Nesta semana o termômetro chegou perto dos 40ºC em Venâncio Aires. Não é difícil ouvir comentários de que, com os anos, o calor está mais ‘cruel’. De acordo com o biólogo da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Nilmar Azevedo de Melo, essa percepção popular é verídica e as temperaturas devem ser cada ano mais elevadas.
O profissional explica que os termômetros estão registrando temperatura mais altas a cada ano e, conforme a umidade, a sensação térmica fica ainda mais alta. Esse é o caso de Venâncio Aires e municípios da região, que enfrentaram estiagem em 2020 e tendem a passar por mais uma nas próximas semanas. “Sem chuvas em volume, não conseguimos ter um bom índice de umidade e o calor fica mais intenso, gerando uma sensação térmica ainda mais elevada”, observa o biólogo.
Melo observa que a situação está relacionada com o descaso com o meio ambiente e com as queimadas da Amazônia. “Por conta das queimadas, o ciclo de frente fria que deveria descer para o Sul do Brasil se compromete e, quando chega aqui, é fraco, dura pouco, causa menos chuva, só em pontos específicos, e não ameniza o calor. Em consequência, a umidade também é afetada”, afirma.
ASFALTO
Além da poluição e do desmatamento, outro agravante do calor são as construções, pois quanto mais prédios e casas, menos árvores e menos circulação do ar e da umidade. Um exemplo citado por Melo são as áreas de concreto e os asfaltos que acumulam mais radiação e geram mais calor.
Ele afirma que é indicado ter arborização em casa, para oferecer a sensação de menos calor e permitir a circulação de mais umidade. “É sempre indicado plantar árvores, mas para esses casos precisa ser nativas do estado, pois, se não, elas até trazem a sensação de conforto, mas por não serem ideais para nosso solo, não farão esse processo necessário para amenizar o calor.”
O calor permanece por mais tempo em áreas de concreto, gerando então essa a sensação de ser mais quente. Uma cidade com mais asfalto segura o calor por mais tempo.”
NILMAR AZEVEDO DE MELO
Biólogo
“Todo mundo deveria trabalhar um dia na rua, para ver como é”, diz pintor
Há mais de 30 anos, Derci Neumann, 62 anos, atua como pintor. Nessas décadas, foram muitos dias de frio e calor enfrentados, pois normalmente trabalha na rua, sem um espaço fechado para usar ar-condicionado ou ventilador. Nas últimas semanas, também tem enfrentado muito calor, que, na sua percepção, está cada vez maior. “Para mim, a sensação térmica é de cada ano mais quente, porém ainda prefiro trabalhar no verão do que no inverno”, expõe.
O pintor, que muitas vezes trabalha em cima de telhados ou em outros locais que pegam sol, protege-se usando boné, calça e sapato fechado. “Nem sempre uso protetor solar, costumo passar no rosto quando sei que vou ficar muito exposto, mas vejo que minha pele já acostumou com o sol”, comenta.
Neumann recorda que nunca pegou insolação ou ficou ruim por causa do sol, mas, no verão, toma mais de dois litros de água por dia. “Às vezes, o pescoço pega mais sol e descasca e também fico com a marca da camiseta nos braços, mas nada que incomode a pele.”
Sobre o serviço, ele garante que gosta de fazer, mas que é puxado quando as temperaturas são extremas. “Todo mundo deveria trabalhar um dia na rua, para ver como é. Em qualquer serviço que seja na rua, porque é difícil em dias quentes ou muito frios”, conclui o pintor.
Janeiro é o mês mais quente do ano no Rio Grande do Sul
Entre os quatro meses do verão – dezembro, janeiro, fevereiro e março –, janeiro é normalmente o mês com temperaturas mais elevadas no Rio Grande do Sul, segundo o coordenador do curso de Agronomia e professor do departamento de Engenharias, Arquitetura e Computação da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), Marcelino Hoppe.
Ele explica que a maior radiação ocorre no solstício de verão, em 21 de dezembro – momento em que o sol, durante seu movimento aparente na esfera celeste, atinge a maior declinação em latitude – e vai diminuindo até o solstício de inverno, em 21 de junho. “Por isso, ocorre uma inércia térmica que faz com que as maiores temperaturas médias ocorram em janeiro.”
O professor universitário comenta que a sensação da temperatura mais elevada a cada ano ocorre porque a temperatura média anual tem aumentado no mundo. “A temperatura média anual do ar registrada em Santa Cruz do Sul no período de 1914 até 1968 era 19,3°C. Já no período de 2004 até 2019, essa temperatura média anual foi 20,1°C.
Portanto, ocorreu um aumento de 0,8°C na temperatura média anual”, expõe.
Já nas temperaturas médias mínimas, Hoppe mostra que o aumento foi maior, pois passou de 13,8°C para 15,4°C, um aumento de 1,6°C. “A temperatura mínima diária, normalmente, ocorre no início da manhã (ao nascer do sol). Isso indica que as noites estão mais quentes, o que pode ser explicado pelo efeito estufa na atmosfera terrestre.”
A média da temperatura máxima sofreu redução de 0,7°C, pois era 26,2°C no período de 1914 a 1968 e reduziu para 25,5°C no período entre 2004 e 2019, na região. “A temperatura máxima diária, normalmente, ocorre no meio da tarde, isso indica que as tardes eram mais quentes do século passado”, acrescenta.
Curiosidade
As temperaturas registradas por termômetros oficiais colocados dentro de um abrigo branco, ventilado, localizado a 1,5 metro de altura sobre uma superfície gramada, segundo normas seguidas em todo o mundo. Termômetros de rua que não seguem esses parâmetros podem registrar temperaturas maiores ou menores dependendo das condições que definem a sensação térmica. “A sensação térmica é influenciada pela radiação solar, velocidade do vento e umidade do ar.”
VERÃO 2020
Se a chuva continuar escassa e a umidade relativa do ar baixa, o verão será de grandes amplitudes térmicas. Conforme o docente, um dia típico no verão, em média, varia entre 20°C, no início da manhã (temperatura mínima), a 32°C no meio da tarde (temperatura máxima). “Mas podem ocorrer dias com temperaturas mínimas abaixo de 15°C e dias com temperaturas máximas próximas de 40°C.”
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Década mais quente
Segundo um estudo feito pela Nasa no fim do ano passado, a década de 2010 e 2020 foi a mais quente da história, desde o começo dos registros, há 140 anos. A análise ainda revela que 2016 foi o ano mais quente, seguido de 2020 e 2019, respectivamente. Isso de deve porque as temperaturas dos oceanos estão mais altas do que nunca. Os cientistas responsáveis pelo relatório indicam as emissões de dióxido de carbono e outras emissões de gases de efeito estufa como causas do aquecimento global. Já outro estudo do mesmo grupo concluiu que ano passado foi tão quente quando em 2016, igualando as temperaturas máximas da década.
- Em Santa Cruz do Sul, a temperatura recorde registrada foi de 42,3°C em 17 de fevereiro de 1929. Conforme o professor Marcelino Hoppe, esse é o último recorde de temperatura registrado na cidade desde 1914. Ele não possui registros de Venâncio Aires.