Imagine chegar no guichê de um banco ou qualquer estabelecimento, pegar sua senha e esperar ser atendido. Faz parte da rotina, claro, e muitas vezes o número impresso naquele papel incomoda e significa alguns minutos ou horas na fila. Agora imagine que seu número seja o de 32.716. Se em qualquer lugar isso pareceria brincadeira, na fila dos transplantes essa é a realidade.

O número acima corresponde aos dados relativos ao mês de junho da Associação Brasileira de Transplantes e Órgãos (ABTO), dos quais a grande maioria, 21.962, aguarda por um rim. Para quem pensa que isso ‘não chega em Venâncio’, está enganado. A Capital Nacional do Chimarrão tem dezenas de pessoas com problemas renais graves.

Atualmente, dos 70 pacientes em tratamento na hemodiálise do Hospital São Sebastião Mártir (HSSM), há 12 ativos que aguardam na lista de espera por um rim e tantos outros seguem em testes, na fase de preparo. A maior parte deve participar da feira de saúde que a Associação Médica de Venâncio Aires (Amva) promove neste sábado, 10, em frente ao hospital, das 9h às 12h, e que terá apoio da Unisc. 

Segundo a enfermeira Isabel Schmidt, o objetivo é tirar dúvidas e esclarecer mitos em relação à doação. “Mesmo que muitos sejam doadores, isso depende da palavra final da família. Infelizmente a recusa ainda é o grande limitador”, aponta Isabel, que é a coordenadora da Comissão Intra Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes (CIHDOTT) do Hospital de Venâncio.

No sábado, haverá distribuição de material informativo e as pessoas poderão tirar dúvidas com médicos, demais profissionais de saúde e pacientes sobre doação de órgãos.

Foto: Divulgação / Central de Transplantes do RSDados de setembro no Estado mostram a demanda por um rim na liderança disparada. São 994 pessoas na fila, mais do que o dobro do somatório dos demais órgãos
Dados de setembro no Estado mostram a demanda por um rim na liderança disparada. São 994 pessoas na fila, mais do que o dobro do somatório dos demais órgãos

As histórias do Jorge e do Henrique

Faz três anos que Jorge Luis Pereira, 47 anos, conhecido como Zóio, voltou a fazer hemodiálise. Essa ‘volta’ foi porque o aposentado chegou a receber um rim, mas houve complicações. “Não marco essas coisas ruins, mas comecei a fazer diálise em março de 2014”, conta. A espera na fila durou um ano e em março de 2015 foi operado. Infelizmente, o órgão rejeitou e consequentes infecções o deixaram internado por oito meses em Porto Alegre.

Desde então, voltou para a fila de espera por um transplante e faz tratamento no HSSM onde três sessões semanais de quatro horas cada dão conta da filtragem do sangue. “A equipe do hospital é ótima e a assistência é excelente.”

Sempre sorridente, Zóio não fala com frustração do problema de saúde, já que é hereditário – rins policísticos (formação de cistos), e a mãe, tias e primos tiveram ou têm a mesma doença. A única frustração foi ter que abandonar o futebol. O aposentando, que jogava de segunda a segunda, defendeu equipes do Négo e do Cruzeiro. “Tô há quatro anos sem jogar futebol. Mas se eu ficar pensando, vou ter dois problemas. Então prefiro focar meu pensamento em receber um rim.”

Foto: Débora Kist / Folha do MateJorge Pereira, o Zóio, passa pela hemodiálise três vezes por semana
Jorge Pereira, o Zóio, passa pela hemodiálise três vezes por semana

DE VOLTA À ROTINA

No mesmo mês e ano que Zóio voltou para a hemodiálise, Henrique José Hermes, 28 anos, ganhou a chance de retomar sua vida normalmente. No início de outubro de 2015, ele

Foto: Arquivo Pessoal / Henrique Hermes, com a esposa Patrícia e o filho Samuel, nascido depois do transplante
Henrique Hermes, com a esposa Patrícia e o filho Samuel, nascido depois do transplante

teve alta do hospital da PUC em Porto Alegre onde apenas uma semana antes recebeu a doação de um rim.

Henrique também passou pelo tratamento da hemodiálise no HSSM, onde precisou ir durante três anos. “Eu tinha uns 24 anos e foi uma doença silenciosa. Quando recebi o diagnóstico, meus rins já estavam completamente comprometidos”, conta.

O jovem teve nefropatia por IgA, uma doença imunológica causada pelo mal funcionamento de anticorpos, os quais lesionam os rins. A saída seria o transplante, o que veio depois de quase dois anos na fila. “Me recuperei muito rápido e estou superbem. A única coisa é que preciso tomar alguns medicamentos contínuos e fazer exames a cada dois meses em Porto Alegre.”

De volta à rotina, Henrique trabalha como frentista e mora em Taquari Mirim, Passo do Sobrado. Além do novo rim e sua ‘vida de volta’, há dois ele recebeu outro presente: ser pai do Samuel.

HEMODIÁLISE NO HSSMA unidade de alta complexidade do Serviço de Uronefrologia de Venâncio Aires existe há 25 anos. É nesta clínica, dentro do Hospital São Sebastião Mártir, que pacientes com insuficiência renal fazem o tratamento, três vezes por semana. Sem os rins em condições de filtrar as impurezas e toxinas do corpo, é a máquina de hemodiálise quem faz o serviço e o sangue passa 40 vezes pelo equipamento. A nefrologia no HSSM é capitaneada pela médica nefrologista, Maria Elaine Latosinski, e pela coordenadora do setor de enfermagem da hemodiálise, Tatiana Ibdaiwi.

Foto: Alvaro Pegoraro / Folha do MateParte da equipe que atua na hemodiálise do HSSM. Profissionais também participarão da feira neste sábado
Parte da equipe que atua na hemodiálise do HSSM. Profissionais também participarão da feira neste sábado

2.000 – é o número de pacientes de Venâncio Aires, Mato Leitão, Vale Verde e Passo do Sobrado que consultam regularmente no ambulatório de nefrologia do Hospital São Sebastião Mártir.

VOCÊ SABIA?É a morte encefálica (baseada na ausência de todas as funções neurológicas) que viabiliza a doação de órgãos.Não basta o doador querer, é preciso que a família aceite a decisão e autorize a doação.Em Venâncio Aires, a primeira captação ocorreu em 21 de novembro de 2014. Foi de um paciente de 50 anos e que a família autorizou a doação de três órgãos.O HSSM faz parte da Organização de Procura de Órgãos (OPO 6), com sede no hospital Bruno Born, em Lajeado.

Desde a implementação da UTI no Hospital São Sebastião Mártir, foram 20 notificações de possíveis doadores com morte encefálica. Mas, em quatro anos, apenas 4 órgãos foram doados.