutorado em Desenvolvimento Regional da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), Marco André Cadoná, a diminuição da taxa já ocorre há muito tempo.
“Existem dados que mostram que nós, em 1960, tínhamos uma taxa de fecundidade de 6,28 e, em 2020, essa taxa diminuiu para 1,80. Nos últimos anos, de 2020 para cá, nós temos observado que essa taxa vem diminuindo, de modo que, do que se prevê para 2030, alguns estudiosos dizem que nós vamos chegar a uma taxa de 1,5 filho por família”, disse, em participação no programa jornalístico Folha 105 – 1ª Edição, da Rádio Terra FM, da última segunda-feira, 26.
Segundo o estudo do IBGE, por exemplo, em 2022, a taxa já era de 1,58. O Rio Grande do Sul, por sua vez, já tem marcas mais expressivas. No ano passado, cada mulher tinha, em média, 1,51 filho e, em 2035, o índice deve ser de 1,41. Especialistas apontam que uma taxa segura para retomar o aumento populacional seria, ao menos, 2,1 filhos por mulher.
Conceito de família
Cadoná elencou diversas alterações sociais pelas quais o Brasil e diversos países passaram nas últimas décadas. Uma delas tem relação com a ideia de família. “Nós já não vivemos mais numa sociedade em que existe um único modelo de família. Primeiro, nós poderíamos dizer que hoje há um maior número de casamentos que terminam em divórcio. Portanto, nós temos uma maior separação de casais. Temos também um adiamento da formação de cônjuges: os jovens estão casando mais tarde. Há também a formação de relacionamentos sem casamentos, que, enquanto instituição, não é mais considerado tão importante quanto era tempos atrás”, ponderou.
Além desse esvaziamento do significado, o formato da união também passou por muitas alterações. Conforme trouxe o professor, não há mais apenas um tipo de família, com pai, mãe e filhos: “Agora há muitos casais sem filhos. Também temos casais com filhos de outros casamentos, nós temos uma porcentagem significativa de mulheres sem cônjuge e com filhos, nós temos casais cujas orientações sexuais não são hétero, podendo ser homossexuais ou bissexuais.” Esses diferentes arranjos, segundo Cadoná, traduzem mudanças culturais muito importantes na sociedade contemporânea.
Métodos contraceptivos
Outro ponto que ajuda a explicar por que mulheres não engravidam tanto quanto na década de 1960 é a evolução da ciência e o consequente fácil acesso a métodos contraceptivos. Hoje em dia, por exemplo, postos de saúde em comunidades, na sua maioria, distribuem estes itens de maneira gratuita à população geral. Da mesma forma que muitas mulheres tomam anticoncepcionais regularmente. “Os avanços permitem que as mulheres tenham maior controle sobre os seus corpos e possam também planejar e tomar decisão acerca de ter ou não ter filhos”, explicou.
Posição na sociedade
As alterações sensíveis pelas quais sociedade passa proporcionaram também uma mudança na própria posição que a mulher se percebe dentro da sociedade. Isso tem impacto, como já abordado, na composição familiar, mas também no mercado de trabalho, na economia, em papéis de liderança. Durante o programa, Marco André Cadoná exemplificou que a inserção de mulheres em posições mais importantes dentro de corporações cria dificuldades no cuidado dos filhos: “A sociedade, por exemplo, precisa se preocupar com uma estrutura de cuidados para que as mulheres possam efetivamente integrar suas necessidades familiares com as necessidades que se colocam a partir do mercado de trabalho.”
A ocupação em lugares de maior relevância em empresas é também um reflexo direto do aumento da escolaridade destas mulheres. Antes formadas muitas vezes apenas cuidar da casa e criar os filhos, a partir da segunda metade do século XX, elas foram muito mais incentivadas e estudar e ir atrás de realizações profissionais.
“Hoje não vamos necessariamente encontrar nas gerações mais novas mulheres que colocam a formação da família, ter filhos, como prioridade. É possível que, em muitos segmentos da sociedade, as mulheres jovens coloquem como prioridade a inserção, com a permanência, no mercado de trabalho, a realização profissional. Na medida em que aumenta a sua escolaridade, elas também têm maiores informações, tem um espectro de relações mais amplo que contribui para que elas se redefinam, enquanto lugar que ocupam na sociedade e mesmo o lugar que ocupam na estrutura familiar. Passamos, assim, de uma pessoa mais passiva, socializada para casar e ter filhos, para uma pessoa que tem maior interesse em participar da sociedade e também uma pessoa que quer definir, com maior autonomia, seus projetos de vida”, salientou.
População brasileira ao longo dos anos
• 2000: 174, 6 milhões
• 2020: 209,1 milhões
• 2040: 220,3 milhões*
• 2060: 211 milhões*
• 2070: 199, 2 milhões*
*Projeção do IBGE
População gaúcha ao longo dos anos
• 2000: 10,2 milhões
• 2020: 11,2 milhões
• 2040: 10,9 milhões*
• 2060: 9,8 milhões*
• 2070: 9,1 milhões*
*Projeção do IBGE
Nascimentos em Venâncio Aires
• 2013 – 707
• 2014 – 816
• 2015 – 815
• 2016 – 792
• 2017 – 772
• 2018 – 814
• 2019 – 808
• 2020 – 767
• 2021 – 648
• 2022 – 761
• 2023 – 721
Menos alunos, mudança no mercado de trabalho e população envelhecida: os reflexos
A diminuição na taxa de natalidade tem reflexos diretos em uma série de aspectos da sociedade, como contou o professor. A primeira mencionada é a diminuição de alunos nas escolas. Há comunidades, especialmente no interior dos municípios, em que já há educandários sendo fechados pela falta de estudantes, embora esse fenômeno também tenha relação com outros fatores, como a migração para a zona urbana. “Agora, por outro lado, essa queda também nas matrículas, permite que a sociedade pense em estratégias de qualificação do ensino escolar, uma menor demanda que poderá impulsionar um movimento de qualificação cada vez maior da educação”, ponderou. Outra consequência se dará, a longo prazo, no mercado de trabalho, pela diminuição de jovens atuando em empresas e organizações, o que vai forçar, como projetou, estratégias de redefinição do mercado.
Por fim, Candoná citou o envelhecimento da população como um dos grandes desafios dos governantes do futuro. A esperança de vida do brasileiro, também conhecida como expectativa de vida, hoje é de 76,4 anos, mas o número deve subir ano após ano e chegar à marca de 83,9 em 2070, segundo o IBGE. Essa característica determina que os idosos terão de ser o foco de políticas públicas, como já foi o caso da Reforma da Previdência, de 2019, que alterou uma série de legislações para a aposentadoria. Outro efeito a ser observado é um maior investimento em casas geriátricas, que possam dar conta da demanda que municípios terão de lidar no futuro próximo.
Exemplos de fora
A redução nas taxas de natalidade já é encarada como um problema a ser combatido em muitos países ao redor do mundo. Na China, onde, a partir o fim da década de 1970, o governo instituiu a política de controle populacional, em que um casal podia ter apenas um filho, agora há um movimento reverso. Há três anos, o país voltou a incentivar pessoas a terem mais filhos. Em 2022, por exemplo, o número de mortes superou a de crianças nascidas. “Esses incentivos têm ocorrido através de desconto dos impostos, de licença-maternidade maior, de licença-paternidade, criação de uma rede de cuidados das gestantes e dos bebês e outras medidas”, citou o professor.
O Brasil, conforme Candoná, primeiro deve fazer uma discussão sobre a redução nas taxas de fecundidade serem, de fato, um problema. Para ele, o incentivo ao aumento no número de nascimentos no país passa pela “construção de acordos, definição de políticas que possam fazer com que essa mudança ocorra, mas respeitando também as individualidades e os projetos de vida individuais e familiares.” Seriam necessários avanços nas rendas das famílias, ampliação na infraestrutura de cuidado e um olhar diferente para as mulheres no mercado de trabalho.
Participações durante o programa
• Margarete Klock: “Minha mãe vem de uma família de 17 irmãos, já meus pais têm quatro filhos e eu um”.
• Roberta de Oliveira: “Minha família vem diminuindo a cada geração. A vó tem oito filhos, a mãe tem três filhas. Eu tenho dois filhos”.
• Rosane de Lourdes Mueller Palhares: “Na minha família éramos 14 irmãos e eu tenho dois filhos”.