Doenças como sarampo e poliomielite, que estavam praticamente esquecidas no Brasil, voltaram a aparecer, com frequência, nos noticiários, nos últimos meses. As baixas coberturas vacinais, principalmente, no caso das crianças menores de cinco anos, estão sendo motivo de atenção no país. Na quinta-feira, 5, um bebê de sete meses morreu em decorrência das complicações de sarampo, em Manaus. Nesta semana, o Ministério da Saúde, também emitiu um alerta de que 312 municípios brasileiros estão com cobertura vacinal abaixo de 50% para a poliomielite, no caso de crianças menores de um ano.

Conforme a lista divulgada pelo órgão – composta por dados do ano passado – Venâncio Aires seria uma destas cidades, com índice de 41,91%. Entretanto, a enfermeira responsável pelo setor de Imunizações do município, Carla Lili Müller, esclarece que a informação não corresponde com a realidade de Venâncio Aires e ocorreu por conta de uma falha do sistema de envio de informações para o Ministério da Saúde.
No primeiro semestre deste ano, a cobertura da vacinação da poliomielite alcançou 80,30%, em Venâncio Aires. Apesar disso, o índice ainda está abaixo dos 95% de cobertura, considerados necessários para impedir a circulação dos vírus, de acordo com o Ministério da Saúde.
A poliomielite é uma doença extremamente grave e, apesar de todos os esforços, ainda acontece no mundo. Se não garantirmos a cobertura vacinal de 95% há possibilidade de retorno da doença”, Juarez Cunha, pediatra.
“Apesar de o último caso de pólio no Brasil ter sido registrado em 1989, o vírus continua circulando no mundo. Com a globalização e o contato com pessoas de outros países, há a possibilidade de retorno da doença”, observa o pediatra Juarez Cunha, do Comitê de Infectologia da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul.
“No momento em que o vírus começa a circular e não se tem a cobertura vacinal de 95%, as pessoas correm o risco de adoecer”, enfatiza, ao lembrar que o vírus causador da paralisia infantil é eliminado pelas fezes e contamina o ambiente, além da água e de alimentos.
A coordenadora do setor de Imunizações de Venâncio Aires reforça o alerta do médico. Segundo Carla, o fato de algumas crianças não serem vacinadas contribui para a formação dos chamados ‘bolsões de suscetíveis’. “É como se deixasse uma porta para o vírus da pólio e do sarampo entrar. Indiretamente, as crianças que são vacinadas protegem as que não são, mas temos percebido que esse bolsão está aumentando”, afirma.
Quanto mais crianças se vacinarem, menor é a chance do vírus da poliomielite e o do sarampo atingirem as nossas crianças”, Carla Lili Müller, enfermeira responsável pelo setor de Imunizações de Venâncio.
Para a enfermeira, apesar de o município ter uma cobertura de vacinação razoável, ela ainda não é ideal. “Sabemos de famílias que não são adeptas a fazer a vacina. Têm crianças, inclusive, que têm apenas a dose de hepatite B e BCG e nada mais”, comenta.

Prevenção
Enquanto algumas famílias não buscam a imunização para as crianças, mães como a agricultora Roberta Miranda dos Santos, 24 anos, dão exemplo. Ciente da importância da imunização, ela toma cuidado para manter em dia a caderneta de vacinação da filha Ana Cristina dos Santos, 5 anos.
Para a moradora de Linha Hansel, vacinar a filha é uma forma de prevenir a ocorrência de doenças tanto no presente quanto no futuro. Por isso, na tarde de ontem, levou a pequena Ana para se imunizar contra a catapora. “Sempre que eu vou ao posto, aproveito para passar na sala de vacinação e conferir se não tem alguma vacina para ela fazer”, relata.
“Falsa sensação de segurança”

O reaparecimento de doenças que já eram consideradas controladas, como sarampo e poliomielite, preocupa a Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul. De acordo com o pediatra Juarez Cunha, do Comitê de Imunizações da entidade, desde 2015, observa-se uma queda na procura pela vacinação e, consequentemente, o retorno da circulação dos vírus.
Para ele, entre os fatores que explicam esse cenário está uma “falsa sensação de segurança, de que essas doenças não existem mais”. No caso da poliomielite, o último caso foi registrado em 1989. “As pessoas acham que estão seguras, pois não se tem notícias dessas doenças, e deixam de se vacinar. Muitos desconhecem que o sarampo, por exemplo, era uma das principais causas de óbito, antes das campanhas de vacinação”, salienta o médico, ao lembrar que vários países do mundo estão tendo surtos de sarampo e, no Brasil, a doença está sendo reintroduzida pela Venezuela.
Outro aspecto destacado por ele é a existência de “grupos de antivacinismo”, especialmente na Europa e nos Estados Unidos, que não se imunizam por questões religiosas ou filosóficas, por exemplo.
No Brasil, Cunha acredita que a própria complexidade do calendário de vacinação – um dos mais completos do mundo – faça com que as pessoas não realizem todas as imunizações. “Na década de 1980, eram disponibilizadas apenas vacinas contra a poliomielite, difteria, tétano, sarampo e tuberculose. Hoje, são cerca de 20 doenças que podem ser prevenidas com vacinas que integram o calendário nacional de vacinação”, explica.
O pediatra atenta, inclusive, para a importância de todas as pessoas estarem com as imunizações em dia, independentemente da idade. “O sarampo é altamente contagioso e com possibilidade de complicações que levam à morte. Quando se manifesta em adolescentes ou adultos, a doença se manifesta de forma ainda mais grave”, esclarece. “Temos uma parcela grande da população que não está protegida. Todos devem se vacinar.”
Diagnóstico
Transmitido pelo ar, o vírus do sarampo causa febre alta, dor no corpo, conjuntivite e problemas respiratórios, que evoluem para pneumonia e podem levar à morte. Os sintomas, que se confundem com os de muitas outras doenças, como a própria gripe, dengue e febre chikungunya, já se manifestam antes de as manchas aparecerem pelo corpo. Além disso, até dois dias antes de apresentar os sintomas, o paciente já começa a transmitir o vírus.”Muitos médicos sequer viram casos de sarampo, nunca fizeram um diagnóstico, por ele não ocorrer há anos. Como não é um diagnóstico comum, os pacientes permanecem em contato com outras pessoas e isso aumenta o tempo de transmissão do vírus”, comenta Cunha.
Imunização em dia
– A vacina da poliomielite é aplicada aos 2, 4 e 6 meses, com reforço quando a criança tem um 1 e 3 meses, e aos 4 anos.- Além disso, anualmente, ocorre reforço durante a campanha de vacinação, para quem tem até cinco anos.- No caso do sarampo, a vacina é aplicada com 1 ano e a segunda dose com 1 ano e 3 meses.- Para estar imunizado, a pessoa tem que ter realizado duas doses, até os 29 anos. – Adultos que receberam uma dose antes de um ano, como ocorria inicialmente, não são considerados imunizados e, por isso, precisam receber o reforço. – A orientação é para que a população verifique as cadernetas de vacinação e procure os postos de saúde, em caso de dúvida.
Desde setembro, dados são informados diretamente ao Ministério da Saúde
Responsável pelo setor de Imunizações do município, a enfermeira Carla Lili Müller esclarece que o índice de cobertura vacinal da poliomielite (41,91%) de Venâncio, divulgado pelo Ministério da Saúde, nesta semana, é fruto de um erro de sistema no envio dos dados. Pelo percentual, o município teria uma cobertura considerada baixa.
Segundo Carla, até o ano passado, os dados referentes à vacinação eram registrados em um sistema próprio da Prefeitura, informando dados do cartão do SUS da pessoa vacina. Ao fim de cada mês, eram reunidos os dados de todas as unidades de saúde para envio ao Ministério da Saúde. “Só que o o índice que saía daqui de cobertura vacinal era um e o que chegava no Ministério era outro”, explica Carla.
De acordo com ela, as principais dificuldades estavam relacionadas a inconsistências nos cartões do SUS, como a falta de algum dado no documento, o que impedia que eles fossem computados pelo Ministério da Saúde. Por esse motivo, em agosto do ano passado, a equipe que registra essas informações passou por um treinamento e, entre setembro e outubro, começou a informar os dados referentes à realização das vacinas diretamente no site do Ministério.
“A partir disso, nossas coberturas melhoraram bastante. Para mim está bem claro que foi mesmo um problema de envio dos lotes com os dados de vacinação, porque os nossos vacinadores aplicam muitas doses nas unidades de saúde e são poucas as famílias que são resistentes a fazer”, justifica a enfermeira.