Rafael Arenhardt, 18 anos, é aluno do 9º do Ensino Fundamental da Escola Frida Reckziegel e adora livros (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)
Rafael Arenhardt, 18 anos, é aluno do 9º do Ensino Fundamental da Escola Frida Reckziegel e adora livros (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)

Estudante da Escola Frida Reckziegel, de Vila Palanque, tem autismo e participou do projeto Oratória nas Escolas, da JCI Venâncio Aires.

Ele é apaixonado por livros, por pesquisa e por História. É um leitor exemplar, que lê todos os dias. E, por ser tão próximo das palavras e do que elas ensinam, entende que, qualquer fato, deve ser contado com clareza e simplicidade, para ser entendido por todos. Assim é Rafael Arenhardt, 18 anos, um dos 20 estudantes de Venâncio Aires que participaram do Oratória nas Escolas, projeto desenvolvido pela Junior Chamber International (JCI) do município, no mês passado.

Se, para cada uma daquelas crianças e adolescentes, subir no palco do Clube de Leituras e falar para uma grande plateia já foi um desafio, para o Rafael a superação foi mais especial: ele tem autismo e, por isso, o sexto lugar na disputa teve o mesmo gosto da posição mais alta no pódio.

A história do Rafa

Mas, antes de falar da vitória mais recente do jovem, é importante conhecer um pouco da história dele, na qual as conquistas se tornaram gradativas e muito comemoradas. Rafa, como é conhecido em casa e na Escola Estadual de Ensino Médio Frida Reckziegel, de Vila Palanque, onde estuda, nasceu quando Luciane Fátima Arenhardt, hoje com 55 anos, achava que não engravidaria mais. Ela já era mãe do Guilherme, na época com 14 anos, quando soube que teria mais um menino. “Sempre digo que o Rafa tinha que vir para mim”, define Luciane.

A confeiteira relata que, poucos anos antes, cuidou da sogra, que tinha problemas de saúde e requeria atenção quase que integral. “Ela faleceu antes do Rafa nascer, mas foi essa experiência de cuidado que me ajudou a olhar e a entender mais o meu filho. É algo que me emociona até hoje”, comenta Luciane. A mãe conta que começou a observar que o caçula era diferente ainda bebê. “Chorava muito e não gostava de ficar sozinho. Também não sorria, nem me olhava nos olhos. E tinha convulsões. Então vi no jornal que tinha uma neuropediatra que atendia em Venâncio. Foram vários exames, até receber o diagnóstico que era autismo. Mas, naquela época, a gente não sabia nada sobre isso.”

As primeiras palavras

Quem conversa hoje com Rafael e testemunha a destreza e a facilidade que tem com as palavras, não imagina que ele começou a falar somente aos 6 anos. Ele não cresceu com o irmão mais velho, que muito jovem saiu para estudar em Encruzilhada do Sul e, logo depois, se mudou para o Mato Grosso, onde está até hoje e é agrônomo. Mas foi justamente a saudade de Guilherme e o cachorro que ganhou de presente do irmão, que despertaram em Rafael as primeiras palavras. “Falava muito no Gui e no Bebê, que foi o nome que ele deu pro cachorrinho”, lembra a mãe.

Ainda que os primeiros anos de Rafa tenham sido praticamente em silêncio, Luciane revela que a leitura sempre fez parte da rotina. “Sempre gostei de ler e todos os dias lia para ele. Também sempre comprei muito livrinhos e compro livros até hoje. Ele adora.”

Além das consultas com especialistas, Rafael frequentou a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) dos 2 aos 12 anos. Tratou crises epiléticas até os 10 anos e, ainda hoje, segue com acompanhamento da neuropediatra. Em 2019, já alfabetizado, passou a estudar na Escola Frida, da mesma localidade onde mora a família.

Durante o discurso no Oratória nas Escolas, no palco do Clube de Leituras (Foto: Divulgação/JCI)

Do debate em sala de aula ao Oratória nas Escolas

A disciplina favorita de Rafael é História e ele fala com naturalidade sobre acontecimentos da 2º Guerra Mundial, bem como sobre as trajetórias de políticos históricos, como Leonel Brizola e Getúlio Vargas, nomes que, segundo Rafa, foram grandes oradores. Ele conta que, em 2024, se saiu muito bem num debate promovido em sala de aula sobre ‘legalidade ou não legalidade do aborto’. “Aí, neste ano, a professora Evelaine, de Português, perguntou se eu não queria participar da etapa interna para o Oratória nas Escolas. Pensei muito, conversei com a minha mãe e todos me apoiaram. Fiquei ansioso e com medo, claro, mas só de participar, foi uma grande vitória”, relata Rafael.

O tema do concurso em 2025 era ‘Do descarte à transformação: o óleo de cozinha como agente de mudança social, ambiental e econômica’. Defensor dos discursos que precisam ser entendidos por todos, o estudante do 9º ano do Ensino Fundamental apresentou dados gerais, mas também conseguiu simplificar e familiarizar, ao trazer o exemplo do trabalho da mãe que, como confeiteira, utiliza bastante óleo para produzir delícias caseiras e depois armazena o resíduo para fazer a destinação correta.

Orgulho

Rafael cita a mãe Luciane como a grande responsável pelo seu gosto pela leitura e de como ela, até hoje, compra livros para ele. “Leio todo dia, pelo menos 10 páginas.” O jovem também faz questão de falar de outras grandes inspirações: o pai Davi Alexandre Arenhardt, 57 anos, e o irmão Guilherme, 34. “Meu irmão me ensinou que a gente pode sair de uma vida simples para ser bem-sucedido e meu pai me ensinou a ser forte.” Rafael revela que deseja trabalhar na agricultura, seguindo os passos de Davi. “Quando eu tinha 16 anos, meu pai machucou a perna e eu assumi a lida com os animais. Cheguei a duvidar de mim mesmo, mas tenho orgulho de tudo que conquistei.”

Ainda entre as inspirações do jovem, cita o jogador de futebol português, Cristiano Ronaldo. “Ele também é um exemplo de que, com luta e persistência, podemos alcançar as vitórias.”

Professora Júlia Mees (sala de recursos); diretora Rosângela Jung; os alunos Rafael Arenhardt e Victor Coutinho, e a professora de Português Evelaine Barbian, na noite do concurso (Foto: Arquivo pessoal)

Emoção na plateia

Na noite do Oratória nas Escolas, em 24 de junho, um grupo bastante emocionado não segurou as lágrimas durante o discurso de Rafael. Era a família e os professores do jovem. “Para nós, é uma vitória da superação. Porque toda conquista é sempre uma grande conquista”, define a diretora da Escola Frida Reckziegel, Rosângela Jung, que foi professora do Rafael no 5º ano.

A atual professora de Português dele, Evelaine Andreia Barbian foi quem o ajudou na formulação do discurso e nos ensaios. “Focamos nas informações que ele tinha, para que fosse ele mesmo, com esse poder na fala. E falou do que jeito que é e isso mostra que, quando se tem um talento e esse talento é trabalhado, pode se desenvolver e ir além. Ele enfrentou medos e receios e estou muito orgulhosa”, destaca Evalaine.

Outro destaque na oratória

Além de Rafael Arenhardt, que ficou em 6º lugar no Ensino Fundamental do Oratório nas Escolas, outro estudante da Escola Frida, de Vila Palanque, se destacou no concurso. Victor Matheus Coutinho, 15 anos, ficou em terceiro lugar entre os alunos de Ensino Médio. Victor está na 1ª série do Médio e mora em Linha Herval.