Nas três reportagens publicadas anteriormente na série ‘Caminhos do Emprego’, em Venâncio Aires, destacando principalmente as áreas da indústria e de serviços, alguns pontos em comum chamaram a atenção, o que, naturalmente, acabava por se repetir, seja pela boca das pessoas ouvidas ou mesmo do que a própria reportagem observou ao longo das entrevistas realizadas.
Entre empresários e poder público, o discurso é muito parecido: existe oferta de trabalho em setores variados, mas muitas das vagas não são preenchidas ou pela falta de interesse pessoal ou pela falta de uma mão de obra capacitada. Esse último aspecto foi o mais destacado pelo prefeito Jarbas da Rosa. Segundo ele, ao comentar que atualmente a agência FGTAS/Sine tem cerca de 200 vagas em aberto, dois pontos ajudam a explicar esse número. “Muitas vezes, é a falta de interesse pessoal, o que é cultural, mas o maior problema é a falta de qualificação. Por isso acho que a qualificação é o caminho.”
Com o Qualifica Venâncio, programa municipal que destinou recursos próprios para dar cursos gratuitos a mais de 700 pessoas, Jarbas acredita que os resultados serão positivos. “O programa ainda não terminou, vai até setembro, mas já é um sucesso. Houve uma grande procura e quem conseguiu sua vaga, a grande maioria está fazendo o curso. Teve pouquíssima desistência e quem está em formação, as empresas já estão de olho.”
Ainda conforme o prefeito, a continuidade do programa em 2023 está sacramentada. “Vamos começar a discutir o orçamento em julho, mas é certo que o Qualifica vai continuar e vamos reservar recursos para isso.”
Estímulo
Mesmo que para algumas oportunidades a qualificação não seja um pré-requisito, muitas vezes uma vaga não é preenchida porque o ‘não’ vem do próprio candidato, que tem o direito de escolher se quer trabalhar em determinado ramo ou não.
Nesse sentido, em que o interesse pessoal também tem peso quando o assunto é empregabilidade, o prefeito de Venâncio Aires entende que tudo passará por uma mudança cultural. “O comprometimento também é algo que precisa ser trabalhado. Mas isso é cultural, que mexe nas famílias e escolas. As crianças precisam ser estimuladas, com questões que são da geração, como a tecnologia, aliada a uma educação empreendedora, por exemplo. Mas isso só veremos a longo prazo, daqui a 15 ou 20 anos.”
A opinião é a mesma do secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo, Nelsoir Battisti. “Isso não vai mudar de uma hora para outra. Está se implementando agora, por exemplo, a Educação Financeira nas escolas municipais e a parte de automação e robótica. Vai se ensinar uma geração para um segmento que já tem melhor remuneração, tanto que o próximo programa Qualifica tem um embasamento mais tecnológico”, adiantou Battisti.
Envolvimento da sociedade
Para o professor do Departamento de Gestão de Negócios e Comunicação da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), Julian Israel Lima, a falta de qualificação profissional é algo que tem atrapalhado muito o preenchimento de vagas.
“Não são poucas as vezes que temos, em meio a uma multidão de inscritos, poucos com os conhecimentos e habilidades requeridos. Em conversas com colegas que atuam como gestores ou recrutadores em empresas, o discurso é o mesmo: pessoas sem experiência, com pouca ou nenhuma qualificação para as atividades.”
Mas Lima pondera que para os trabalhos que requerem alta especialização e experiência, o ‘pacote’ que vai fidelizar os melhores profissionais também precisa ser qualificado, o que envolve um ambiente, estrutura, benefícios e um salário que sejam competitivos.
“Existem, por outro lado, atividades para as quais não se têm muitas pessoas dispostas a fazer se não for por um bom salário, como empregos mais insalubres ou com jornadas não muito atrativas. Para esses casos, o salário pesa muito e o empresariado precisa investir mais, lembrando que rotatividade também é custo e interfere na qualidade dos produtos e serviços.”
O professor, que tem pós-graduação com foco na gestão de pessoas, afirma que a sociedade como um todo precisa atuar para que as coisas deem certo, o que envolve o poder público, a comunidade, as organizações, entre outros.
“Ações do poder público e de empresas junto às instituições de ensino, para fomentar o ingresso e a permanência de jovens no ensino técnico e superior, também são muito válidas, como auxílio-transporte, bolsas e financiamentos, e até mesmo programas de estágio para dar conta da falta de experiência”, concluiu Lima.
“É preciso pensar a longo prazo e, envolvendo as empresas, poder público, instituições de ensino e a comunidade, empreender esforços para que os estudantes, desde o Ensino Fundamental, já possam começar a refletir sobre o próprio potencial, sobre o mundo do trabalho e sobre as possibilidades de caminhos que estão à sua disposição.”
JULIAN ISRAEL LIMA – Professor do Departamento de Gestão de Negócios e Comunicação da Unisc
Estado precisará qualificar 758 mil pessoas até 2025
Até 2025, o Rio Grande do Sul precisará qualificar 758 mil pessoas em ocupações industriais, sendo 149 mil em formação inicial – para repor inativos e preencher novas vagas – e 609 mil em formação continuada, para trabalhadores que devem se atualizar. Isso significa que, da necessidade de formação nos próximos anos, 80% serão em aperfeiçoamento. Em todo o país, a demanda é de 9,6 milhões de trabalhadores qualificados.
Os dados e a avaliação são do Mapa do Trabalho Industrial 2022-2025, estudo realizado pelo Observatório Nacional da Indústria para identificar demandas futuras por mão de obra e orientar a formação profissional de base industrial no país.
Atendo às demandas, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai-RS) lançou neste mês, em parceria com os sindicatos industriais do estado, um programa para capacitação de desempregados de forma gratuita, com o objetivo de auxiliar diretamente a falta de recursos humanos capacitados para o setor. São mais de 1,5 mil vagas em cursos de qualificação.
O diretor regional do Senai-RS, Carlos Trein, destaca que o trabalho mostra a necessidade de qualificação pela velocidade com que as transformações digitais estão acontecendo. “Cada vez mais a capacitação profissional constante se torna importante para a atualização e acompanhamento das novas tecnologias.” (Com informações AI Sesi-RS)
“Sempre tive trabalho em Venâncio”, afirma empreendedora
A tão falada qualificação de mão de obra não é importante apenas para suprir determinada vaga em alguma empresa. Ela pode ser um estímulo para quem também pensa em empreender, ainda mais em Venâncio Aires, que tem registrado crescimento no número de Microempreendedores Individuais (MEIs) – mais de 250 inscrições em 2022.
É o caso de Maria Elisa da Silva Wink, 37 anos, que em 2013 trocou Caçapava do Sul por Venâncio Aires. Na época, Gi, como é conhecida, se mudou com a filha Dienyfer, que tinha 3 anos, para ficar perto do marido, Antonio, que já morava na cidade devido ao trabalho em uma empresa terceirizada da RGE.
Com pouca escolaridade, Gi tinha trabalhado em mercados, lojas e como faxineira e babá em Caçapava. Em Venâncio, também passou por vários empregos, principalmente como auxiliar de cozinha em restaurantes e lancherias. E foi justamente por essa experiência, por gostar de cozinhar e por ter se qualificado com cursos de cozinha e de padaria, que ela decidiu, no início desse ano, que era hora de arriscar e ter o próprio negócio. “Desde o início tive apoio do meu marido e os amigos que fiz aqui.”
Assim, em abril ela inaugurou uma lancheria, localizada no bairro Leopoldina. Somado ao negócio próprio, Gi também comemorou duas conquistas recentes, ainda em 2021: a conclusão do Ensino Médio e a construção da casa própria. “Gosto muito de Venâncio, sou feliz aqui e não penso em ir embora. Sempre tive oportunidades, sempre tive trabalho e agora tenho meu próprio negócio. Em Venâncio, quem quer trabalhar ou quer empreender, consegue.”