Venâncio Aires - Decreto nº 12.686 publicado no mês passado pelo Governo Federal preocupa a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) de Venâncio Aires. O texto institui a Política Nacional de Educação Especial Inclusiva (PNEEI) e cria a Rede Nacional de Educação Especial Inclusiva. A proposta é garantir o direito à educação de pessoas com deficiência, transtorno do espectro autista (TEA) e altas habilidades ou superdotação.
Segundo o texto, a educação especial deve ser oferecida de forma transversal em todos os níveis e modalidades de ensino. Isso significa que o atendimento a estudantes com deficiência não será separado da estrutura geral da educação, mas integrado ao sistema regular, com apoio pedagógico e recursos específicos. O decreto determina que os estudantes público-alvo da educação especial, entre 4 e 17 anos, devem estar incluídos em classes e escolas comuns, com as condições e adaptações necessárias para garantir a participação, a permanência e o aprendizado.
A Federação das Apaes do Rio Grande do Sul também já divulgou nota oficial manifestando contrariedade ao decreto. As manifestações buscam entender como as escolas regulares terão capacidade – física e de quadro profissional – para atender os estudantes. “Volta e meia o movimento já vinha à tona, mas nunca de forma tão concreta com assinatura de um decreto”, destaca a diretora da Apae de Venâncio, Grazieli Winkelmann.

Ela detalha que os pais não terão autonomia de escolher se os filhos poderão receber o atendimento na Apae, sendo realocados para as escolas regulares. A escola da Apae de Venâncio foi autorizada em 1983 e, atualmente, recebe, em média, 170 alunos, com projeção de ampliar o número para 2026, devido ao aumento crescente de demandas, especialmente de crianças menores.
A descentralização no modelo também pode gerar um grande retrocesso na educação. Alunos com deficiência – múltipla e intelectual – têm prejuízos na aprendizagem, oriundos de vários fatores. Cada turma é composta por, no máximo, dez alunos. A prática busca garantir um atendimento prioritário, com professores focando nas necessidades individuais e acompanhando de perto o processo. “Precisamos deixar claro que não estamos dizendo que os profissionais de escolas regulares deixariam de realizar um bom atendimento. Mas poderemos ter uma evasão de alunos muito grande, por questões de adaptação e cuidado. São diversos fatores que precisam ser levados em consideração.”
Formação
A diretora Grazieli elenca outras preocupações dispostas no documento. Além da capacidade para receber os alunos, ela menciona a formação profissional. O decreto mantém o Atendimento Educacional Especializado (AEE), que é o serviço pedagógico destinado a complementar ou suplementar o ensino de estudantes com deficiência. O texto reforça que o AEE não substitui a matrícula na classe comum e que pode ser oferecido, de forma excepcional, em centros da rede pública ou em instituições sem fins lucrativos conveniadas, como as Apaes e outras entidades filantrópicas.
O decreto dispõe que, para o AEE, os profissionais devem ter, pelo menos, formação em Pedagogia e 80 horas de formação para a área. “Enquanto isso, a equipe da Apae é multidisciplinar. Composta por profissionais de várias áreas e especializações dentro da educação especial e pedagogia. Cada pós-graduação tem, no mínimo, 360 horas de estudo e dedicação”, compara.
A federação das Apaes também contesta a carga horária e destaca as dificuldades encontradas atualmente – em todo o país – para garantir a formação de profissionais de ensino regular, não havendo garantia de que o complemento aconteceria.
Evasão
Na análise da diretora da escola da Apae de Venâncio, essa mudança do Governo Federal pode alavancar os índices de evasão escolar dos alunos. Isso porque eles não terão o acolhimento e atendimento necessário. “E isso nos causa muita preocupação, pois cada vez mais estão aumentando os casos de crianças e adolescentes que recebem atendimento”, explica.
“Estamos muitos preocupados, em nível local, estadual e nacional. Volta e meia o movimento já vinha à tona, mas nunca de forma tão concreta com assinatura de um decreto. Estão tirando um direito da família de escolher onde querem realizar a matrícula do seu filho.”
GRAZIELI WINKELMANN
Diretora da Apae Venâncio Aires
170
é o número aproximado de alunos matriculados na escola da Apae de Venâncio Aires
Trabalho para garantir a adaptação
Cada estudante das escolas da Apae passa por um estudo de caso, integrando a família nas discussões. Além da idade, são analisados o perfil e o acompanhamento constante de habilidades desenvolvidas. A escola garante formação similar à escola regular, porém com didáticas adaptadas. Caso o aluno tenha desenvolvimento, ele é redirecionado para uma escola regular. Em outros casos, o aluno permanece desde criança até se tornar adulto.
Atividades práticas são priorizadas, principalmente para aqueles que possuem dificuldades em aprender a ler e a escrever, o que, segundo a diretora, define a maioria. Trabalhos na cozinha, no pátio e sobre o mundo do trabalho são alguns dos realizados, inspirando o espírito de autonomia e independência. “Quebrar um ovo ou passar manteiga no pão. Pra nós é algo tão simples, mas pra eles é uma grande conquista. Ficam muito felizes”, diz. Há, ainda, a possibilidade de encaminhamento para o mercado de trabalho.
Clínica
Com o encaminhamento para a escola, o aluno também passa a receber o atendimento clínico – acompanhamento de profissionais da saúde e assistência social para complementar o atendimento. Na área da saúde, os cuidados são realizados por terapeuta ocupacional, fisioterapeuta, psicólogo e neurologista. “A gente dá todo o trabalho de orientação para a família. Não adianta pensar só no aluno se os pais não estiverem envolvidos”, afirma Grazieli. Para garantir a assistência à família, grupos de convivência são promovidos.
Moção de Apoio aprovada pelos vereadores
A Câmara de Venâncio Aires aprovou, por unanimidade na sessão da última segunda-feira, 10, Moção de Apoio destinada ao Senado Federal. A proposta, apresentada pelo vereador Nilson Lehmen (MDB) e subscrita pelos demais parlamentares, manifesta o apoio ao senador Flávio Arns (PSB-PR), autor de um projeto de decreto legislativo que visa sustar os efeitos do decreto.
O documento aprovado pelos vereadores argumenta que o decreto federal apresenta “graves lacunas conceituais e estruturais”, conforme destacado por educadores e entidades representativas da educação especial.
A Apae de Venâncio Aires, além de atender a Capital do Chimarrão, possui convênios com os municípios de Mato Leitão, Passo do Sobrado e Vale Verde
O que diz a Feapaes-RS
- De acordo com nota da Federação das Apaes do Rio Grande do Sul (Feapaes) o decreto do Governo Federal não respeita o direito das famílias de escolher o modelo educacional mais apropriado para as crianças e adolescentes.
- “A inclusão forçada, sem considerar as particularidades de cada caso, pode resultar em sofrimento, frustração e prejuízos ao desenvolvimento educacional e socioemocional. A inclusão não pode ser decretada sem que existam condições materiais e humanas para sua efetivação”, diz o texto da federação.
- O documento segue: “A inclusão é um direito fundamental e um valor inegociável. No entanto, a inclusão verdadeira não é apenas colocar todos no mesmo espaço físico, mas garantir que cada pessoa tenha acesso a uma educação de qualidade.”