Com o objetivo de prevenir e combater a prática da intimidação sistemática em toda a sociedade, entrou em vigor em fevereiro lei que institui o programa de combate ao bullying. Escolas, clubes e agremiações recreativas passam a ter que desenvolver medidas de conscientização, prevenção e combate a essa prática, caracterizada por apelidos pejorativos, constrangimento público e ataques físicos. Caso não promovam ações educativas, há a possibilidade de responsabilização por omissão e negligência.
O texto da lei estabelece que os objetivos propostos pelo programa poderão ser usados para fundamentar ações do Ministério da Educação, das secretarias estaduais e municipais de Educação e também de outros órgãos aos quais a matéria diz respeito. Entre as ações previstas está a capacitação de docentes e equipes pedagógicas para a implementação das ações de discussão, prevenção, orientação e solução do problema.
A psicóloga e mestre em promoção da saúde, Joana Puglia, considera a lei um avanço, mas destaca que a efetividade das ações preventivas vai depender desse nível de preparação dos profissionais de educação para lidar com o assunto. Ela afirma que o meio acadêmico peca por não dar a devida atenção merecida pela questão do respeito à diversidade. “Desamparados, muitos profissionais acabam enfrentando essa realidade apenas com base nos seus princípios morais e religiosos e não com base no conhecimento do meio acadêmico. Cada uma age e reage de acordo com aquilo que acredita”, lamenta.
Ela defende que o conhecimento é a melhor ferramenta de combate a esse tipo de intimidação, mas segundo a psicóloga, muitos profissionais ainda não tem sequer uma visão clara do que é bullying e das suas implicações no desenvolvimento de um ser humano e, por isso, acabam por relevar ou até mesmo naturalizar esse tipo de comportamento.
NãO é BRINCADEIRA
“O bullying é um comportamento bem distinto de uma brincadeira. Para começar, em uma brincadeira todos estão rindo. Já no bullying, enquanto uns estão rindo, há alguém sofrendo, chorando”. Como características desse tipo de comportamento, Joana cita a intencionalidade, a repetição e a relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas, através da qual o agressor faz uso de sua suposta superioridade para diminuir a vítima.
Com experiência na área de saúde do estudante, a profissional diz que pesquisas realizadas com estudantes do ensino médio dos Estados Unidos mostram que a maioria dos casos estão relacionados a questões de identidade de gênero ou orientação sexual e que a intimidação sistemática ocorre, muitas vezes, diante dos profissionais de educação e os mesmos não fazem nada diante da situação. “Quando um educador age dessa forma, relevando o ato de intimidação, ele valida esse tipo de atitude e encoraja o agressor a continuar agindo assim”, atenta.
Além de sofrimento, Joana cita que o bullying gera a diminuição do rendimento escolar e pode resultar até na evasão do aluno. Também está associado a casos de depressão e inclusive suicídio.
Para combatê-lo, a psicóloga menciona que é preciso educar as crianças para se colocarem no lugar do outro. “é preciso ensinar a criança a enxergar as pessoas como elas são, pois as pessoas são diferentes e têm o direito de ser assim.”
Aos que sofrem o bullying, orienta: “Quem é vítima de bullying deve denunciar, o que deve começar por contar para os pais. E o meu conselho aos pais é que ouçam os seus filhos, o que também vale para os profissionais da educação.”
Como as instituições de ensino lidam com o tema
Apesar de agora estar previsto em lei, as discussões sobre a temática do bullying não são novidade nas escolas, pelo menos é o que afirmam os profissionais de educação consultados para esta reportagem.
Segundo a assessora Andreia Cassuli e a responsável pela Educação Especial junto à Secretaria Municipal de Educação, Juliane Niedermayer, desde antes da vigência da lei, as escolas da rede mantêm ações que visam estabelecer práticas de conduta e orientação aos alunos, pais, familiares e responsáveis diante da identificação de vítimas e agressores, de acordo com o que prevê a lei em seu artigo 4º: “evitar, tanto quanto possível, a punição dos agressores, privilegiando mecanismos e instrumentos alternativos que promovam a efetiva responsabilização e a mudança de comportamento hostil”.
Elas destacam que os professores realizam as intervenções necessárias, mas normalmente são os orientadores educacionais que auxiliam de maneira mais direta nos casos. “Mas isso não quer dizer que os demais professores não participem, bem como funcionários da escola como um todo. Tornar a Escola um espaço de apoio e principalmente discutir o problema é a ferramenta mais eficaz. As crianças precisam de adultos que identifiquem o bullying rapidamente e intervenham de forma confiante e consistente, elas precisam de orientações práticas para que assim sintam o apoio do adulto. Essas ações também devem fazer parte do cotidiano, não se caracterizando por momentos isolados.”
A opinião de que o combate ao bullying deve ser rotina nas instituições de ensino também é compartilhada pela diretora da Escola Estadual de Ensino Fundamental Zilda de Brito Pereira, Patrícia Schwingel. Ela entende que a nova lei vem para reforçar o combate à prática da intimidação sistemática, uma vez que a instituição de ensino já trabalha a questão junto aos seus cerca de 300 alunos.
Nos últimos anos, ela comenta que tem notado que os estudantes estão aprendendo a lidar melhor com as diferenças e acrescenta que a escola tem buscado dar a sua contribuição por meio da aposta no diálogo, realização de palestras e disponibilização de literatura sobre o tema. “Nós não deixamos que o problema cresça ao ponto de se tornar algo mais grave.
Também ressalta a importância dos alunos confiarem nos profissionais de educação para que não sofram calados. “Os alunos precisam ter a certeza de que o professor vai ficar do lado deles”, frisa.