Foi um choque. Ninguém se prepara para isso.” A afirmação de Jéssica Ackele, 38 anos, remete ao ano de 2018, quando ela e o marido, Igor Hendges, 37, receberam a informação que mudou completamente a rotina da família desde então: o filho Otávio, na época com 3 anos, foi diagnosticado com transtorno do espectro autista (TEA).
A constatação veio depois que o menino começou a frequentar uma Escola Municipal de Educação Infantil (Emei). Com poucos dias de aula, Jéssica foi chamada para uma conversa. “Já havia uma desconfiança por algumas características dele, mas quando a escola chamou, apontando algumas questões, fomos logo consultar com um neurologista”, conta.
Otávio também passou pelo acompanhamento multiprofissional do Centro Integrado de Educação e Saúde de Venâncio Aires (Cies) e, em 2021, já matriculado na Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Benno Breunig, o menino passou a contar com mais um reforço importante: um profissional de apoio em sala de aula.
Frequentando o 2º ano da manhã na Benno, Otávio tem esse acompanhamento individual diariamente. Por uma questão de carga horária, são duas professoras que ficam com o aluno (cada uma durante um período). Nas primeiras horas, ele fica com Ivana Fischer e, depois do intervalo, com Alexandra Grasiela Algayer. Durante 19 anos, Alexandra foi monitora em Emei, onde também trabalhou com crianças autistas e, em 2022, se tornou profissional de apoio de Otávio. “Há 20 anos não se tinha esse olhar para as dificuldades de alguns alunos. Mas com o diagnóstico cada vez mais precoce e com o Município se preocupando em oferecer um atendimento integrado, muito se evoluiu”, avalia a pedagoga.
Todas as manhãs, ela fica sentada ao lado de Otávio numa turma que tem outros 14 alunos. “A criança enxerga nessa monitoria um suporte, uma segurança. E estamos ali para dar isso e dar o estímulo para que consiga ser cada vez mais independente.”
Simone Caroline Moraes, que é a professora da turma de Otávio, destaca o envolvimento do grupo. “Trabalhamos isso no 1º ano. Todos sabem que ele tem autismo, mas não usamos a palavra ‘diferente’, porque todos temos nossas características, nosso tempo. O Otávio foi acolhido, acolheu os colegas e tem se esforçado muito para fazer o que os demais fazem. Se eu estivesse sozinha, seria mais difícil, então esse apoio profissional é fundamental.”
Família
Embora o acompanhamento individual de multiprofissionais ou mesmo no contraturno escolar sejam importantes, há outra parte fundamental nesse caminho de inclusão: a família. “Felizmente, a grande maioria dos pais adere e muitos atendimentos já são agendados com horários alternativos, para facilitar a organização da família. Ela precisa ‘pegar junto’, porque em casa deve ter uma continuidade”, destaca a coordenadora pedagógica de Ensino Fundamental da Secretaria de Educação, Juliane Weiss Niedermayer.
o caso da família de Otávio, a condição do menino fez a mãe ir além. Jéssica trabalhava no setor industrial há mais de 10 anos, mas decidiu se tornar pedagoga. “Eu queria aprender e ter condições de ajudar dentro de casa. Hoje meu filho está alfabetizado, aprendeu a brincar e a socializar. Mudou da água para o vinho e o laudo não excluiu ele de nada. Pelo contrário, deu direitos para ser incluído, mas é um processo que precisa que todas as partes se envolvam: a terapia, a escola e a família, sem falar no esforço do próprio Otávio”, destaca a mãe.
“As diferenças entre as pessoas existem e, para um convívio social saudável, precisa prevalecer o respeito. Direitos e deveres todos temos e, independente das limitações ou habilidades, todos temos muito o que aprender.”
JÉSSICA ACKELE – Pedagoga e mãe do Otávio
Centro Integrado de Educação e Saúde: a importância para desenvolvimento futuro
Em meio a esse trabalho de apoio a crianças e adolescentes que requerem um atendimento complementar, o Centro Integrado de Educação e Saúde (Cies) ainda é um serviço recente como política-pública, mas que já fez uma grande diferença desde a implementação em Venâncio Aires, há 13 anos.
Criado em maio de 2009, já foram cerca de 57 mil atendimentos. Desse número, há alunos que começam e terminam o tratamento, sem necessidade de volta. O período é conforme cada caso. Também há aqueles que ficam um tempo sem serem atendidos e depois as escolas requisitam o retorno ao centro – casos de jovens atendidos desde a implementação do Cies.
Os atendimentos são considerados fundamentais, como foi por mais de um ano para o Otávio, e ainda o é para 1,5 mil crianças e jovens em processo de avaliação ou intervenção. Nele, é oferecido atendimento multiprofissional que inclui neurologista, neuropediatra, psicólogo, fonoaudióloga, psicopedagoga, fisioterapeuta, estimuladora precoce, orientadora educacional, educadora especial e, neste ano, o reforço de uma terapeuta ocupacional, cuja parceria é por atendimento realizado.
Para a coordenadora do Cies, Viviane de Oliveira, muito do sucesso do trabalho está relacionado à parceria com as escolas. “A demanda vem de todas as redes e cada vez mais as escolas estão mais qualificadas para ter esse olhar, de observar com atenção. Se não tivesse o serviço, aí sim saberíamos qual o impacto. Então não tem como mensurar a importância desse trabalho integrado entre Cies, escolas e família para o desenvolvimento futuro das crianças.”
Atendimentos específicos
Os atendimentos como de Otávio ou que precisam de outro tipo de acompanhamento são encaminhados através do Cies. Segundo a coordenadora pedagógica da Secretaria de Educação, Juliane Niedermayer, é no local que se faz o estudo que caso, onde diferentes profissionais avaliam a criança.
“A partir do estudo de caso, poderá ter um laudo indicando a existência ou não de uma dificuldade de aprendizagem, ou uma deficiência. Também neste estudo de caso que os profissionais fazem a indicação terapêutica, que consiste, entre outros, no atendimento ou não na sala de recursos.”
Juliane explica que muitos estudantes já têm acompanhamento do Atendimento Educacional Especializado (AEE), nas chamadas salas de recursos, sempre no contraturno. Esses espaços são disponibilizados nas maiores Emefs: Alfredo Scherer, Benno Breunig, Cidade Nova, Coronel Thomaz Pereira, Dois Irmãos, Dom Pedro II, José Duarte Macedo, Narciso Mariante de Campos, Otto Gustavo Daniel Brands e Odila Rosa Scherer.
Quanto ao profissional de apoio, são para situações específicas, amparadas pelas leis referentes à inclusão e ao autismo, e que preveem esse acompanhamento individual em casos de necessidade comprovada. “Cada caso é um caso, e são consideradas questões específicas como ajuda para higiene, locomoção, alimentação e o autismo, que é muito amplo.”
Ainda conforme Juliane Niedermayer, o acompanhamento clínico, com multiprofissionais, ocorre no Cies ou na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae). Só nesta, são atuais 167 crianças ou jovens com laudo. “Essa parceria com a Apae também é muito importante”, destacou a coordenadora pedagógica.
“A investigação para identificar dificuldades ou deficiências é justamente para eliminar essas barreiras e garantir a inclusão. É um trabalho diferente e adaptado, para que todos possam se sentir pertencentes.”
JULIANE NIEDERMAYER – Coordenadora do Ensino Fundamental na Secretaria Municipal de Educação
Município analisa a criação de cargo
• Nas escolas municipais de Venâncio, são 252 alunos de Emefs e 52 de Emeis com diagnóstico clínico, o chamado laudo, para alguma dificuldade ou deficiência. Essas 304 crianças e adolescentes representam 6% do total de matriculados (4.893 conforme dados de abril) na rede municipal, mas proporcionalmente o número é considerado alto.
• “Impacta no sistema educacional, por isso já está em análise a criação do cargo de profissional de apoio. Hoje, são professores ou monitores que têm carga horária disponível remanejados para as vagas”, explica Juliane Niedermayer. Embora sejam 304 alunos, como os casos e as necessidades variam, nem todos precisam de acompanhamento individual. Por isso, são atuais 86 profissionais de apoio.