“É urgente a necessidade de alertas precisos para prever o impacto das cheias”, afirma especialista em Desastres Naturais

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O Vale do Taquari registra a maior catástrofe da história. As águas do rio Taquari ultrapassaram os 34 metros no município de Estrela na tarde de quinta-feira, 2, volume que ultrapassou em mais de quatro metros a enchente registrada em setembro do ano passado. O rastro de destruição e mortes assola o Rio Grande do Sul nesta que é a terceira grande cheia em menos de oito meses. O professor Marcos Leandro Kazmierczak, doutor em Desastres Naturais, concedeu entrevista durante o programa Folha 105 – 1ª Edição, da Terra FM, na manhã de sexta-feira, 3, para explicar os motivos que tornam esses eventos cada vez mais comuns.

De acordo com ele, a precipitação registrada no estado essa semana é extremamente atípica e é agravada pelo enorme volume de água rápido e a distribuição geográfica, pois atingiu mais de 200 municípios gaúchos. “Tivemos municípios que enfrentaram mais de 500 milímetros de chuva, ou seja, é a maior precipitação desde 1995, e três vezes mais do que o previsto para um mês visto em uma semana”, destacou.

– Esses fenômenos têm se tornado cada vez mais comuns e recentes, o que isso indica para o futuro?

Infelizmente, a resposta é pesada. Nos últimos meses, tivemos os meses mais quentes da história, somada ao desmatamento, queimadas, emissão de combustíveis fósseis e outras situações, que modificam a circulação oceânica e as correntes atmosféricas. Na região dos Vales, houve uma zona de convergência de umidade que se estabilizou sobre o estado e canalizou uma grande quantidade de vapor de água, há uma frente fria que encontra uma frente quente que está no Sudeste e no Centro-oeste, ou seja, essa bolha de umidade está congelada no Rio Grande do Sul. Isso provoca essa chuva toda.

Na última década (2013 a 2022), houve um aumento de 1525% no número de eventos extremos no Rio Grande do Sul, foram 61 eventos no período. Para os próximos anos, caso traçarmos uma linha no meio do estado do Paraná, para cima choverá menos e será mais quente, para baixo choverá mais e será mais quente. O Rio Grande é o estado que terá o maior aumento de chuvas nesse cenário, em torno de 10% a mais, o que são milhões de metros cúbicos de chuvas.

Ainda, ocorrerá um aumento de precipitações extremas, com 100 milímetros em duas ou três horas, e todos os municípios do estado aumentarão esses efeitos. É inevitável, a não ser que tenhamos soluções rápidas para, junto de governos e população, de forma coletiva, ações para reduzir a temperatura do planeta.

– É difícil definir o que é desastre natural nessa ótica de interferência direta do ser humano?

Na verdade, eles não são naturais. As comunidades utilizaram essa nomenclatura, mas a mais correta seria eventos extremos, naturais são tsunamis e vulcões. O aquecimento global está confirmado há décadas e temos noção do impacto do ser humano nesses eventos. No Rio Grande do Sul não existem desastres naturais, todos são, em geral, provocados por questões hidrológicas ou por secas.

Não vamos conseguir, a curto prazo, diminuir as chuvas, mas podemos adotar medidas de prevenção, porque atualmente estamos sempre em ações de respostas. O certo não seria resgatar essas pessoas, mas ter um plano para que essas pessoas não estivessem nas áreas, seja sendo retiradas ou realocadas para um local mais seguro.

– Estamos falando de redesenhar o mapa do Rio Grande do Sul?

Não vamos conseguir mudar uma cidade como Lajeado inteira, mas podemos mudar as áreas mais críticas, em morros ou nas margens do rio Taquari. Todos os municípios precisam ter um plano contra enchentes, contra desabamentos, é preciso de um alerta confiável (e preciso, pois caso ele alerte e não dê nada, perde o crédito e a população não confia mais). Em Venâncio Aires, por exemplo, 10 ou 15 instrumentos de telemetria para medir o nível do rio ou a quantidade de chuva, que custa, cada, R$ 20 mil, seria um primeiro passo para um serviço firme de alertas, mas precisa de investimentos em todos os municípios, mesmo aqueles a 200 quilômetros antes de Venâncio. Pois é urgente a necessidade de alertas precisos para prever o impacto das cheias.

“É necessário investimento maciço para saber com dias de antecedências se tal cidade será afetada, com qual volume e dia. As Prefeituras precisam repensar seus planos diretores, para redefinir as áreas edificáveis, não construir nestes locais ou retirar as famílias. Precisamos começar a planejar, criar, alertar, monitorar, para parar de apenas responder e começar a prevenir.”

MARCOS LEANDRO KAZMIERCZAK

Doutor em Desastres Naturais

Nomenclaturas corretas, segundo Marcos Leandro Kazmierczak

Enchente (ou cheia): temporária elevação do nível d’água normal da drenagem, devido ao acréscimo de descarga. Não afeta as edificações.

Inundação: o volume de água não se limita à calha principal do rio e extravasa para áreas marginais, habitualmente não ocupadas pelas águas.

Enxurrada: escoamento superficial concentrado e com alta energia de transporte ocasionando em eventos chuvosos intensos ou extremos. Geralmente, quando ocorrem, não há tempo hábil para os moradores tomarem os devidos procedimentos para se protegerem ou salvarem os seus bens. Também denominada de inundação brusca.

Desastres naturais: terremotos, erupções vulcânicas, tsunamis e semelhantes. São eventos geológicos ou climáticos naturais.

Eventos extremos: Consequência da atividade humana e resultam da conexão entre áreas susceptíveis à ocorrência de eventos naturais e a ocupação, ou uso, dessa mesma área para a implantação de qualquer tipo de atividade humana.

O tamanho da cheia

• Em Estrela, por meio de medição manual, o nível do rio Taquari alcançou 34,04 metros na tarde de quinta-feira, 2, superior em mais de quatro metros a medição de setembro de 2023. Em Vila Mariante, não há uma medição precisa em decorrência das dificuldades de acesso às réguas manuais e o controle realizado pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB) foi interrompido em diversos momentos durante a enchente.

• Em projeção baseada nos cenários anteriores, é possível que as águas tenham ultrapassado a marca de 20 metros no distrito do interior de Venâncio Aires. Residências que antes a água não ultrapassou as janelas, agora foram completamente ‘engolidas’, onde nem o teto ficou fora d’água.



Leonardo Pereira

Leonardo Pereira

Natural de Vila Mariante, no interior de Venâncio Aires, jornalista formado na Universidade de Santa Cruz do Sul e repórter do jornal Folha do Mate desde 2022.

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