
Estacionamento rotativo, revitalização da Praça Coronel Thomaz Pereira e vigilância armada 24 horas nos bancos. Esses foram alguns dos assuntos que motivaram audiências públicas no município, desde o início do ano. Até agora, sete encontros propostos pela Prefeitura ou a Câmara de Vereadores abriram oportunidade para a população opinar. Entretanto, nem sempre o espaço é ocupado o quanto poderia.
Levantamento feito pela Folha do Mate, a partir das listas de presença das audiências públicas, comprova um dado perceptível aos olhos de quem acompanha os encontros: a participação de pessoas da comunidade representa uma parcela pequena do público. De um total de 244 participantes de sete audiências públicas realizadas no primeiro trimestre, 121 – menos da metade – eram pessoas da comunidade, representantes de empresas, conselhos ou entidades.
Em um dos encontros, no qual foi apresentado relatório de gestão financeira do Sistema único de Saúde (SUS) do terceiro quadrimestre de 2016, não houve participação de nenhuma pessoa sem ligação direta com a Administração Municipal ou o Poder Legislativo.
A audiência sobre o relatório de demonstração e avaliação das metas fiscais do terceiro quadrimestre de 2016 teve situação semelhante. Das 29 pessoas participantes, 11 indicaram, na lista de presença, que participavam do encontro de forma espontânea, como cidadãos. No entanto, oito delas, pelo menos, tinham relação com governo anterior, cujo trabalho estavam em discussão no encontro.
Para o professor de sociologia do Instituto Federal Sul-rio-grandense (IFSul) Fabrício Luis Haas, vários fatores ajudam a explicar a pouca participação popular em audiências públicas. “Talvez as lideranças mais tradicionais estejam mais participantes, pois elas têm interesses (principais e secundários) nessas questões. Enquanto isso, outras pessoas só vão se movimentar em direção a esses espaços de decisão pública e democrática, se estiverem enxergando conquistas mais a curto prazo e de dimensionamento concreto”, explica, ao citar exemplos como aumento de salários, manutenção dos direitos civis e melhorias para o bairro.
Marcas sociais
Formado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e com mestrado em Educação pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), Haas também observa que a atuação dos venâncio-airenses não é um caso isolado. “No século XXI, em um momento em que se fala numa condição de pós-modernidade, é fato que, em muitos lugares pelo mundo, as pessoas estejam mantendo uma relativa distância das esferas de decisão cidadãs.”
Ao mesmo tempo, segundo o docente, alguns teóricos das Ciências Sociais afirmam que a individualidade, o hedonismo (viver acima de tudo pelo prazer), a efemeridade e o narcisismo são marcas muito fortes das sociedades atuais.
Num cenário desses, há pouco espaço para se preocupar com o coletivo, com algo que vá além do consumo, com o futuro ou com os outros.” Fabrício Luis Haas, professor de sociologia.
Nesse sentido, na opinião do sociólogo, é fundamental que se pense, de modo reflexivo e profundo, sobre o modo que se deseja viver e que tipo de sociedade se almeja. Marcar presença em audiências públicas seria uma das formas de exercer a cidadania.
“Viver nossa cidadania é ocupar os espaços públicos de decisão, é saber que a sociedade é um espaço de lutas políticas – além da significação de política partidária – , e que nos eximir de nosso dever de cidadãos pode ser a condição ideal para se pagar um preço muito alto logo ali na frente”, alerta.
Horário das audiências: um empecilho
Apesar das características sociais que explicam a baixa adesão ao debate político, no entendimento do professor Fabrício Luis Haas, um aspecto contribui de forma significativa para a baixa adesão às audiências: o horário das reuniões. Para o sociólogo, em um cenário de recessão econômica, com milhões de desempregados, é complicado “pedir licença aos patrões” para participar de uma audiência pública no meio da tarde.

No entendimento de Haas, a realização dos encontros em horários acessíveis aos trabalhadores pode ser um primeiro passo para estimular a participação popular. “Os horários e a vida corrida de mães e pais envolvidos na luta diária pela sobrevivência e nos afazeres do seu cotidiano são um fundamental impeditivo na hora de participar dessas reuniões democráticas, ainda mais se elas ocorrem em horário comercial”, considera.
Oportunidade de exercer cidadania
Os vereadores, bem como assessores do Poder Legislativo, são presença confirmada nas audiências pública. Nas listas de presença consultadas pela reportagem da Folha do Mate, a vereadora Izaura Landim (PMDB) está entre os parlamentares que mais participam dos encontros.
Para ela, as audiências são oportunidade de ouvir o que a comunidade tem a dizer, conhecer diferentes pontos de vista e formar argumentos para futuros projetos e decisões.
Quando realizamos uma audiência pública, esperamos que as pessoas participem e deem a sua opinião. Isso instrumentaliza o vereador para tomar as decisões. é uma forma de a população participar das decisões do Município.” Izaura Landim, vereadora.
O sociólogo Fabrício Luis Haas também destaca que a participação em audiências públicas é uma forma de exercer a cidadania, para além do voto obrigatório nas eleições. “Ser cidadão é estar sempre em estado de alerta, mas essa situação se complica quando pensamos na fraca participação das pessoas nos espaços de decisão e manifestação que surgem no cenário atual”, comenta. “Toda vez que deixamos de participar da vida política da comunidade onde vivemos, aumentam as chances de que as necessidades e vontades da cidadania sejam desconsideradas.”
Cidadão
Ciente da importância da participação popular para a efetividade do trabalho do Poder Público, o fiscal do trabalho aposentado Cláudio Diettrich faz questão de participar das audiências públicas no município. “Praticamente, tenho participado de 80% das audiências”, afirma.
Apesar de reconhecer a importância da manifestação dos cidadãos em debates que dizem respeito à vida comunitária, ele questiona a eficácia das reuniões. “Nem sempre existe um resultado efetivo esperado pela população, e a oitiva da comunidade serve apenas para justificar-se ou dar-se credibilidade ao fato previamente consumado. Foi o que transpareceu, salvo engano meu, da audiência pública para ouvir a população sobre a construção ou não do presídio. Mesmo com várias manifestações contrárias, dada a palavra ao representante da Susepe, este afirmou da licitação já efetuada, bem como da data do início e término da obra”, lembra. “Mas, noutro aspecto, julgo muito importante a realização das mesmas. A população é sábia, e é uma das únicas oportunidades em que ela pode se fazer ouvir.”
