Um fio de ar-condicionado, o cobre das instalações elétricas, bicicletas, botijões de gás e diversos outros itens de pequeno valor integram o que pode ser chamado de início da ‘cadeia produtiva’ do crime em Venâncio Aires. Objetos como estes são os principais alvos de dependentes químicos que, mais recentemente, têm se multiplicado pelas ruas à procura de ‘oportunidades’ para obter qualquer coisa que possa ser trocada pela droga de preferência. Seja cocaína, maconha ou crack – esta última a mais viciante e aprisionadora -, fato é que a Capital Nacional do Chimarrão lamenta, atualmente, não ser mais uma pacata cidade do interior, tudo por conta da escalada do registro de furtos que têm como finalidade a saciedade do vício.
Uma roda gigante que não para de girar um minuto sequer e já é uma das maiores preocupações da Brigada Militar, confirma a comandante da 3ª Cia, capitão Michele da Silva Vargas. “Às vezes, nem é algo de valor expressivo, mas suficiente para entregar ao traficante e obter uma ‘pedra’ e curtir o efeito dela até que o processo volte a se repetir. Em uma ou duas horas, a pessoa já está cometendo novos furtos, pois precisa suprir a dependência”, constata. A oficial concorda que este tipo de crime vem aumentando muito no município e aponta que a prisão em flagrante não é mais uma garantia de decréscimo dos números. “É preciso tratar estes dependentes. Como o furto não é um crime grave, a pena é branda e há muita reincidência”, sustenta.
A comandante da Brigada Militar de Venâncio Aires salienta ainda que só a internação e tratamento dos viciados não é o bastante. “Tem que ser criado, de alguma forma, um grupo atuante que trabalhe com o dependente, com a família dele. Temos situações de mães pedindo o afastamento dos filhos, porque não aguentam mais. É o filho furtando tudo dentro de casa, agredindo a mãe, nem a família quer mais. Precisamos de um mecanismo que assegure que essas pessoas sejam encaminhadas para tratamento e passem por todos os processos dele, sem voltar para a rua antes do tempo”, sugere. Ela entende que ressocialização precisa acontecer aos poucos, para que a sociedade, a família e paciente tenham convicção de que a recuperação será concretizada.
Solturas e ondas
O problema é tão gritante que as autoridades já sabem que, quando determinadas pessoas ganham liberdade, após um período no sistema prisional, haverá aumento de ocorrências de furto e roubo. “Quando a gente toma conhecimento de determinado indivíduo foi solto, é certo que teremos uma onda de crimes. Parece que quanto mais eles ficam presos, naquele período de preventiva, mais há a reincidência. A gente orienta as pessoas para que tomem cuidados e fica de olho em quem já é nosso conhecido, pois em quase 100% dos casos, a pessoa volta a cometer o mesmo tipo de crime”, afirma Michele. A capitão compreende que não é fácil atender toda a demanda existente, mas insiste que é preciso avançar neste sentido sob pena de o trabalho da BM se tornar cada vez mais frustrante. “É o tal de enxugar o gelo”, comenta.
Cooptação de adolescentes e jovens
Se a ‘cadeia produtiva’ do crime começa com os crimes de menor potencial ofensivo e conta com a retaguarda de receptadores e traficantes, continua com a arregimentação de ‘soldados’ que façam a roda continuar girando. Aí a preocupação das autoridades é com adolescentes e jovens, que são cada vez mais cooptados pelas organizações criminosas. É nesta fase da vida que eles são expostos a todo tipo de situação, desde a oportunidade do uso drogas até a possibilidade de integrar um determinado grupo fora da lei. “Conversem com seus filhos, orientem também em relação às drogas sintéticas. A gente teve várias apreensões em Venâncio Aires nos últimos tempos. Se tem apreensão, é porque tem quem use”, analisa a capitão Michele.
(51) 98414-9490 – É o telefone/WhatsApp que fica com o operador do telefone de emergência da Brigada Militar, o 190, durante 24 horas. Em caso de qualquer suspeita, pode ser acionado para que a corporação envie uma guarnição para averiguar a situação.
Ela ressalta que, à medida que o vício ou o status dentro da organização criminosa aumentam, maior é a chance de um fim trágico. “Normalmente, chega um momento que quem é viciado não vai ter mais condições de comprar o entorpecente ou que gastou um dinheiro que não podia, que não era dele. Aí, ou ele vai cometer crimes e dar um jeito de pagar a conta, ou o tráfico vai cobrar com a vida dele ou de alguém da família”, alerta. A comandante da Brigada Militar acrescenta que muitas pessoas têm dificuldade de entender que o problema é de toda a sociedade e medidas precisam ser adotadas com urgência.
“A gente repete isso várias vezes, mas parece que as pessoas só escutam quando bate na porta delas, né? Quando essa pessoa precisar do sistema de saúde pública do município e não houver condições de ofertar determinado tratamento, aí a ficha cai”, observa. Michele ressalta a consequência social relacionada e a necessidade de conscientização geral em torno do problema. “A internação de um dependente químico custa dinheiro. Depois, quando ele sai da internação, que é um período de 21 dias, precisa administrar medicamentos, que são fornecidos pelo Município. A população tem que passar a se preocupar nessas situações”, complementa.
“Em relação aos homicídios, temos que deixar claro que, aqui em Venâncio Aires, a maioria ocorre em razão de envolvimento com organizações criminosas. Mesmo assim, é uma vida que se perde e a gente tem que se preocupar, porque isso interfere na vida de outras pessoas e pode desestabilizar completamente uma base familiar.”
MICHELE DA SILVA VARGAS
Comandante da Brigada Militar de Venâncio Aires
Crimes hierárquicos
1 Na entrevista concedida à redação integrada da Folha do Mate e Terra FM, a capitão Michele da Silva Vargas afirmou que, pelo que a Brigada Militar tem conhecimento, a organização criminosa com maior atuação no município é a Os Manos.
2 Ainda de acordo com ela, muitas pessoas acabam sendo executadas por dívidas ou por outros motivos dentro da própria hierarquia. “Isso aí preocupa muito, porque cada vez é maior, é mais expressivo, o número de adolescentes se envolvendo com substâncias entorpecentes”, lamenta.
25 – É o número de armas apreendidas pela Brigada Militar em operações realizadas em 2023 e tiradas de circulação.
Roubo a pedestre e furto de veículo
• Um crime com emprego de grave ameaça e outro de menor potencial ofensivo são os dois que a Brigada Militar de Venâncio Aires tem mais dificuldades para coibir. A afirmação é da comandante da 3ª Cia, capitão Michele da Silva Vargas, ao se referir ao roubo a pedestre e ao furto de veículo.
• De acordo com ela, apesar de todos os esforços da corporação, por se tratarem de delitos cometidos conforme as ‘oportunidades’ oferecidas pelas vítimas e de rápida execução, a resposta dos policiais acaba prejudicada. “Estes dois indicadores a gente tem uma certa dificuldade de reduzir”, reforça a oficial.
• Em razão disso, a comandante destaca que a comunidade pode colaborar tomando cuidados como não portar objetos de valor ou dinheiro, de forma visível, em locais de grande circulação de pessoas, bem como não deixar veículo com chave na ignição, com vidros abertos ou objetos que chamem a atenção de criminosos a ponto de quebrarem um vidro ou romperem uma porta. “Toda ação de prevenção é importante”, destaca.