Quando a vontade de estudar supera o preconceito

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Por acreditar em si mesma e não deixar com que os olhares negativos a fizessem desistir, Patrícia Diennifer Lisbôa Hermes, 22 anos, está prestes a concluir o Ensino Superior. Ela teve icterícia (amarelão) quando era bebê e precisou fazer uma transfusão de sangue, procedimento em que a deixou com sequelas.

Patrícia tem dificuldades na fala e no movimento e, por conta disso, afirma que o maior desafio é lidar com o preconceito.

Ela cursa Administração na Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), no campus de Venâncio Aires, onde começou trabalhando como jovem aprendiz e ficou um período também como funcionária efetiva. “Lidei com o preconceito a minha vida toda. Mas hoje eu penso que assim como tem gente que me ignora, tem quem me admira”.

A estudante morava com a família em Linha Herval. Com nove meses, começou a frequentar a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae). “Meu pai me levava na garupa da bicicleta até o ônibus e minha mãe ia comigo até a cidade”, afirma. Ela conta que ficou na Apae até os 7 anos e foi cursar a 1ª série na Escola Miguel Macedo de Campos, em Vila Palanque, que era a mais próxima de onde morava. “Foi muito complicado, tive muitas dificuldades no início por ser uma escola maior”, recorda.

O Ensino Médio cursou na Escola Estadual Frida Reckziegel, onde concluiu os estudos com vontade de continuar. “Eu tive muita dificuldade, mas nunca rodei. Quando chegou a hora de ir para a faculdade vi ainda mais empecilhos, mas minha mãe disse: ‘Vai em frente, continua’”, lembra.

Patrícia diz que deve à família tudo que conquistou. Foi graças ao apoio e incentivo do pai, da mãe e das irmãs que conseguiu muitas coisas. “Eu acredito que família é a nossa base, é tudo”.

MUDANÇA
Quando concluiu o ensino médio, Patrícia fez a prova para tentar vaga na universidade por meio do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Porém, não conseguiu entregar a prova a tempo e foi desclassificada. “Eu não marquei a opção para alguém me acompanhar na prova e não consegui marcar tudo no gabarito a tempo”.

Com isso, mais uma vez o desespero por não poder estudar fez Patrícia chorar. Ela diz que os pais trabalhavam como agricultores, mas não tinham condições de pagar todas as despesas. Além disso, o deslocamento do interior até a universidade, diariamente, seria exaustivo.

Foi então que a irmã mais velha disse para Patrícia que ela poderia morar com ela e o marido na cidade. Ela fez o vestibular da Unisc Venâncio em 2015 e seu nome estava no listão já na primeira chamada.

Quando chegou à universidade, foi se informar sobre possibilidades de trabalho na instituição para poder ajudar no pagamento das mensalidades. “Fiz entrevista e me chamaram para trabalhar como jovem aprendiz, e fiquei por 17 meses”, conta. Depois disso, a estudante foi contratada como funcionária da instituição, onde atuou na área do gerenciamento de documentos.

A coordenadora da Unisc Venâncio, Andréia Haas, relata que Patrícia tem uma linda história de superação, pois entendia que não poderia fazer todas as disciplinas propostas pela grade curricular, mas com o apoio institucional do Núcleo de Apoio Acadêmico, dos professores e técnicos da Unisc. “Acima de tudo, pela sua força de vontade e dedicação, foi percebendo que não havia limitações físicas que pudessem interromper seu desejo de concluir o curso de graduação”.

Andréia destaca que Patrícia sempre teve muito presente o estímulo e amor dos pais e das irmãs, por quem sempre foi encorajada a estudar e buscar seus sonhos.

Perda da mãe a fez pensar em desistir

Durante toda a trajetória de Patrícia, ela diz que contou com o apoio fundamental da família. A mãe, Eva, era a mais entusiasta da filha para que não desistisse diante dos desafios diários.

Em março de 2018, Patrícia perdeu a mãe vítima de um atropelamento, quando tinha 48 anos. Foi quando a jovem pensou em desistir de tudo. “A mãe queria muito que eu estudasse e meu pai e minhas irmãs me incentivaram a continuar”, relata.
Ela diz que a perda só a fez ter ainda mais certeza que não podemos deixar de falar o quanto gostamos de alguém, reconhecer os erros e valorizar ainda em vida. “Depois que a pessoa se vai não tem mais o que dizer”.

A perda da mãe gerou mais um desafio: conviver sem o porto seguro, o apoio incondicional materno. No ano passado, uma prima falou sobre uma vaga para trabalhar no Sicoob e Patrícia reuniu forças para se candidatar a um novo desafio. “Eu fiz uma prova, fui selecionada e estou muito feliz pela minha escolha”, afirma.

Agora, está nos planos da formanda cursar uma pós-graduação em Cooperativismo. “Aprendi que a gente tem que valorizar o que a gente é. Eu sou o que sou hoje pelas minhas escolhas.”



Cassiane Rodrigues

Cassiane Rodrigues

Jornalista formada pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), atua com foco nas editorias de geral, conteúdos publicitários e cadernos especiais. Locutora da Rádio Terra FM, tem participação nos programas Terra Bom Dia, Folha 105 1° edição e Terra em Uma Hora.

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