Escola de Linha Campo Grande, na zona rural de Venâncio, realiza projeto de troca de informações com educandário de Santa Catarina.
Um passarinho sobre o moirão, um boi pastando e a fruta madura no pé. A flor que desabrochou na cerquinha, os trilhos das formigas na lateral da estrada e um senhor de chapéu capinando na lavoura. Sim, são componentes corriqueiros de um cenário rural e que, muitas vezes, passam despercebidos. Mas não para os olhinhos atentos e curiosos de 13 crianças que, embora somem apenas quatro ou cinco dedos em idade, já estão aprendendo sobre vivências e pertencimento.
Essas crianças estudam na Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Nossa Senhora de Fátima, de Linha Campo Grande, interior de Venâncio Aires. Por lá, começou um projeto chamado ‘Bicho, planta e gente: cada um tem sua missão – cartas trocadas, histórias compartilhadas’. O nome pode parecer um pouco grande, mas faz jus à quantidade de informações e mesmo à distância que ele percorreu, afinal, chegou em outro estado. “A ideia é promover uma espécie de intercâmbio entre uma turma de Educação Infantil e uma turma de Ensino Fundamental, de escolas de estados diferentes, uma na zona urbana e outra na zona rural. Com trocas de cartas, desenhos e relatos, as crianças podem desenvolver habilidades comunicativas, expressão artística, senso de pertencimento e respeito à diversidade”, explicou a diretora Eliziani Szabelsky de Mattos.

Estímulo à comunicação
Sendo a Nossa Senhora de Fátima uma escola multisseriada – são apenas 37 alunos entre pré e 5º ano – a diretora Eliziani também é a professora dos 13 alunos que formam os prés A e B. E é com os pequenos que a proposta se desenvolve. “De que forma estimular a comunicação e o desenvolvimento da linguagem oral e escrita? Aí se pensou em uma troca simbólica e afetiva entre crianças de diferentes idades e realidades”, relatou. Para isso, Eliziani tem a parceria da irmã, a também pedagoga Eliane Szabelsky dos Santos, que dá aula para crianças maiores, numa escola maior, numa cidade maior e que fica a mais de 650 quilômetros de Venâncio (veja abaixo).

Explorando o Campo Grande, localidade da zona rural de Venâncio
Alguns alunos da Emef Nossa Senhora de Fátima moram em Linha Cerro dos Bois e Linha Rincão de Souza, mas a maioria reside em Linha Campo Grande mesmo, localidade que fica no distrito de Vila Estância Nova, e que realmente tem grandes campos.

A professora Eliziani conta que, como qualquer criança, os pequenos costumam levar para a sala de aula as novidades e as vivências de casa. Falam sobre os filhotes de gato que nasceram e sobre a flor que a mãe plantou, por exemplo. “Relatam com propriedade e entusiasmo tudo o que observam.”
Assim, o projeto começou com passeios próximos da escola, observando o que tem no entorno. Nessa aventura exploratória, para conseguir ‘enxergar’ melhor, as crianças se equiparam com binóculos confeccionados por elas, com tinta, barbante e rolinhos de papel higiênico. “Olha lá, é o ninho de joão-de-barro. É de barro, tia. Coloca o binóculo, tu vai ver também”, garantiu Amanda Sofia Dias Marques, de 5 anos. Apontando o dedo indicador, orientou esta repórter, que também ganhou um binóculo de rolinho, quando foi conhecer a turma, nessa semana.

Relatos em cartas
Depois de observar, as crianças desenharam o que viram, assinaram os nomes e relataram para a professora escrever as informações em carta. O formato também tem uma explicação, já que o objetivo é que as crianças conheçam os meios de comunicação (o que inclui o jornal impresso), para além das telas, as quais fazem parte da realidade das gerações mais novas.
O curioso é que em Linha Campo Grande não tem entrega dos Correios, então o ponto de partida foi o endereço da Secretaria de Educação de Venâncio, no Centro da cidade. Levou uma semana para a cartinha dos pequenos chegar ao destino, em Itajaí, Santa Catarina. Numa folha de caderno, as crianças descreveram tudo que enxergaram no entorno da escola e também fizeram perguntas, como quais animais têm por lá, quantos alunos e como eles vão para o educandário.

Semelhanças e diferenças entre a zona rural e zona urbana
A resposta também levou uma semana para chegar, igualmente por carta, que a professora Eliziani abriu na quarta-feira, 16, dia que a reportagem esteve na escola. Naquele momento, os alunos descobriram que Itajaí tem praia e mais de 280 mil habitantes – quatro vezes mais que Venâncio Aires. “É maior que o Campo Grande”, observou Vicente José Pereira, 5 anos.
A troca de cartas foi com o 5º ano da tarde da Escola Estadual de Educação Básica Elizabeth Konder Reis. A turma tem 31 alunos, quase a totalidade da Emef Nossa Senhora de Fátima, cujas aulas são somente pela manhã. Ao todo, a escola catarinense (com aulas nos três turnos) tem 833 estudantes e 100 professores, sendo que no Campo Grande, são quatro ‘profes’ e uma agente escolar.

Reações
As crianças catarinenses descreveram que Itajaí é uma cidade com belas praias e um porto onde chegam grandes navios de carga e cruzeiros. Há poucas áreas verdes, mas a escola tem uma horta cuidada pelos alunos, a exemplo da Nossa Senhora de Fátima. Quando os venâncio-airenses descobriram que na outra instituição existe um pé de urucum (que tem uma semente de cor vermelha, utilizada como condimento e corante natural), as reações foram de estranhamento. “Essa não conheço, não”, lamentou Enzo Rafael Pereira, 5 anos. “Mas conheço laranja, limão e banana”, completou.
Na Emef Nossa Senhora de Fátima, as crianças vão e voltam de van, enquanto os catarinenses vão a pé, de bicicleta, moto, carro ou ônibus. No entorno do educandário de Itajaí, conforme descrito na carta, o ambiente é urbano, com muitas casas, parquinhos, comércio e automóveis circulando. Ao ouvir sobre os automóveis, Gabriel Silva da Rosa Fonseca, 5 anos, chamou atenção. “Aqui no Campo Grande também tem carro. Eles vão mais no Bar do Canhoto”, afirmou, referindo-se ao estabelecimento comercial que fica perto da Emef. Nisso, Vicente Nunes, 5, completou o colega, justificando o movimento de carros. “É porque lá é importante. É uma venda.”

Sequência
Segundo a professora Eliziani Szabelsky de Mattos, o projeto deve seguir até junho. A proposta inclui conversas sobre amizade, comunicação e diversidade, contando histórias e experiências por meio de cartas. Todo o material recebido e produzido será exposto em um mural da sala de aula.
“A ideia é que as crianças expressem sentimentos, ideias e vivências, usando a escrita como forma de comunicação. E que isso contribua para que conheçam outras culturas e ambientes, mesmo à distância.”
ELIZIANI SZABELSKY DE MATTOS – Diretora e professora na Emef Nossa Senhora de Fátima