A vivência de morar e trabalhar em um país diferente, acompanhando uma realidade completamente desigual do que já se tinha visto, é uma lembrança que jamais será esquecida para George Losekann, 64 anos, morador de Vila Arlindo, no interior de Venâncio Aires. Ele nasceu em Agudo mas veio morar em Venâncio Aires em 1975. Aos 48 anos, embarcou para Moçambique, no continente africano, para trabalhar em uma fábrica de tabaco que iria iniciar na localidade.
Em março de 2006, Losekann partiu com destino à Moçambique, na África, sem data de retorno. Nos primeiros dias foi sozinho, depois a esposa e os filhos foram a seu encontro. Sua atuação era controlar a qualidade e o processo do tabaco na empresa recém-fundada em solo africano.
Losekann foi para Tete através da Mozambique Leaf Tobacco. A Alliance One existia antes e tinha escritório na cidade apenas para compra e exportação do tabaco. Depois que a Universal Leaf Tabacos negociou a construção da Mozambique Leaf Tobacco, para compra e processo do tabaco em Tete, a Alliance One se retirou da cidade africana.
Ele conta que o tipo de tabaco mais plantado pelos trabalhadores na cidade moçambicana de Tete era o Burley, pois se adaptava melhor às condições climáticas e não demandava tanto trabalho. “Eles tentavam plantar outros tipos também, como o Virgínia, mas precisava de muita assistência técnica e estufas, então não deu certo.”
Segundo ele, as condições de trabalho eram precárias, os trabalhadores atuavam com horários desregulados em turnos que sempre se modificavam. O cansaço era extremo que alguns não aguentavam e desmaiavam, devido também à má ou nenhuma alimentação. Losekann comenta que sempre lutou para que o sistema de trabalho fosse modificado, pois sabia que assim o rendimento seria maior e o absenteísmo (falta de trabalhadores) seria menor, mas os líderes locais não aprovaram a ideia.
Lição de vida
Para Losekann, os 14 anos em que permaneceu em Moçambique garantiram um grande aprendizado na área profissional. “Tivemos que nos adaptar bastante, estudar e saber lidar com a falta de material humano, muitas vezes.” Ele comenta que desenvolveu sua habilidade com tabelas no Excel e que aprendeu a resolver problemas diários que apareciam na empresa.
Na parte social, percebeu e teve a certeza de que voltaria a morar no Rio Grande do Sul, que, para ele, “é um paraíso”. “Ver tanta miséria, pobreza, carência e desonestidade decepciona. Tive muita saudade do Sul”, afirma Losekann, hoje aposentado.
Curiosidades
1. O família chegou a enfrentar temperaturas de 52º C em Tete.
2. Durante o tempo que ficou no continente africano, Losekann acompanhava o jornal Folha do Mate pela versão digital, no site.
3. Em Tete, se fala a língua portuguesa, porém, devido a uma mistura de diversos povos e línguas nativas, a comunicação era complicada. O inglês também era presente. A maioria das crianças não sabia ler nem escrever.
4. A moeda local é o metical moçambicano, hoje, 100 meticais correspondem a R$ 8,18.
5. Os homens de Tete podem ter mais de uma mulher e por isso também têm muitos filhos.
6. Atualmente, um dos filhos de George Losekann, Jean, mora em Moçambique e é casado com uma moçambicana.
Desafios na cidade de Tete
De pronto, muitas dificuldades foram encontradas. Uma delas era a falta de moradias em boas condições na cidade de Tete – ainda destruída por uma guerra que acabou em 1975, quando a cidade quis se ver livre de Portugal e se tornar república.
Losekann teve cinco mudanças de moradia nos 14 anos que permaneceu em Tete. Grande parte das casas eram muito caras, ele já chegou apagar quatro mil dólares por um aluguel mensal. No caminho para a fábrica onde trabalhava, passava todos os dias por uma ponte, chamada Samora Machel, que atravessa o rio Zambeze e separava a cidade em dois lados. A ponte tinha problemas, rachaduras e só permitia a passagem de uma caminhão por vez e carros a uma velocidade de 10 quilômetros por hora. Losekann tinha que sair de duas a três horas antes do trabalho para não se atrasar. Mais tarde, conseguiu uma casa que já ficasse do outro lado da ponte, para que não precisasse atravessar todos os dias. E nos últimos seis anos, morou em um condomínio próprio da empresa, onde as condições eram melhores.
Outro aspecto destacado por Losekann era a precariedade das questões farmacêuticas e alimentares. “Eram poucas farmácias e remédios e muitos problemas com doenças”, relata. Segundo ele, muitas mulheres da cidade tinham Aids e praticamente todos já tinham pego malária e conviviam com sequelas.
Alimentação
Os mercados eram no estilo indiano, com sociedades entre famílias, eram muito pequenos e ficavam ‘colados’ uns nos outros. Também havia muita pobreza. “A maioria das pessoas se alimentava somente com uma farinha de milho branco que misturavam com molho de tomate. Lá se comia muito peixe e até ratos. O cansaço e a falta de energia eram frequentes devido à desnutrição”, relembra.
Losekann consumia muita carne de cabrito, pois a carne de gado do mercado público era vendida em péssimas condições de higiene. Ele e demais colegas compravam os próprios cabritos para que um veterinário analisasse e, depois, os criavam nos fundos das próprias casas. Com relação à carne de frango, consumiam a que era importada do Sul do Brasil, pois a carne das aves africanas era mal processada.
De acordo com Losekann, hoje, com a presença da mineradora Vale na cidade de Tete, o local já se desenvolveu mais. De acordo com ele, o hospital já não é mais tão precário e possui ala de maternidade. Além disso, grandes redes de supermercados também já chegaram na cidade.

Trabalho social e religioso
Os filhos Jean e Victhor e a esposa de George, Ana Losekann, 55 anos, foram para Tete em maio de 2006. Como em Moçambique só é permitido a estrangeiros que um integrante da família trabalhe, Ana começou um trabalho social em uma igreja. O casal tinha o objetivo de fundar uma unidade da igreja Assembleia de Deus em Tete, com ajuda financeira da unidade que atendia Santa Cruz do Sul e Venâncio Aires.
A reforma iniciou, mas eles não conseguiram finalizar até o retorno para o Brasil por falta de recursos. No entanto, de toda forma, a igreja foi uma marca deixada pelo casal, que auxiliou e fez melhorias. Quando foram embora de Tete, em 2020, eram 100 membros ativos na igreja reformada por eles.
“As crianças eram o futuro daquele lugar, então decidimos ajudar na educação delas desde cedo”, afirma Ana. Ações de evangelização eram feitas na igreja todos os sábados e quem participava recebia um almoço. No primeiro dia desta atividade participaram em torno de 15 crianças, e ao final, eram 120 sendo atendidas. Ana formou pastores e obreiros em Tete, já que é formada em Teologia pelo Instituto Educacional Alpha de Viamão e Escola de Cristo de Brian Larsen.
Além do trabalho na igreja, Ana também visitava o hospital de Tete. “Era terrível, não tinha alas, tudo mundo ficava misturado e havia grávidas que até tinham os partos no próprio corredor do hospital.”
Devido sua experiência positiva no ensino de crianças, Ana foi convidada para auxiliar na alfabetização de crianças em uma escola particular em Tete. Ela relata que a maioria sabia dialogar e se expressar muito bem, porém não desenvolviam a leitura e a escrita.


Experiência
O que Ana leva dos anos que viveu em Tete é a lição de ser uma pessoa cada vez melhor. “Lá o amor entre casais não existe como aqui, as pessoas não têm essa ligação, tudo é feito com alguma intenção financeira ou de evolução”, compara. Ela também conta que crianças ficam nas ruas pedindo esmolas, mas que nenhuma mãe deixa o filho passar fome. Já os pais não têm muita ligação com os filhos.
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