Há mais de duas décadas, Matheus ingressou no mundo das letras antes mesmo da escola. Como muita gente, foi em casa, através do incentivo e ensinamento dos pais. Com cerca de três anos de idade, ele já arriscava ler as primeiras palavras e a rabiscar o próprio nome. Essa precocidade foi graças ao João, pai dedicado e incentivador.
Vinte anos depois, a história se repete dentro da casa dos Teixeira, mas, agora, com os papéis invertidos. É o filho quem está ensinando o pai.
Mas antes de explicar o presente, é preciso entender o que passou e como a família chegou até aqui. A jornada começou de maneira triste, em agosto de 2017, quando João Batista Teixeira, hoje com 50 anos, sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC) isquêmico. Também conhecido como derrame, é causado pela falta de sangue em uma área do cérebro devido à obstrução de uma artéria. Infelizmente, o AVC deixou sequelas e João perdeu ‘o controle’ do braço e perna direitos.
O derrame ainda rendeu semanas de internação hospitalar, seguido de uma infecção pulmonar e cuidados especiais em casa, precisando até de fralda e sonda. Foram dois meses ‘complicados’, até a tentativa de voltar à rotina, embora ela já não fosse mais a mesma.
A casa com pátio grande que João cuidava, foi trocada por um apartamento no centro de Venâncio Aires. A esposa, Nara Inês Weber Teixeira, deixou o emprego de recepcionista para ficar com o marido. Da mesma forma, o filho Matheus Eduardo Weber Teixeira, 23 anos, que é designer gráfico, decidiu que poderia trabalhar em casa e assim estar mais perto do pai.Ali começava uma nova vida para os três.
CANHOTO
Com a paralisia do braço direito, o destro João teve que desenvolver habilidades com o lado esquerdo. Para escrever o alfabeto e pintar, ele usa uma caneta especial, que se adapta melhor entre os dedos – um pouco ainda sem jeito, já que é um canhoto iniciante. Também com a mão esquerda, ele consegue segurar os talheres para se alimentar e a escova de dentes.
A paralisia é tratada com sessões semanais de fisioterapia e, para andar, João usa muletas. A alimentação também mudou. Nada de embutidos, enlatados ou gorduras, até porque o colesterol alto teria sido o causador do AVC.
E SE?
João, conta o filho, sempre foi uma pessoa extremamente ativa. Trabalhou anos e anos como mecânico – na Venax foi um dos lugares – e nos últimos tempos era autônomo. Fazia pães e cucas em casa e vendia ‘para fora’.
Quando sofreu o AVC, no dia 11 de agosto de 2017, ele foi encontrado caído, em casa, pelo Matheus, que estava dormindo quando aconteceu. “Eu sempre acordava mais cedo e naquele dia não levantei. Se tudo corresse dentro da normalidade dos dias, talvez eu tivesse conseguido ajudar o pai”, lamenta Matheus.
Da negativa à esperança
Quando a saúde de João, digamos, estabilizou, e tudo foi adaptado, o maior desafio passou a ser a fala. Ele perdeu as habilidades relacionadas à linguagem e por isso, literalmente, está reaprendendo a ler, escrever e falar.
“Nos disseram que o pai nunca mais falaria. Isso me doeu demais e aí pensei: será que nunca mais vou ouvir meu pai falar meu nome? Eu precisa fazer alguma coisa”, relata Matheus. Com a pouca perspectiva da própria opinião profissional, João não demonstrava evolução com as consultas da fonoaudióloga. “O pai sempre foi uma pessoa ansiosa, ativa, que fazia tudo ao mesmo tempo. Mas não tinha evolução. Por isso decidi que eu também poderia ajudar.”
DIDÁTICA
A técnica de ensinar do filho conta com letras do alfabeto em EVA, folhas com desenhos para pintar, um caderno e uma edição de “Meu primeiro dicionário”, livro que João usou para alfabetizar Matheus. Cerca de três a quatro vezes por dia, em ‘aulas’ de 20 minutos a meia hora, ‘professor e aluno’ sentam à mesa para estudar.
“Foi importante entender a gravidade da situação e como eu poderia ajudar nesse processo. Fiz muitas pesquisas, fui atrás de informações sobre alfabetização. Mas sei que muito da melhora dele é porque se sente à vontade comigo e está feliz de fazermos isso juntos. Um tem paciência com o outro. É incrível ver o pai se superando desse jeito.”
Nesse meio tempo, João reaprendeu o abecedário e pronuncia cada letra. Ainda tem dificuldades, sim, mas vai dizendo, devagarinho, e arrisca algumas palavras, ditas separando bem as sílabas. “Ele já disse ‘cachorro’! Justo uma palavra com dois R, que é mais complicado, mas disse!”, destacou Matheus. Esta repórter foi testemunha disso.
Feliz com a superação diária do pai, o filho conta, orgulhoso, que uma vez ele já disse seu nome. “Já saiu Matheus, faz um tempinho. Mas logo logo ele vai estar falando meu nome de novo, da mãe e até da Lilica”, almeja. Lilica é a vira-lata dos Teixeira. Surgiu na vida deles depois de ser abandonada no pátio de casa. João tinha prometido ao filho apenas uma noite. A promessa foi se postergando e a noite já virou 13 anos de convivência. “É a escudeira dele. Quando levamos o pai na fisioterapia, ela fica no sofá, bem no canto onde ele costuma sentar.”
“Isso nos aproximou ainda mais”
A cada letra pronunciada, Matheus e Nara vibram com o esforço do João. “Isso nos aproximou ainda mais. Antes cada um tinha seu trabalho, seus compromissos, suas rotinas. Sempre fomos unidos, mas agora mais ainda”, relatou Nara.
Para Matheus, não só o pai ganhou uma nova chance, mas eles também, e as conquistas são compartilhadas. “A gente aprende a dar ainda mais valor à família. E eu sei, quando ele me olha, que está feliz por mim e orgulhoso. Acho que é uma forma de eu retribuir só um pouquinho por tudo o que esse cara já fez por mim.”