Nas últimas duas semanas, estudantes da Educação de Jovens e Adultos (EJA) da Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Dois Irmãos realizaram uma série de atividades sobre a Páscoa. Entre elas, estiveram a produção de relatos sobre memórias de Páscoa, cujos textos serão reunidos em uma publicação e doados ao Museu de Venâncio Aires. O trabalho envolveu as turmas de alfabetização I e II e do projeto EJA Intensivo, que reúnem em torno de 40 estudantes.
No dia 23 de março, os alunos realizaram uma roda de conversa, na qual compartilharam lembranças de infância relacionadas à data. “Foi um momento de muitas risadas e muitos relatos. No centro da mesa, colocamos símbolos que remetiam à Páscoa do tempo de criança: o ovo de açúcar, as casquinhas, o coelho, as pegadas do coelhinho, as pescarias, o raminho bento em dia de temporal que ajudava a afastar as tempestades, as bolachas pintadas, a colheita da macela no sereno da Sexta-feira Santa. Lembranças que emocionaram todos”, comenta a professora Maria Cristina Dornelles.
Além dela, as professoras Silvania Inês de Carvalho e Cleusa Diana Müller Jahn coordenaram as atividades, que também contaram com orientações de estagiários de Nutrição sobre alimentação saudável na Páscoa. Na terça-feira, 4, foi realizada oficina de artesanato para decoração de vidros e de casquinhas de ovos.
Memórias da Semana Santa
Texto da aluna Josiele Brole, estudante da EJA da Escola Dois Irmãos.
“Lembro-me como se fosse hoje da Semana Santa na casa do meu pai. Os preparativos para a Páscoa se iniciavam no início do mês de fevereiro, quando meu pai e meus irmãos serravam lenha pro fogão, pois, durante a quaresma, acreditava-se que quem pegasse o machado ou qualquer objeto cortante ou perfurante via o ‘capiroto’.
Durante 40 dias, o único talher permitido era colher. O pão era quebrado em pedaços, não era permitido escutar rádio, cantar, assoviar, correr, pular, sorrir e nem sair à noite. O período de quaresma era de reflexão sobre nossos atos e muita oração.
Alguns dias antes da Sexta-feira Santa, meu pai ia à cidade fazer as compras de Páscoa e pelo caminho observava os pés de macela, que já estavam quase prontas para a colheita. Na Sexta-feira Santa bem cedinho, ele seguia para sua colheita, acreditava que o chá não podia pegar um raio de sol sequer, pois senão deixava de ser bento.
No sábado acordávamos cedinho, era dia das minhas irmãs prepararem os doces de Páscoa. Meu pai e meus irmãos cortavam lenha pro churrasco no dia seguinte. Ansiedade a mil, pois, no dia seguinte, éramos liberados do ‘castigo’, como eu costumava reclamar. No domingo, era dia de alegria pra mim, pois a carne e as brincadeiras eram liberadas, os parentes vinham passar o dia conosco, tinha doce, alegria e comilança à vontade.
Meu pai nunca teve o hábito de dar ovos de Páscoa, não acreditava no Coelhinho, e isso foi passado pra nós, mas nunca nos faltou na Páscoa um chocolate, um doce, uma festança.
Hoje, após construir minha família e ter minhas filhas, tento manter algumas crenças do meu pai, respeitamos muito a quaresma, tiramos também esse período pra reflexão sobre nossos atos. Evitamos, nesses dias, beber bebida alcoólica, dançar, gritar, assoviar e discussões em geral, não vamos a festa, aniversário, velório e enterro. Tiramos esse período para nós.
Na Sexta-feira Santa, não colhemos a macela. Esse hábito por nós foi perdido. Nos sábados de Aleluia continuamos acordando cedo, preparamos os doces para o domingo de Páscoa, enfeitamos a casa e preparamos o cri-cri pro coelho, os ovos de Páscoa são escondidos e, apesar de na minha infância não acreditar no Coelho, por conta de meu pai, na construção de minha família foi quebrada essa crença limitante.”