Desafios e superações se entrelaçam à vida do patrono

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Amigo leitor, te convido para uma pequena viagem até o Campo Aberto. Fica logo ali. Talvez nem precise sair de casa. Basta abrir a janela e […] ‘olhar este céu azul’ de Venâncio Aires, a partir do bairro Cidade Alta que, conforme a Lei Orgânica Municipal, de 17 de abril de 1994, passou assim a denominar-se. Isso mesmo. Essa era a região que se chamava Campo Aberto.
Foi nestas bandas que nasceu um piazinho franzino, no dia 13 de setembro de 1964.
Na certidão de nascimento ele recebeu o nome de Luís Carlos Silva, mas os apelidos vieram logo. Tita foi o primeiro. Mais tarde até lhe chamaram de ‘Quincas’, porém a marca do primeiro se popularizou, tornando-se a estampa daquele venâncio-airense que, desde bebezito, lutou para sobreviver.

NA MALA DE GARUPA
Hoje, com a voz embargada e de prosa mansa, o gaudério aposentado estufa o peito para dizer que “tudo foi conseguido com a força do trabalho e muita fé.” E, da mala de garupa, vai retirando uma por uma das experiências profissionais, os nomes das pessoas que lhe deram oportunidades e se tornaram grandes amigos, as dificuldades vencidas e as conquistas. Entretanto, a homenagem de patrono dos festejos farroupilhas, que recebeu da Associação Tradicionalista Venâncio-Airense (ATVA), nesta sexta-feira, 13 de setembro, exatamente, no dia que completou 55 anos, jamais imaginou fazer parte dos regalos da vida.
O patrono, que dos livros não se tornou mestre, embora tivesse o incentivo dos pais, das lides com os cavalos, ovelhas e gado, tornou-se artista. E, nos galpões? Até arrisca uma cantoria, bem à moda Gildo de Freitas, dedilhando um violão. “Mas só de ouvido”, assume, entre risos. Por outro lado, aos bancos escolares, já adulto precisou voltar, a fim de acolherar as letras e garantir a carteira de motorista.

PRIMEIRO LAÇAÇO, AOS DOIS ANOS

O filho do seu João Grandeno e de dona Nércia da Silva [ambos falecidos] chegou a este pago enfrentando o primeiro desafio aos dois anos, por conta de uma paralisia infantil. Depois de um ano entre idas e vindas a Porto Alegre, com todas as dificuldades daquela época, conta que se “endireitou”. Se foi milagre, ele não sabe dizer. No entanto, ficaram as eternas lembranças do médico Plínio Luiz da Silva, de Venâncio Aires, que considera o seu salvador, e a dedicação de sua “mãezinha”, relembra com emoção. Do primeiro laçaço, “nenhuma sequela ficou. Um defeitozinho em um olho e numa perna, mas nem se nota”, orgulha-se. No entanto, a luta estava recém-começando. De família humilde e com mais oito irmãos, além de ajudar com as tarefas de casa, ainda piá precisou buscar meios de enganar a fome, muitas vezes. Apesar das dificuldades, é dos pais que acredita ter recebido a força e a coragem para lutar e vencer, ao longo da caminhada.

CAMPEIRISMO

As lides, efetivamente, no campeirismo se iniciaram como peão de estância, aos 15 anos. Nesta época, além de esquilador, começou a aprender a doma com cavalos. Mais tarde, já capataz de estância, veio a doma de búfalos, com os quais teve oportunidade de viajar para outros estados e participar de exposições que lhe proporcionaram angariar prêmios.
Os cavalos,Tita diz ter perdido as contas de quantos amansou. “Costumo dizer que o melhor amigo do homem, não é o cachorro e sim, o cavalo.” Se isso é verdade, ou não, foi com eles que se criou e fez das pistas de rodeios um palco para sua vida, por meio dos tiros de laço. Mas Tita queria mais. “Queria deixar um legado, neste meio.”
Foi então que um grupo de amigos fundou o Piquete Chaleira Preta, e lá estava Tita, como um dos sócios-fundadores. Entidade tradicionalista que logo se tornaria um Centro de Tradição Gaúcha, localizada em Linha Bem Feita, até os dias atuais.
De sócio-fundador, foi patrão aos 40 anos. Das conquistas nos tiros de laço, relembra como tudo começou e destaca as amizades verdadeiras, as boias compartilhadas nos acampamentos e o amor pela tradição gaúcha. “Era tudo muito diferente de hoje”, acrescenta.

MAIS UM CULEPE

Depois de ter experimentado todas as andaduras do cavalo, e estar com a vida mansa, o tradicionalista, que atualmente integra o Centro de Tradição Gaúcha (CTG) Querência da Mata, de Mato Leitão, teve que soltar as rédeas do pingo em 2017.
Naquele ano, conta que viu a “morte bater à porta”, quando descobriu um câncer de intestino. Procedimento cirúrgico, bolsa de colostomia, tratamento, “muita fé e apoio da família” fizeram com que Tita atropelasse a doença e retomasse o galope. “Com a graça divina estou curado”, agradece.

Neste período, longe das pistas, o pai da Glória Maria e do Luiz Carlos Silva Junior, divide o tempo entre os cavalos, uma chácara na Linha Grão-Pará e a casa no bairro Gressler, onde mora com a esposa Juliana de Menezes Silva e o filho caçula, Jonathan Menezes Silva.

Neste mês de setembro, a família e os amigos ele convida para ouvir a voz do narrador de rodeios anunciar “É ele, é ele – Tita está de volta, minha gente”, afirma. E complementa: “Com a graça divina, me orgulho de ser um gaudério trabalhador e corajoso, além de tudo, um vencedor.”

MEMORIAS QUE O TEMPO NÃO APAGA

Dos tanques comunitários, localizados na rua Armando Ruschel, esquina com a Júlio de Castilhos, onde os moradores do Campo Aberto buscavam água, lavavam roupas e até se banhavam, Tita lembra muito bem. Do local, lembra também dos baldes e galões de água que carregava para casa, ainda piazito, depois da aulas na escola Zilda de Brito Pereira.
Foi dali que, aos oito anos, começou a correr, não para “abrir a porteira”, mas para pular na carroça de seu Amadeus de Oliveira, ou seu ‘Amadinho’. E não era peripécia, era por necessidade. Nos serviços da roça, em Linha Herval Mirim, interior de Venâncio Aires, Tita ajudava seu Amadinho a fim de garantir uma garrafinha de café, um pedaço de pão com chimia doce e queschimier [espécie de requeijão].

Quando caía a noite, à casa dos pais deveria retornar. E as ordens eram cumpridas a rigor. Valores e obediência que considera ter-lhe tornado um gaúcho de fibra. De seu Amadinho e família, com quem foi morar por um tempo, guarda as primeiras referências de trabalho e incentivo. Nas páginas, escritas em sua memória, Luís Carlos Silva registra com carinho os oito irmãos: Jerônimo da Silva, Jorge, Marcelo, Ana Marisa, Marilice, e os que já partiram Maria Tereza, Sérgio e Amaro. “Em memória do meu pai que foi um grande homem e de minha amada mãezinha, que me proporcionaram a luz da vida e dos meus oito irmãos é que abro meu coração e agradeço esta grande homenagem [patrono] e a todos que lembraram do meu nome.”


Vamos apear na rua Herval Mirim, região leste da cidade, no bairro Cidade Alta. A casa de chão batido, onde o patrono nasceu não existe mais. Do local, Tita guarda as eternas lembranças.

Aos três anos, depois de superar a primeira doença – entre as brincadeiras de bolica – levantava os olhos para admirar os cavalos do seu Ernesto Knak (in memoriam). Primeiro morador do Campo Aberto, e tropeiro, segundo o neto Dieter Knak.

Aqueles cavalos, que andavam soltos em meio à piazada – bem maiores do que eles – nem de longe assustavam o piazinho. Pelo contrário, fizeram nascer nele, o amor pelos animais e pela tradição gaúcha.

Daquele sentimento – até por necessidade – surgiria a primeira fonte de renda, dos nove aos 13 anos. Faixa etária que se tornou jóquei, em carreira de cancha reta, na Linha Mangueirão, com a égua do venâncio-airense Soli Fontoura (in memoriam).

Dos trocados que ganhava nas competições comprava algumas peças de roupas e o restante – que não era muito – ajudava a família. O ciclo de jóquei, no entanto, se encerrou logo, mas as necessidades não.

Aos 14 anos – ainda guri – começou a trabalhar na antiga Fumossul [tabacaleira], onde permaneceu por um ano. Paralelo ao emprego na empresa, também trabalhava na roça. A partir daí, a sua história, oficialmente, começa entre domas, versos e pelos caminhos da tradição gaúcha. Nas fotos, ao lado, algumas das inúmeras lembranças, que o patrono faz questão de registrar.


Referências do linguajar gauchesco

• Se entrelaçam – unem-se
• Forjado a – construído a
• Nestas bandas – neste lugar
• Piazinho – conforme regulamento campeiro dos 0 aos 6 anos
• Franzino – pequeno, magro
• Estampa – figura
• Laçaço – golpe
• Pago – Lugar de origem
• Acolherar – agrupar
• Boia – comida
• Prosa mansa – falar calmamente
• Esquilador – trabalha/tosa com ovelhas
• Regalos – presentes
• Culepe – susto
• Andaduras – passos do cavalo


 

    

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