Quis o destino ou apenas o ‘andar da carruagem’ da História que o ano de 2022 viesse carregado de fatos importantes e um tanto passionais para o brasileiro. Afinal, os principais assuntos por aqui (onde a Covid já deixou as manchetes), são as comemorações dos 200 anos da Independência (marcando esse 7 de setembro), as eleições presidenciais (em outubro) e a expectativa pelo hexa na Copa do Mundo (excepcionalmente entre novembro e dezembro, por ser no Catar).
Em comum, para os três eventos, as cores verde e amarelo ficariam em evidência, seja nas bandeiras hasteadas em locais diversos, no desfile cívico ou nas camisetas em estádios de futebol. Mas, nos últimos tempos, as analogias têm ido além e protagonizam uma verdadeira polarização política, devido ao que muitos especialistas têm classificado como uma das eleições mais ‘inflamadas’ de todos os tempos. A identificação é tamanha que, eleitores ou simpatizantes do ex-presidente da República e candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT), preferem evitar a bandeira nacional para não serem ‘confundidos’ com apoiadores do atual presidente e também candidato, Jair Bolsonaro (PL).
Para o doutor em Sociologia Política e professor da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), Marco André Cadoná, a identificação das cores da bandeira nacional com algum partido político ou concepção político-ideológica cria resistências. “Penso que já há um imaginário coletivo construído que estabelece essa identificação. Mas ela provoca resistências e aversões, que resultam de uma visão segundo a qual o uso das cores da bandeira expressa uma apropriação partidarizada indevida de símbolos que são de todos, independente de suas preferências.”
O professor entende ainda que, justamente por ser um período de campanha eleitoral, o simbolismo do 7 de Setembro de 2022, que marca os 200 anos de Independência, não passará em branco. “Em virtude de estarmos num período eleitoral, o 7 de Setembro será ainda mais ressaltado. Não tanto pelos 200 anos, mas porque, sendo uma data cívica num período próximo de eleições, há um maior interesse em aproveitar esses momentos para mobilizar a consciência política dos eleitores.”
Patriotismo
Marco André Cadoná destaca, também, que o conceito de patriotismo deve ir além de vestir verde amarelo (seja na política ou no futebol) ou colar um adesivo da bandeira no carro. Segundo ele, patriotismo não pode ser resumido a essas práticas e há diferentes interpretações do que sejam práticas patrióticas. “Em nossa histórica, sempre se incentivou um patriotismo sem compromisso e sem consciência crítica acerca de nossa formação enquanto nação. Socializamos nossas crianças para que louvem personagens históricos, lembrem de datas importantes, cantem com orgulho hinos, mas nem sempre motivamos uma reflexão crítica acerca de quem são esses personagens, por que e em que circunstâncias essas datas se tornaram importantes e seus significados.”
Torcida da Seleção mais ‘azul’?
A cor amarela predominante da camisa do Brasil no futebol e que originou um apelido histórico para a Seleção (canarinho), também parece ‘perder força’ para a próxima Copa do Mundo. Isso porque a camisa azul, a reserva, esgotou na primeira semana de venda e o patrocinador esportivo precisou correr para repor os estoques.
Além do apelo comercial, já que o modelo agradou ao público, há entendimento de que, assim como aconteceu para a Copa de 2018, a questão política está pesando nessa maior procura. Vale lembrar que, em 2016, a camiseta amarela foi usada por manifestantes a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff. Com isso, acabou vinculada a certo pensamento político e foi rejeitada por aqueles que pensam diferente, o que se mantém, em parte, ainda hoje.
Para o jornalista e consultor político Cleber Benvegnú, o verde e o amarelo continuam sendo de todos. “Por mais que um campo político esteja se apropriando, pertence ao Brasil e a todas as ideologias. Quem perdeu essa apropriação, precisa recuperar e não negar ou fugir dela. No caso da Copa, talvez pegar a camisa azul é ruim porque estará se reforçando uma coisa e vamos entrar num terreno de patrulha que não terá fim. O verde e amarelo são de todos os brasileiros, inclusive de quem queira usá-lo para manifestação política.”
Benvegnú entende ainda que não há problemas em manifestações políticas em meio ao Bicentenário da Independência. “O 7 de Setembro também é uma data de cunho político. Se as pessoas estão usando para se manifestarem politicamente, não vejo problema nisso. Vejo participação popular, civismo e apropriação das pessoas pela política. Durante muito tempo nós pedíamos que isso acontecesse e agora que aconteceu nós queremos que alguns se manifestem menos ou que não se apropriem de símbolos?
Bandeira na História
Os símbolos e hinos são manifestações gráficas e musicais, de importante valor histórico, criadas para transmitir o sentimento de união nacional e mostrar a soberania do país. Isso é o que diz a Constituição e ela diz ainda que os quatro símbolos oficiais da República Federativa do Brasil são o Hino Nacional, o Brasão da República, o Selo Nacional e a Bandeira Nacional.
Nas escolas, a versão mais comum que aprendemos enquanto crianças sobre a bandeira é de que a cor verde é relativa às matas e o amarelo ao ouro e demais riquezas. Mas, originalmente, o verde remete à família de Dom Pedro (casa dos Bragança) e o amarelo à dinastia dos Habsburgo, da Imperatriz Leopoldina. Portanto, cores já usadas no tempo do Império.
Segundo a historiadora Angelita da Rosa, em 1889, no início da República, foi feita uma versão seguindo o modelo dos Estados Unidos, com listras horizontais. “Mas ninguém gostou e quatro dias depois [19 de novembro, por isso ‘Dia da Bandeira’], foi criada uma nova, que é como temos hoje. Trocaram o Brasão do Império por uma abóbada celeste, com estrelas representados os Estados e as constelações, com a frase positivista de Auguste Comte [Ordem e Progresso].”
Sobre o momento de ‘usar’ ou ‘atribuir’ as cores da bandeira a questões políticas, Angelita citou duas situações históricas. Uma delas, em 1937, quando o então presidente Getúlio Vargas fez uma cerimônia no centro do Rio de Janeiro, queimando todas as bandeiras dos Estados brasileiros, vigorando apenas a bandeira do Brasil. “Como se o Brasil não tivesse divisão, fosse uma nação só. Era a ideia de que todos estavam juntos.”
A historiadora também lembrou da frase “Brasil, ame-o ou deixe-o”, que ficou conhecida como slogan do período da ditadura militar, associada à repressão de movimentos e ideias contrárias ao governo. A frase começou a ser usada no início dos anos 1970, durante o governo de Emílio Garrastazu Médici. “As cores verde e amarelo também foram usadas nessa campanha. É como se as pessoas que estivessem contra a ditadura não amassem o Brasil e por isso eram perseguidos.”
Decisão
• O Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul (TRE-RS) decidiu, em agosto, que o uso da bandeira ou de símbolos nacionais não pode ser considerado propaganda eleitoral. O tribunal defendeu que os símbolos nacionais não têm cunho “governamental, ideológico ou partidário.”