Macela é considerada planta medicinal símbolo do Rio Grande do Sul (Foto: Roni Müller/Folha do Mate)
Macela é considerada planta medicinal símbolo do Rio Grande do Sul (Foto: Roni Müller/Folha do Mate)

A macela é a planta medicinal símbolo do Rio Grande do Sul, instituída por meio da Lei 11.858, de 5 de dezembro de 2002. Tradicionalmente, as famílias gaúchas colhem a planta na Sexta-feira Santa, antes mesmo de o sol raiar, por acreditarem que a macela se torna abençoada e ‘potente’, se for colhida desta forma.

A tradição de colher macela perdura gerações na família da Mariele Ferreira, de 48 anos. Desde quando eram pequenos, ela e os irmãos, Mariângela da Silveira e Marcos Joel Duarte da Silveira, acompanhavam os pais José Darci da Silveira e Maria Susete Duarte da Silveira (em memória) durante as colheitas da planta. “Colhemos para manter o costume da família, mesmo sabendo da crendice”, pontua.

Nas recordações da infância, estava a distribuição da planta para os familiares. “Depois da colheita, minha mãe fazia os molhinhos e levava para a avó dela”, recorda. Mariele conta que herdou este costume. “Hoje, também distribuo um pouquinho para a família”, salienta.
No entanto, o hábito segue nas gerações da família. Mariele buscou incentivar os filhos, Arthur e Gabriel, e o esposo, Joelsi Ferreira. Há cerca de 16 anos, Gabriel acompanha o pai nas cavalgadas da colheita da macela. A iniciativa surgiu quando eram integrantes do Centro de Pesquisas Folclóricas (CPF) Terra de Um Povo.

“Os peões estavam organizando uma cavalgada, seria a cavalgada da lua cheia, então surgiu a ideia de aproveitar e colher o chá na madrugada”, diz Mariele. Depois, com o nascimento do Arthur, o piá também começou a ‘seguir os passos’.

Ela ainda explica que quando a cavalgada é realizada em grupos – além dos integrantes da família -, é marcado um ponto de encontro para confraternizar e sair em cavalgada. “Saímos antes de o sol nascer. Normalmente, em direção ao interior, na beira das estradas”, conta. Mariele ainda salienta que nem sempre é fácil de encontrar macela. “Muitos acabam colhendo antes para fins comerciais”, destaca.

Neste ano, Gabriel, Arthur e Joelsi farão a cavalgada. Mas receberão apoio de Mariele, Mariângela, Marcos e, também, dos pequenos Isabella e Bernardo, que vão de carro ao encontro dos cavaleiros na colheita da planta medicinal.

Isabella, Arthur, Mariele e Mariângela durante a colheita de macela, no ano passado (Foto: Arquivo pessoal)

Cultivo e saúde

Conforme a engenheira agrônoma e extensionista rural da Emater, Djeimi Isabel Janisch, a macela é uma planta nativa da América do Sul, sendo possível encontrá-la na Argentina, Uruguai, Paraguai, Peru, Bolívia, Colômbia e Equador. “No Brasil, a macela do Nordeste, por exemplo, não é a mesma espécie da macela aqui do Sul”, explica. Ela ainda salienta que devido à dimensão continental do Brasil e a diversidade de climas, há variações de espécies, mas as funções são as mesmas, principalmente a digestiva e hepática.

“Quando se trata da espécie que ocorre na nossa região, é possível encontrá-la no Cerrado, Mata Atlântica e Pampa”, diz. Ela esclarece que a macela se encontra em estado de floração entre os meses de março e abril, coincidindo com o período da Sexta-feira Santa. “A macela é uma planta rústica, que se adapta a solos ácidos e erodidos. As plantas crescem espontaneamente em áreas abertas, em pastagens, beiras de estradas”, comenta. Djeimi ressalta que a planta medicinal floresce entre o verão e o outono e se adapta melhor a climas amenos.

Djeimi conta que, de forma popular, pode-se afirmar que a planta está em ‘extinção’, mas não de forma oficial. “Como não se tem o hábito de cultivá-la, a ocorrência espontânea desta planta tem sim reduzido. Com o advento da utilização de químicos para controle de plantas invasoras, a ocorrência natural da macela reduz”, afirma.

Apesar da crença popular de que quando a planta é colhida ainda úmida de orvalho, na Sexta-feira Santa, os efeitos são mais potentes, a extensionista rural da Emater explica que colher a planta molhada não é o ideal. “A umidade favorece o desenvolvimento de fungos, que podem degradar o produto e, se utilizado para chá, pode fazer mal à saúde. Por isso, a seleção do material colhido é de extrema importância”, alerta. Ela ainda esclarece que o material colhido deve ser seco à sombra e em ambiente arejado, justamente para não desenvolver fungos (mofo).

A profissional também orienta quanto ao processo de secagem da planta. “Quando se colhe em maços e pendura para secar, é importante fazer maços pequenos para acelerar e facilitar a secagem, bem como cobrir o maço com pano limpo de algodão, para evitar contaminação com poeira. Além disso, não é recomendado colher em beira de estrada ou outros locais que possam contaminar o material”, observa.

Saúde

Nádia é nutricionista e alerta para o consumo excessivo de plantas medicinais (Foto: Arquivo pessoal)

De acordo com a nutricionista Nádia Jacobsen, por ser uma planta medicinal, a macela está listada pelo Ministério da Saúde do Brasil e publicada na Resolução da Diretoria Colegiada número 10 (Anvisa, 2010) e na Relação Nacional de Plantas Medicinais de Interesse do Sistema Único de Saúde (Renisus).

A nutricionista afirma que o consumo da planta é seguro para grande parte das pessoas, mas é preciso observar as doses terapêuticas. “O uso é contraindicado para quem apresenta sensibilidade à erva e deve ser interrompido caso haja reações e alergias”, salienta a profissional. Ela ressalta que o uso em excesso de qualquer planta medicinal pode ser tóxico e prejudicial à saúde.

Nádia ressalta que o modo de usar a macela recomendado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária é preparando a infusão de meia colher de sopa das flores em 150 mililitros de água fervente. A nutricionista ainda observa que o chá deve ser ingerido de uma a quatro vezes ao dia.

Conservação

A nutricionista Nádia Jacobsen recomenda que o chá seja guardado em um pote de vidro, em local escuro. “A luminosidade degrada os princípios ativos da planta”, salienta. Ela ainda observa que, caso a planta medicinal seja embalada em um papel, que seja colocado dentro um plástico ou de um pote de vidro, para se manter bem vedado. “Se quiser plantar, utilize o pó escuro que fica no fundo do vidro, que são as sementes da macela. Para cultivar, a planta precisa de luz. Basta preparar a terra, espalhar as sementes e compactar levemente o solo”, explica.

A engenheira agrônoma Djeimi Isabel Janisch observa alguns cuidados no cultivo da macela. “Além da necessidade de luz para cultivar, a macela precisa luz para germinar, então, não pode enterrar muito a semente”, destaca. Além disso, ela diz que é possível fazer mudas de macela por ‘estaca galho’. “Coleta uma porção mediana ou apical de uma haste da planta e enterra, mantendo úmido o substrato/solo e em local sombreado, até o enraizamento da planta”, explica.

Benefícios

• Tratamento de doenças relacionadas ao sistema digestório
• Antisséptica
• Anti-inflamatória
• Tratamento de gripes, resfriados e outros problemas respiratórios
• Tradicionalmente utilizada como ansiolítica, sedativa e calmante natural
• Estudos científicos já realizados mostraram que a macela tem propriedades de hepatoproteção, antioxidante, citoproteção (ou seja, protege nossas células contra danos), antiúlcera, antibacteriana, antiparasitária, antiviral, anticâncer, hipocolesterolêmica e anti-inflamatória
• A Anvisa indica o uso de suas flores para má digestão, cólicas intestinais, como sedativo leve e anti-inflamatório

Venda

• Para o agricultor Mateus de Borba, 37 anos, a macela representa uma diversificação de culturas. Em Vila Arlindo, interior de Venâncio Aires, todo tipo de verdura pode ser encontrada na propriedade de Borba, mas nos meses de março e abril é a planta medicinal que ganha espaço e visibilidade, apesar de nascer em lavoura parada – sem plantio.

• Apesar disso, ele ressalta que é uma planta que necessita de um certo cuidado, afinal, se pega chuva ou se deixa para colher nos últimos dias do período, ela já não fica com a mesma qualidade. Anualmente, o produtor comercializa chumaços de macela na Feira da Cooprova, nos fundos da Prefeitura, nas terças-feiras e sábados, das 6h ao meio-dia.

• Apesar de a venda já ser tradicional no local, o produtor salienta que, por enquanto, a procura está menor do que nos outros anos. A expectativa é que para a próxima semana, que antecede a Páscoa, as vendas da macela aumentem.

• Conforme o agricultor e vendedor ambulante Raul Coutinho, a colheita também é realizada em terra ‘parada’ próximo à propriedade, em Linha Herval. O agricultor também observa a dificuldade em conseguir a planta. “Está cada vez mais difícil de encontrar, só localizamos no meio das ervas e na beira das matas”, disse.

• Coutinho destaca que este é um chá muito procurado durante todo ano. “Mesmo que passe a Semana Santa a procura ainda é intensa, porque é um chá consumido durante todo o ano”, comenta.

História

• O governador Olívio Dutra sancionou, em 2002, no Palácio Piratini, o projeto de lei da deputada Jussara Cony, que institui a macela como planta medicinal símbolo do Rio Grande do Sul. A iniciativa visava simbolizar os avanços obtidos no estado na área de medicamentos à  base de plantas.

• Conforme a deputada proponente, a planta foi escolhida por ser nativa do Rio Grande do Sul, por ter as propriedades medicinais estudadas desde 1909 e que o seu poder anti-inflamatório já ter sido, naquela época, confirmado em estudos científicos. (Fonte: Governo RS)