Por Alvaro Pegoraro e Ismael Stürmer
Um dos alvos da Operação Enxuta, Sílvia Aparecida da Silva de Mello, de 42 anos, decidiu falar. Na tarde desta sexta-feira, 22, a ex-mulher de Dieke Andrigo de Mello, de 39 anos, esteve no complexo da Folha do Mate e Terra FM e concedeu uma entrevista exclusiva. Acompanhada pela filha, de 18 anos, falou por quase um hora sobre sua atual realidade, os problemas financeiros e sua mágoa por ser taxada de bandida. “Eu não sou culpada. Eu não fiz nada, mas me transformaram num monstro nessa cidade”.
Sílvia é natural de Gramado Xavier e veio para Venâncio Aires com 6 anos de idade. Morou com os pais em localidades do interior, onde sempre plantou fumo à meia, com os proprietários das terras. Até depois de casar com Dieike, disse que, por algum tempo, ainda plantou fumo, em terras arrendadas.
Com o passar dos anos, eles decidiram comprar terrenos, construir casas e conjugados e vender. Com o dinheiro, compraram novas áreas, construíram outras casas e, assim, foram aumentando o patrimônio e conseguiram construir o posto de combustíveis no bairro Coronel Brito. A última obra – que estava em andamento no dia em que ela e Dieike foram presos -, é o prédio onde está instalada a Defensoria Pública.
O imóvel, que foi construído justamente para ser alugado para o órgão, hoje é a sede da Defensoria. “Mas eles não estão pagando aluguel”, disse. Outra mágoa de Sílvia é com os julgamentos das pessoas, que se baseiam no que foi dito durante as investigações, de que eles possuíam 101 imóveis. “Não sei se foi engano ou é perseguição mesmo, pois há muitos erros, terrenos e casas que foram citados mais de uma vez. Por isso, chegaram a estes números”, diz.
Ela fala que as pessoas dizem que tudo o que é novo na cidade pertence a eles. “Até a igreja que eu frequento dizem que é nossa”, exemplifica. Sobre o envolvimento de Dieike com o tráfico de drogas, garante que seu ex-marido, que chegou a ser condenado, nunca teve envolvimento com este tipo de crime. “Ele levou a fama do pai dele, o Osni. Se realmente fosse esse traficante tão grande, por que nunca pegaram drogas com ele?”, questiona.
Dificuldades
Sílvia e os outros investigados tiveram as contas bancárias bloqueadas. Ela revela que está com dívidas, pois durante os quase três meses em que ficou recolhida no Presídio Estadual de Lajeado, não houve receita. “Eu e meus dois filhos sobrevivemos dos seis aluguéis que me restaram. São três apartamentos e três casas pequenas. Não dá muita coisa”, afirma. Do relacionamento com Dieike, que disse ter se encerrado dias antes de ser presa, nasceu um casal de filhos. A moça tem 18 e, o guri, 10 anos.
“Foi horrível o dia que invadiram a minha casa. Quebraram tudo e queriam droga, dinheiro, armas e ouro. Não acharam nada disso, daí levaram o meu carro. Mesmo inocente, fui levada para o presídio e separada dos meus filhos. Foi muito difícil ficar sem eles, mas depois a minha filha completou 18 anos e ia me visitar duas vezes por semana. Agora, o pior já passou, e só quero voltar a trabalhar e penso em estudar. Vou fazer Biomedicina e a minha filha, que na semana passada se formou no Ensino Médio, cursará Odontologia. Quem sabe, no futuro, abrimos uma clínica juntas.”
SÍLVIA APARECIDA DA SILVA MELLO
Investigada na Operação Enxuta
À exceção de Dedê, outros investigados estão em liberdade
Além de Deivid Andriel de Mello, o Dedê, que cumpre pena na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc) por homicídio e lesões corporais, os outros oito investigados na Operação Enxuta estão em liberdade. Isso porque a defesa apresentou recurso alegando incompetência da Justiça Estadual para julgar o caso, visto que um dos crimes anteriores à suposta lavagem de dinheiro foi julgado na Justiça Federal. A tese defensiva foi acolhida pela juíza Cristina Margarete Junqueira, titular da 2ª Vara da Comarca de Venâncio, e também pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
A defesa se referiu à apreensão feita em 2012, no interior de Candelária, que rendeu a Sapinho uma condenação por tráfico internacional de drogas. Por isso, foi concedido habeas corpus para quem ainda seguia recolhido e, agora, o processo será encaminhado à Justiça Federal. Se o entendimento for de que os valores arrecadados pela família de Sapinho vieram de forma lícita, todos os bens e valores apreendidos serão devolvidos.
“Meu sonho é reabrir o posto, pagar os funcionários e manter meus filhos”
Sílvia guarda mágoas sobre o desenrolar da Operação Enxuta e a maneira como foi tratada no dia da sua prisão e depois, quando estava reclusa no Presídio Feminino de Lajeado. Não ver os filhos certamente foi sua maior dor. Logo em seguida vem o fechamento do posto de combustíveis que funcionava no coração do bairro Coronel Brito. Ele foi lacrado dois meses depois dela ser presa e até hoje segue fechado. “Por que outras pessoas que foram investigadas por lavagem de dinheiro não tiveram seus negócios fechados e continuam trabalhando? Por que conosco é diferente?”, questiona.
Na verdade, segue, “o que eu queria é poder voltar a trabalhar. Reabrir o posto de combustíveis, pagar meus funcionários e usar parte do dinheiro para manter os meus filhos”.
Sílvia referiu que o posto de combustíveis foi construído com muito esforço, com dinheiro oriundo de muito trabalho e de parte de uma herança da família do ex-marido. “Todo mundo diz que o dinheiro veio do tráfico, o que não é verdade. Quando eu morava no interior com os meus pais e plantava fumo a meia ninguém falava nada. Agora tenho uma fama que não é minha”. Abaixo, trechos da entrevista concedida por ela.
Quanto tempo você ficou presa?
Quase três meses, faltou cinco dias para três meses. Saí no dia 20 de julho…Disseram que é tráfico, que é dinheiro do tráfico. Tá, vocês estavam falando que a gente lavou o dinheiro do Osni (Valdemir de Mello, o Sapinho), né? Quando prenderam a droga dele, que lucro ele teve se prenderam toda a droga dele, se eles falam que o Dieike traficou a vida inteira, como é que nunca pegaram nada? Daí quando foram lá, sabe o que é que eles foram fazer? Foram me ameaçar no presídio, de tirar meu filho para eu dizer onde estava a droga, o dinheiro e as armas do Dieike.
Você está procurando emprego?
Sim. Hoje eu larguei currículos em vários lugares, mas as pessoas não me pegam. Hoje eu entendo quando as pessoas falam que muitas pessoas voltam ao crime…porque não têm chance, entendeu? Algumas pessoas não acreditam que eu não tenho dinheiro. Me sinto como uma bandida que tivesse matado alguém, cometido o pior crime, entendeu? É muita humilhação…pode perguntar, eu nunca maltratei ninguém.
O Sapinho foi condenado por tráfico internacional, o Dedê (Deivid Andriel de Mello) está preso por homicídio e o Dieike foi condenado por tráfico de drogas. Ele não tem mais nenhuma relação com isso?
Ele nunca, na verdade, ele nunca fez isso. Essa condenação dele é por que ele falava com o pai dele. O pai dele estava preso e todo mundo sabe que no presídio tem telefone. O pai ligava pra ele. Falava, perguntava das estufas (que tinha na chácara, em Linha Coronel Brito, onde Sílvia diz que eles plantavam fumo), como é que estava a plantação. E eles falaram que tudo que eles falavam era de droga, entendeu? Foi isso que aconteceu.
Dizem que o Dieike seria o maior traficante aqui de Venâncio. Tu já ouviu isso?
Sim, eles dizem. Igual eu falo, né, uma hora, por mais perfeito que seja o crime, uma hora tem que cair, né? Uma hora tem que acontecer. Por que isso nunca aconteceu? Quantos anos eles falam que ele é o maior traficante? Ele não é! Não é!
A Justiça te impôs alguma restrição?
Tem. Se quiser sair de Venâncio, não pode. A gente não pode ter contato entre os réus. Então eu não posso ter contato, nem se eu tivesse hoje ainda casada. A gente não pode ter contato. Ele (Dieike) tem contato com os filhos dele. Ele fala com os filhos dele.
Relembre
• A denominada ‘Operação Enxuta’, que apurava a lavagem de dinheiro que seria proveniente do tráfico de drogas, praticada por membros da família de Osni Valmedir de Mello, o Sapinho (já falecido), foi desencadeada pela Polícia Civil e o Ministério Público na manhã do dia 25 de abril deste ano, depois de meses de investigações. Com o uso de um helicóptero e diversas viaturas, 60 policiais foram a campo para cumprir seis mandados de prisão e outros 16 de busca e apreensão, em um total de 151 ordens judiciais. Além de Sapinho, foram presos seus filhos Dieike Andrigo de Mello, de 39 anos e Deivid Andriel de Mello, o Dedê, de 32 anos, além das companheiras deles e mais um rapaz, dono de uma revenda de veículos. Segundo a denúncia do MP, outras três pessoas eram rés no processo, mas não precisaram ser presas. As investigações apuraram que o patrimônio do grupo girava em torno dos R$ 50 milhões, dividido entre imóveis e veículos. Até havia um prédio em construção, que seria alugado pela Defensoria Pública e que foi alvo da ação. Ao todo, foram bloqueados 101 imóveis, entre prédios, salas comerciais, um posto de combustíveis, garagens e terrenos, 19 contas bancárias, apreendidos cinco veículos (entre eles um Toyota Corolla híbrido, avaliado em R$ 190 mil) e 14 veículos com renajud, com restrição de venda. Também foram recolhidos documentos, hd de computadores, celulares e muitos cheques, que totalizaram quase R$ 700 mil.
• Sapinho, que faleceu no dia 9 de dezembro, em Santa Cruz, depois de anos lutando contra problemas de saúde, se notabilizou na região e chegou a ser chamado de ‘barão da droga’, devido ao seu envolvimento com o tráfico de entorpecentes. Esteve preso e nos últimos anos cumpria prisão domiciliar, em Santa Cruz do Sul, justamente por conta da sua saúde. No dia 6 de junho de 2012, agentes da Polícia Civil de Venâncio e de Santa Cruz fizeram a maior apreensão de cocaína até então feita pela instituição no Rio Grande do Sul, quando encontraram quase 500 quilos da droga e insumos em um sítio, na localidade de Linha Curitiba, no interior de Candelária. Enterrados na propriedade também foram encontrados mais de R$ 100 mil e meio quilo de ouro que havia sido roubado de uma joalheria, em Venâncio. Para a PC, a área pertencia a Sapinho, que fugiu, sendo preso quatro anos depois, em 16 de fevereiro de 2016, em Araranguá (SC).
• Dieike já cumpriu pena por tráfico de drogas, mas estava em liberdade. Ele foi levado à Penitenciária Estadual de Venâncio Aires (Peva), de onde saiu no dia 26 de novembro. Agora, vive na propriedade que antes pertencia ao seu pai, na Linha Coronel Brito.
• Dedê está recolhido na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc), onde cumpre pena de 43 anos por um homicídio cometido dia 27 de março de 2016, em Passo do Sobrado, e ferimentos em outras duas pessoas.