O que torna um presente caro? A marca? O tamanho? A raridade? Ou o significado e o quão emocionante é para quem dá e recebe? Nesse ano complicado, onde a empatia virou uma palavra necessária, a solidariedade também passou por muitos lugares e, lá pelos lados do bairro União, foi vista na garupa de uma bicicleta.
Em outubro passado, foi justamente uma ‘magrela’ a pivô de um momento muito bacana registrado em Venâncio Aires. No primeiro fim de semana daquele mês, a catadora Delci Grünhauser, 60 anos, teve a bicicleta furtada. Para quem a conhece, sabe que há anos circula pela cidade empurrando uma bici. A usa para trabalhar, mas principalmente para se apoiar, já que o corpo curvado sofre devido a um problema sério na coluna, consequência de uma complicação depois do nascimento do filho caçula, há 31 anos.
“Sempre foi meu apoio, porque nunca me adaptei com muletas. Com a bicicleta é bem mais fácil. Infelizmente naquele dia eu esqueci de cadear e me levaram ela”, lembra Delci. Assim que soube do ocorrido, o vizinho, Eduardo Stein, relatou o furto nas redes sociais e lançou um pedido de ajuda: “Peço que se alguém tiver alguma bicicleta que não usa mais, pode ser velhinha, que doe para essa senhora”, escreveu no Facebook. Tão rápido quanto as curtidas e os compartilhamentos, foi a mobilização para se conseguir uma outra ‘magrela’. “Me deparei com aquela postagem e fiquei triste. Mas Deus me colocou ali, naquele exato momento para que eu pudesse ajudar. Não pensei em duas vezes: coloquei meu comentário e logo entrei em contato a Cia das Bicicletas.”
Esse relato é do motorista de caminhão, Eder Renato da Silva, 34 anos. Morador do interior de Mato Leitão, ele rapidamente articulou para que a situação se resolvesse. “Tive alguns amigos que queriam ajudar, mas como acertei tudo, pedi que ajudassem com uma cesta básica ou outra coisa. Na loja, o Sérgio (proprietário) disse que me cobraria apenas a metade da bicicleta e a outra metade a loja ajudaria. Então assim foi acertado.”
Retribuir
Eder da Silva conta que sempre quis ajudar Delci e que a catadora não foi a primeira e nem será a última a receber seu apoio. Essa motivação é porque o motorista também já recebeu muita ajuda. “Espero que Deus continue me abençoando e dando saúde para que eu possa ajudar mais pessoas que precisam. Assim como passamos um ano difícil aqui em casa, sempre recebemos apoio de amigos e familiares. Hoje posso retribuir da minha maneira.”
O apoio a que ele se refere é devido a um problema de saúde que a esposa, Daniela, enfrentou nos últimos anos. “Minha esposa ficou meses internada em Porto Alegre, onde passou por cinco cirurgias e de lá tiramos grandes lições. Eu dizia para ela que sempre tinha alguém passando por algo bem pior. O processo foi longo e dolorido, mas graças a Deus ela está se recuperando bem e logo estará 100% para seguir a vida normalmente.”
“Todos os anos temos obstáculos na vida, sendo alguns fáceis de passar e outros mais difíceis. Mas nunca podemos deixar de agradecer. Temos que lembrar as coisas boas que vivemos durante o ano. Já as coisas difíceis vieram para nos fortalecer e seguir a vida com esperança de dias melhores.”
EDER RENATO DA SILVA – Motorista
O primeiro presente de 2020
“Graças a Deus tenho mais amigos que inimigos. Vou te dizer, se eu entrasse para a política, ganhava como vereadora”, arrisca Delci, falando da popularidade que tem na cidade. Há muitos anos, a catadora ficou conhecida em Venâncio como ‘a tia que arruma guarda-chuva’.
O serviço, hoje ela quase não faz mais, mas foi o começo, ainda criança, para ajudar a sustentar a família. Delci nasceu, cresceu e mora até hoje no mesmo lugar que pertenceu ao avô, Pedro Grünhauser, o que dá nome à rua na parte baixa do bairro União.
Também trabalhou como empregada doméstica e safreira em algumas tabacaleiras. Há cerca de oito anos é catadora, e costumeiramente pode ser vista circulando pelas ruas Tiradentes e Osvaldo Aranha, sempre acompanhada por um parceiro de quatro patas. Atualmente, o fiel escudeiro é Dog, que rapidamente levanta e puxa a frente quando Delci chama: “Vamos trabalhar, Doguinho?”
O material coletado por Delci lhe rende uma boa ajuda nas contas, já que a aposentadoria, segundo ela, está comprometida com empréstimos que fez há alguns anos para pagar o tratamento de um câncer no útero. Por isso, a bicicleta é tão importante na vida da catadora. “Foi o primeiro presente que ganhei nesse ano, um dos poucos na vida. Mas Deus é pai e tem muita gente boa por aí e que está disposta a ajudar quem precisa.”