Daqui a algum tempo, quando a literatura for atualizada, ou toda vez que se buscar informações sobre saúde na internet, o 2020 será lembrado como “ah, sim, o ano do coronavírus.”
Como um rótulo ou um carimbo que não se apagará, o ano que vivemos e, de uma forma ou de outra, chegamos até aqui, está marcado. Um ano que praticamente todos querem que a folha do calendário vire logo, mesmo que isso não deixe os problemas na página anterior. Um ano em que os nervos ficaram à flor da pele, que exigiu paciência, que trouxe mais dúvidas e inverteu as certezas.
Mas o ano que deixou muitas famílias órfãs (só no Brasil já foram mais de 180 mil mortes por Covid), teve um cenário que não foi apenas de tristeza. Também teve cor, alegria, bons exemplos, gratidão e teve vida, como as dos quase 350 mil bebês que nasceram em 2020.
Não se trata de um consolo, mas talvez esses pequenos nos ajudem a tomar fôlego para seguir a caminhada em 2021. E é com a história do nascimento de uma criança, que a Folha do Mate abre a série ‘2020 para sempre’. Porque se há os que querem esquecer o ano que termina daqui uns dias, outros vão lembrá-lo pelo resto da vida.
Um turbilhão de emoções
Micheli Böhm Flores, 33 anos, parou de trabalhar no dia 15 de março, na mesma semana que quase tudo também ‘parou’ por causa do novo coronavírus. No fim da gestação do primeiro filho, a cozinheira foi orientada a ficar em casa, para esperar tranquila pela chegada do Roberto.
“Estava todo mundo falando nisso, mas procurei ficar tranquila e pensar que não aconteceria nada”, lembra. Com o parto marcado para o dia 7 de abril (data ‘pressentida’ pelo pai, Joel), Roberto nasceu naquela manhã, com 3,2 quilos e 49,5 centímetros.
Mas a euforia normal que causa a chegada de um bebê, já foi estancada no Hospital São Sebastião Mártir. Ainda em março, para prevenir casos do novo vírus, a instituição restringiu as visitas e a família e amigos não puderam ver o menino.
A situação não mudou na casa dos Flores, no bairro Santa Tecla. Com a forte campanha do ‘fique em casa’ e a orientação para evitar visitas, o casal e o filho viveram semanas de isolamento. “Nós estávamos superfelizes e ao mesmo tempo lamentando o que estava acontecendo. Minha mãe vinha de máscara, trocava de roupa. Meu pai levou dois meses para conhecer o neto”, relata Micheli, destacando que as lembrancinhas ficaram guardadas, à espera das visitas que, oito meses depois, muitas ainda nem aconteceram.
Tempo
Enquanto o tempo passa, Roberto cresce saudável e se desenvolve rapidamente. Há algum tempo, ‘descobriu’ as pernas e agora não dá sossego aos pais. “Só quer caminhar. Nossa coluna que aguente”, resume, entre risos, o comerciário Joel Flores, 34 anos.
Enquanto a entrevista acontecia, o menino não deixou o pai ‘em paz’ e os dois deram várias voltas pela casa. Roberto só precisa que alguém lhe segure as mãos, para soltar as pernas curtas e praticamente sair correndo, como se tivesse pressa para recuperar um tempo que ainda nem viveu.
Para sempre
As primeiras semanas, quando eram só os três em casa, foram de muito aprendizado para o casal. “Foi o momento que nasceu um pai e uma mãe. Se tenta, se acerta, se erra, se aprende. Um turbilhão de emoções todo dia e será assim para sempre, né?”, projeta Joel.
Para Micheli, é tudo novo todos os dias. “Tem sido maravilhoso para a gente, todos os dias. Ter aqui, nosso maior presente, com certeza o 2020 é o ano mais importante, porque é o ano do nosso Roberto.”
Impressões de repórter
O que a Micheli e o Joel viveram e ainda vivem, também aconteceu na casa desta repórter. Rafael nasceu no início de março, quando ‘estourou’ a pandemia. Foram meses de isolamento, com avós que espiavam o neto pela janela e com os dindos e amigos o vendo crescer pelo WhatsApp.
O mundo virou o quarto azul do Rafa. Meu marido e eu também nascemos como pai e mãe. Erramos, mas aprendemos. Choramos de angústia com as incertezas do futuro, mas sorrimos muito neste que é o ano do coronavírus, mas também o ano do Rafael. E assim é a vida, entre medos e esperanças, como se uma coisa dependesse da outra.
O 2021 vem cheio de expectativa, mas terá lágrimas, terá perdas, em contrapartida de sorrisos e ganhos. Não temos certeza de nada, mas se vale um pedido, que tenhamos saúde. O resto, a gente dá um jeito.