Em algumas residências, a sala da casa virou sala de aula neste ano. Com a pandemia de coronavírus, as escolas públicas não retornaram com aulas presenciais e muitos pais ‘vestiram a camiseta’ de professor para auxiliar os filhos nos estudos, em casa. Esse é o caso da cabeleireira Michelle Meirelles, 39 anos.
Quando as aulas pararam, no início do ano, a estudante de Pedagogia não imaginou que teria que transformar a sala de casa em sala de aula, pois achou que os filhos Giuliano Meirelles Nunes, 10 anos e Alice Meirelles Nunes, 5 anos, que estudam no 2º ano do Ensino Fundamental e no Pré A, respectivamente, ficariam sem aula só por alguns dias. Porém, quando recebeu a notícia de que o ano letivo seria marcado por atividades remotas, Michelle logo começou a colocar em prática o aprendizado que já recebeu no curso de graduação, que está em andamento.
“Eu comecei a fazer Pedagogia para ajudar meus filhos, especialmente o Giuliano, que é autista. Então, foi a hora de ajudar eles”, conta. O primeiro passo, foi pendurar cartazes pela sala, com alfabeto, números e outras atividades para dinamizar o aprendizado dos filhos. Desde então, essa é a rotina da família, todas as manhãs, de segunda a sexta-feira. Os três sentam juntos para fazer as atividades escolares.
Os primeiros dias desta experiência foram agitados, pois o menino autista tinha uma rotina organizada e sem aulas precisou se reorganizar e trocar medicamentos para garantir a concentração. Além disso, o menino ficou sem atendimentos da psicopedagoga e da fonoaudióloga. “Como ele estava na escola regular, sem professora de apoio, no primeiro momento eu fiquei tranquila em poder ajudar mais ele, dar mais atenção. No geral foi tranquilo, mesmo sendo agitado com os dois em casa”, compartilha.
ATIVIDADES LÚDICAS
A estudante de Pedagogia destaca que o filho autista precisa realizar atividades lúdicas, com objetos concretos, para conseguir aprender com mais facilidade. Por isso, ela aproveitou um trabalho da faculdade, que era sobre a área de brinquedoteca e fez cartazes para deixar na sala de casa. “Usamos palitos para pintar e contar, também fizemos recortes, usamos objetos da casa, tudo que podemos para tornar mais fácil e divertido para os dois. Porque mesmo sendo atividade do Giuliano, a Alice acaba fazendo junto e aprendendo, porque ela é bem curiosa”, diz a mãe, que quando tinha dúvidas recorria às profissionais que acompanham o filho, como as professoras e psicopedagogas.
Com essas ideias, Michelle obteve sucesso na aprendizagem dos filhos, pois conseguiu alfabetizar o menino. “Foi uma grande meta alcançada. Fizemos todo processo aprendendo com papel e desenhos, porque é o que ele adora fazer, então proveito isso para ensinar outras coisas. Hoje ele escreve de tudo e a Alice já sabe escrever o nome”, conta a mãe, contente com o resultado.
DESAFIOS
Mesmo estudando pedagogia, Michelle conta que em algumas atividades e momentos já desanimou, mas continua pois sabe que todo esforço é pela aprendizagem dos filhos. “É difícil, às vezes, fazer eles saírem da frente da televisão e começarem as atividades. Mas eu não cedo, enquanto não fazem os temas não podem brincar, para não acumular trabalho”, explica.
Ela também precisa estar sempre ao lado do filho, por isso, trabalhar em casa ajudou com o momento. “Tenho salão de beleza em casa. Antes da pandemia trabalhava o dia todo, mas agora abro só pela tarde e deixo a manhã livre para cuidar da casa e fazer os temas com eles”, expõe.
Ensinar a letra cursiva para Giuliano também foi desafiador para Michele. Ela precisou pesquisar e praticar antes, para lembrar como era e depois poder ensinar ele. “É bom porque reaprendo algumas coisas da época do Ensino Fundamental.”
Outro momento difícil para Michelle foi a perda da mãe, há alguns meses. Durante uma semana ela deixou de fazer as atividades com as crianças e acumularam as tarefas. “Não tinha cabeça para estudar com eles, e nem eles tinham também, porque foi um momento difícil. Mas eu conversei com as professoras, expliquei que iríamos atrasar as atividades, porém iríamos entregar. No fim deu tudo certo”, conta.
REFLEXÃO
Para a mãe, faz falta as crianças terem uma rotina escolar e socializar com outras crianças. Giuliano estava desde setembro de 2019 na escola regular e Alice tinha iniciado a trajetória escolar neste ano. “A pequena não tem saudade da escola, porque tinha pouco vínculo, mas ele tá com saudades e fica estressado em ficar só em casa. Esse é um reflexo negativo”, analisa Michelle.
Por conta disso, sempre que possível ela procura fazer atividades diferentes com eles. “Não tenho espaço para eles correrem e brincarem mais, mas tento ir para algum lugar mais retirado nos fins de semana, como uma chácara, para que eles possam fazer isso”, observa.
“Quem está ajudando os filhos em casa deve tirar uma hora por dia para estudar e entender quais são as necessidades. Não é responsabilidade só do professor, é da família também, mesmo não sendo fácil.”
MICHELLE MEIRELLES
Mãe e estudante de pedagogia
- Críticas
Michelle cita que recebeu críticas de outras pessoas, que falavam que essa iniciativa era obrigação do professor e que este foi um ano letivo perdido. Contudo, ela ressalta que foi o ano mais aproveitado que já teve com os filhos. Ela lamenta que os pais estejam desacreditados e jogam o compromisso para os professores. “Não foi um ano perdido, temos que pensar nas coisas que foram proveitosas. Pelo menos para mim foi um ano bom, pois meus filhos aproveitaram e aprenderam mesmo em casa”, ressalta. Ela observa que por essas questões, mesmo estudando Pedagogia, não planeja no momento, atuar na área.