EJA: a transformação de vidas a partir da educação

-

“É uma realização, pois estes alunos estão querendo resgatar algo que perderam no tempo: a educação.” As palavras da professora de Matemática e Ciências, Cleusa Diana Müller Jahn, resumem a motivação e empolgação para trabalhar com os alunos na Educação de Jovens e Adultos (EJA), na Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Dois Irmãos. A modalidade está completando 20 anos na escola e, no período, foi responsável por ajudar inúmeras pessoas na realização de um sonho: voltar a estudar.

Cleusa é uma das peças centrais da EJA na Dois Irmãos, lecionando desde as primeiras turmas. Como professora de Matemática, ela pontua que a ideia é trabalhar situações do cotidiano, como os juros de parcelas, o cálculo das contas de água, luz e do mercado e, até os perigosos golpes financeiros. “Me sinto feliz ao ver os olhos brilhando quando entendem algo que sempre acharam impossível”, detalha.

Cleusa e Aline estão à frente da EJA da escola nos últimos anos. (Foto: Leonardo Pereira)

Já a supervisora Aline Zeneida da Silva destaca que é preciso compreender a ‘bagagem’ que os alunos de EJA trazem para a sala de aula. Segundo ela, todos têm histórias complicados, algumas envolvendo perdas e, normalmente, a paralisação dos estudos decorreu por algum fator externo. “Mapeamos o aluno desde a entrevista, buscamos entender a história dele, sabendo que é necessário lidar com empatia com questões de relacionamento, religiosas”, comenta.

A vice-diretoria, Maria Cristina Dornelles de Ávila, relembra que, quando a EJA surgiu, o público era bem diferente, composto basicamente por adultos que buscavam a alfabetização e se reinserir na escola. “Chegamos a ter turmas de 60 alunos. E não trocamos EJA por nada, é um mundo totalmente diferente”, cita.

Esse ponto também é trazido por Aline, que explica que, atualmente, os estudantes não buscam apenas a alfabetização e sim interpretar ou entender alguns assuntos, dos quais não têm conhecimento. “Temos alunos que vêm para tirar dúvidas, do dia a dia, a escola se torna um ponto de referência, de segurança. Como se cadastrar para receber o auxílio, quem pode receber, o que é o Pix, como funciona o sistema bancário, são alguns exemplos.”

Vice-diretora, Maria Cristina, destaca a importância da modalidade para jovens e adultos. (Foto: Leonardo Pereira)

De aluna a professora

Formada na EJA em 2004, a professora das turmas de terceiro, quarto e quinto anos na Escola Estadual de Ensino Médio (EEEM) Crescer, Cristine da Silveira, 45 anos, relata que, por conta da família humilde, precisou parar de estudar na quinta série. Após anos sem ter a vontade ou a possibilidade de retornar aos estudos, sentiu esse ‘estalo’ de necessidade quando a filha pediu ajuda para um trabalho escolar e ela não pôde auxiliar.

Antes de retomar os estudos, Cristine trabalhava ‘no que podia’, sendo que chegou a ser empregada em casas de família, empresas de calçados e fumageiras. Porém, aos 28 anos, surgiu a oportunidade de reiniciar os estudos na Emef Dois Irmãos. “Acordava às 4h, pegava o ônibus para trabalhar às 4h30min, voltava para casa, fazia o que era possível e saía para a escola”, lembra ela, que cursou a EJA do 5º ano até o Ensino Médio – este na Escola Monte das Tabocas -, além de realizar as provas do Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja).

Após o encerramento, Cristine pensou que seu período em sala de aula estava encerrado. Mal sabia ela que, no futuro, essa rotina se tornaria ainda mais frequente. Quando os filhos Thamires e Thales começaram a faculdade, eles a incentivaram a iniciar também. “Fiz Pedagogia na Uninter, em modalidade de Educação a Distância (EAD). Me formaria em abril e minha filha em janeiro de 2016, quase juntas. Porém, meu marido, Peterson André da Rosa, teve câncer e adiei a formatura em um ano”, relata.

A formatura veio e, atualmente, Cristine e sua filha dão aulas na mesma escola. “Ela até me ajudou no Trabalho de Conclusão de Curso (TCC)”, brinca.

“Se não fosse a EJA, não teria terminado meus estudos. O estudo abre portas e o conhecimento nunca pode lhe ser tirado. Tenho uma vida antes e depois da EJA. Hoje, faço o que gosto, antes fazia o que era possível.”

CRISTINE DA SILVEIRA

Professora e ex-aluna do EJA

A sala de aula como fator fundamental para a superação

Assim como na vida de Cristine, a EJA foi fundamental, neste momento, quem escreve seu roteiro é Cristina Beatriz Baumgarten, 44 anos, estudante da turma da Totalidade 2 da Educação de Jovens e Adultos na Dois Irmãos – referente ao sexto ano do Ensino Fundamental.

Em 2017, sofreu um acidente de trânsito voltando do trabalho e acabou perdendo o pé, quebrando a perna e o braço e, principalmente, perdendo a fala por conta de trauma na cabeça. “Passei 10 dias no hospital. Tive que reaprender a falar, desde o começo, também a andar. Foi um processo bem longo”, relembra.

Anos depois, em 2019, ela foi ‘obrigada’ pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), a recuperar os estudos para seguir com o benefício e ser realocada no mercado de trabalho. “Contudo, no meu antigo trabalho não consigo mais, pois perdi a força na mão ou precisaria de equipamentos adaptados por conta do meu pé. Sendo assim, precisaria da escolaridade”, relata.

Este ano, ela iniciou na EJA e sentiu dificuldades ao princípio. “Principalmente no verão, pois machuca a perna por conta da prótese. Fiquei apavorada quando vi que tinha escada para entrar, no início tive que faltar a inúmeras aulas por conta da dor.”

Com o alívio nas dores, veio o gosto pelo caderno e lápis. Segundo ela, todos os colegas se ajudam e, junto com as professoras, tornam-se uma família. O apoio, além do ambiente escolar, vem da família e amigos. “Meu marido Daniel sempre quis que eu voltasse a estudar, mas sempre encontrava um motivo para não voltar. Agora, essa ‘obrigação’ foi o destino colocando no meu caminho”, destaca.

Cristina está estudando e pretende retornar ao mercado de trabalho. (Foto: Leonardo Pereira)

Seu filho mais novo, Bruno, está no mesmo ano que Cristina, na sétima série. “Brinco com ele ‘estamos na mesma série’, você precisa me ajudar”, frisa. Vinício, o filho mais velho, também é um grande apoiador.

Além da escola, a exercício físico se tornou parte da rotina de Cristina. “Me ‘descobri’ no exercício físico e, principalmente, o andar de bicicleta. Chego a fazer 37 quilômetros de bicicleta e resolveu meus problemas com a dor”, comemora.

“Depois de terminar a EJA quero voltar a trabalhar. Sinto muita falta, comecei a trabalhar com 14 anos, para sair de casa, conversar com as pessoas, porque faz muita falta.”

CRISTINA BEATRIZ BAUMGARTEN

Estudante

Modalidade EJA em Venâncio Aires:

  • Emef Macedo (tarde) – totalidade 6º a 9° ano
  • Emef Dois Irmãos (noite para maiores de 18 anos) – totalidades 1 e 2 – equivalentes à alfabetização/anos iniciais; e totalidades 3 a 6 – referentes aos demais anos do Ensino Fundamental/anos finais
  • Serviço Social do Comércio (Sesc) – EJA EAD Ensino Médio
  • EEEM Monte das Tabocas (noturno) – Ensino Médio


Leonardo Pereira

Leonardo Pereira

Natural de Vila Mariante, no interior de Venâncio Aires, jornalista formado na Universidade de Santa Cruz do Sul e repórter do jornal Folha do Mate desde 2022.

Clique Aqui para ver o autor

    

Destaques

Últimas

Exclusivo Assinantes

Template being used: /var/www/html/wp-content/plugins/td-cloud-library/wp_templates/tdb_view_single.php
error: Conteúdo protegido