Entrei em Vila Mariante, localidade em que morei nos primeiros 22 anos de vida, na tarde de terça-feira, 7. A apreensão era grande, pelas primeiras imagens que apareciam da ‘vila’ e mostravam a destruição completa. Após acessar o trevo, fazendo um trajeto pela BR-386 e passando pelos municípios de Lajeado, Estrela, Bom Retiro do Sul, Fazenda Vilanova e Taquari, percebi o tamanho da tragédia.
Em poucas palavras, o 2º distrito como conhecemos não existe mais. A beleza das margens do rio Taquari e a vida rotineira dos moradores foi substituída pelos escombros de casas e o rastro de destruição das águas. Pra mim, são 22 anos de memórias, para tantos outros são 60, 70, 80 anos vividos.
O Censo Demográfico 2022, promovido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontou que eram 1.496 moradores em Vila Mariante. Isso antes das duas enchentes do ano passado, em setembro e novembro, onde parte desses habitantes já procurou outros locais para morar. Agora, a decisão lógica é que a ‘vila’ se transformará em um ambiente para veraneio e pequenos negócios. No entanto, o difícil, para muitos, não será encontrar um novo lar e sim deixar para trás tantas memórias.
E é importante deixar claro: a natureza deu o seu alerta. Até 2020, falávamos das grandes enchentes de 1941, 1957 e por aí vai. Muito longe na história para considerarmos um perigo aos anos atuais. Pois bem, em meio ao avanço das mudanças climáticas, nítidas no nosso dia a dia, três enchentes ‘grandes’ foram registradas de 2020 para cá. Sendo que as duas de 2023 se colocavam no pódio das maiores de todos os tempos. Eis que a cheia de 2024, que alcançou os 34 metros em Estrela – 4 metros acima da histórica de 1941 – ‘quebrou a banca’ e trouxe a destruição em todo o Vale do Taquari.
Ainda assim, prefiro pensar no copo meio cheio. Dentro de uma realidade de destruição e mortes por todo o Rio Grande do Sul, acredito que Venâncio Aires e Vila Mariante vão acabar sendo ‘notas de rodapé’ nos livros da grande cheia de maio de 2024. Duas vidas foram perdidas, um casal de idoso de Vila Estância Nova. O que, infelizmente, se torna pequeno perto do desastre de municípios vizinhos como Arroio do Meio, Encantado e Cruzeiro do Sul, devastados – sem contar o que ainda veremos quando as águas abaixarem na Região Metropolitana.
Seguindo nessa lógica, é necessário lembrar de Vila Mariante com alegria. De tantas pessoas que construíram a vida na localidade, brincaram naquelas ruas, dos tantos abraços, beijos e sorrisos. Fotos, documentos e casas podem ter sido perdidas. Mas a memória individual e coletiva nunca será. Vila Mariante passa a ser passado, forçado pela natureza, mas com um passado glorioso e que nunca será esquecido.
O embrião de Venâncio Aires. O primeiro centro econômico. Onde o município começou a se desenvolver. Agora pede descanso e mergulhará no silêncio, abraçado ‘a força’ pelo rio Taquari. O povo seguirá, os ‘mariantenses’ acharão um novo lugar para viver e construir novas histórias, sem esquecer do que Vila Mariante entregou ao longo dessa centena de anos de história.
Leonardo Pereira
Jornalista e repórter da Folha do Mate