A data é sugestiva, mas não é brincadeira. A partir do dia 1º de abril, os gaúchos vão sentir no bolso os reflexos de decretos assinados pelo governador Eduardo Leite ainda em 2023, mais precisamente no dia 16 de dezembro. Uma série de itens que atualmente são isentos de tributos ou contam com as concessões de abatimento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) passará a uma alíquota de até 12%.
A majoração tem como finalidade a manutenção das contas do Governo do Estado em dia, sem que haja a necessidade de mexer no ICMS da cesta básica, gás de cozinha e combustíveis. O aumento se dá em razão da estimativa de perda de R$ 5 bilhões anuais com a Reforma Tributária aprovada pelo Congresso em 2023. Com base em estudos de revisão dos benefícios fiscais – elaborados pela Secretaria da Fazenda -, Leite afirma que a opção é a menos amarga neste momento. Uma análise da Receita Estadual indica que a reoneração dos alimentos representará, em média, R$ 381 por ano às famílias, o equivalente a R$ 1 por dia e a 0,3% da renda da família.
A Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), entretanto, tem uma conta um tanto diferente. Segundo o economista-chefe da entidade, Antônio da Luz, o incremento médio para as famílias será de R$ 683 por ano. “O Governo do Estado está descaracterizando completamente a cesta básica. Uma das justificativas é de que os mercadinhos menores não serão afetados, mas se os maiores têm que aumentar os preços e os menores compram para revender, não terão que aumentar também?”, questiona ele.
De acordo com Luz, o Governo do Estado está levando em consideração, para o cálculo do impacto dos decretos, a cesta básica nacional, enquanto a Farsul toma como base a cesta gaúcha. “Gastamos muito mais com comida no Rio Grande do Sul do que a média do Brasil. Há a tese de que famílias mais pobres serão beneficiadas pelo Devolve ICMS, o problema é que a classe média é que acaba pagando a conta”, salienta.
“O governador está escolhendo o pior caminho possível. Havendo boa vontade, há opções menos dolorosas. O problema é que o Estado parece irredutível até o presente momento.”
ANTÔNIO DA LUZ
Economista-chefe da Farsul
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• De acordo com Antônio da Luz, os hortifrutigranjeiros estão entre os itens que mais serão afetados pela medida e, como Venâncio Aires e região têm uma produção significativa neste setor, o impacto será sentido quase que imediatamente: “Na primeira semana, o pessoal vai tentar segurar, para não afastar o cliente, mas depois não terão o que fazer e a sociedade vai sentir a mudança”.
• O Governo do Estado sustenta que parte da população gaúcha poderá ter ressarcimento do imposto pago nestes itens por meio do programa Devolve ICMS. A iniciativa, contudo, afeta só as famílias com renda mensal de até três salários mínimos ou renda per capita inferior a meio salário mínimo.
‘Não ao aumento, sim ao alimento’
- Em razão da proximidade com o dia 1º de abril, data em que os decretos do Governo do Estado passam a vigorar, várias entidades representativas se reuniram em uma campanha contra o aumento de impostos. Intitulada de ‘Não ao aumento, sim ao alimento’, a mobilização reúne Fecomércio, Fiergs, Farsul, Federasul, Agas, Federação Varejista do RS, Federação AGV, Setcergs, Acsurs, Assphcergs, Assucergs, Asgav/Sipars, Sips, Sicadergs e Sindipan RS.
- Em nota distribuída pelo grupo, é destacado o fato de que os preços dos alimentos vão subir no Rio Grande do Sul, a partir do dia 1º de abril, em razão dos decretos. O comunicado diz ainda que “o Governo do Estado continua insensível aos apelos da sociedade” e que “frutas, verduras, leite, pão, carne, ovos e demais itens da cesta básica, necessários e saudáveis, ficarão mais caros”. O grupo encerra ressaltando que “o resultado disso é menos produtos na mesa dos gaúchos e menos renda para milhares de produtores rurais”.

“O mate vai ficar mais amargo”
O economista-chefe da Farsul, Antônio Luz, destaca que, entre os produtos que sofrerão elevação com a medida do governo está a erva-mate, matéria-prima do chimarrão, item muito consumido, todos os dias, em Venâncio Aires. “O mate vai ficar mais amargo”, exemplifica. Luz ressalta ainda que ficará mais caro produzir. Conforme ele, o Governo do Rio Grande do Sul planeja tributar os defensivos agrícolas, o que vai gerar um impacto de R$ 701 milhões, de acordo com estimativa da Farsul.
“Venâncio Aires e região, por exemplo, tem como característica a produção e processamento de erva-mate e uma série de grãos. São itens cuja produção ficará mais cara, sem sombra de dúvida. Soma-se a isso o fato de os produtores estarem saindo de duas estiagens, o que reduz uma margem que já é pequena. Falam em diminuir 1,5% da margem de ganho, mas este percentual em relação aos 5% que geralmente sobra, é o mesmo que tirar mais do que 30% do lucro do produtor. É mais que o Imposto de Renda”, compara.
Projetos alternativos
• O deputado estadual Airton Artus (PDT) comenta que o Governo do Estado, no ano passado, enviou um projeto de lei para a Assembleia Legislativa propondo o aumento da alíquota base de ICMS de 17% para 19,5%. Na eminência de não ser aprovado, o projeto foi retirado e alguns decretos acabaram sendo emitidos.
• Os decretos cortam alguns incentivos fiscais ou os diminuem, em diversos setores, especialmente na área da alimentação, da erva-mate e na proteína animal. São estes decretos que entram em vigor a partir do dia 1º de abril. “Nós estamos, há algum tempo, nos reunindo com o governo, no sentido de minimizar o efeito dos decretos ou apresentar projetos alternativos”, afirma.
• Artus diz que ele mesmo manifestou que se o chamado ‘plano A’ não fosse bem recebido, o ‘plano B’ poderia ter um impacto negativo importante. “Que se estude e avalie um ‘plano C’. Neste caso, a gente trabalharia para um aumento apenas da alíquota base, de um valor entre 18% e 18,5%. Os decretos, se já estiverem em vigor, que sejam suspensos ou adequados a nossa a nossa realidade”, defende.
• De acordo com o deputado, na próxima semana deve ser discutida, na Assembleia, a constitucionalidade ou não dos decretos. “Isso a gente está avaliando, porque como é uma prerrogativa do governador, mesmo que se judicialize a questão, o governo pode fazer novos decretos. Então, o caminho não é tentar apenas jogar para a torcida ou fazer uma votação que, na prática, não tenha um resultado concreto para essa mudança. Acho que o melhor mesmo é a negociação, que o governo estude formas de mudar ou os decretos ou aceitar uma nova proposta”, conclui Artus.