A voz do Felipe, a luz da Jandira: ouvinte realiza sonho de conhecer comunicador da Terra FM

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Um bom dia entusiasmado. A hora. A temperatura. A descrição de um dia que está começando. Um comentário em tom de brincadeira. Uma risada. Uma informação relevante. Detalhes corriqueiros ditos todos os dias num microfone de rádio, mas que, para alguns, têm uma proporção diferente. É dentro de uma casa no bairro Cruzeiro, em Venâncio Aires, que uma voz não chega apenas aos ouvidos. Ela se transforma em luz para iluminar o dia de quem já não enxerga mais. A voz é do comunicador Felipe Rosa, da Terra FM 105.1, e os ouvidos são de Jandira de Fátima Borre, 56 anos, que perdeu a visão há quatro anos por causa do diabetes.

Ouvinte assídua da rádio, Jandira acorda todos os dias com o Chimarrão com Notícias, programa apresentado por Felipe a partir das 5h30min. “Ele começa falando do dia, de como vai ser. Hoje [quinta, 21] ele disse que seria ensolarado”, comentou Jandira, no dia em que completou 56 anos e foi surpreendida com a visita do radialista. Assim que ouviu a voz de Felipe na porta de casa, exclamou, já com lágrimas nos olhos: “Não acredito! É um sonho te conhecer!”

Não apenas uma ouvinte, Jandira sempre liga para a rádio e já conversou muitas vezes com Felipe, como o fez na terça, 19, no aniversário do profissional. As ligações ela faz por um telefone convencional, que fica na sala de casa, e no qual os dedos já memorizaram a posição dos números para discar o 3741-9090. É pelo mesmo aparelho que a ‘105’ fica sintonizada o dia inteiro, ecoando pela casa. Cedinho pela manhã, quando ainda está na cama, Jandira pega sobre o bidê um pequeno celular LG, modelo antigo, daqueles que só permitem mensagens via torpedo e têm rádio FM. É por ele o primeiro contato do dia com Felipe e a programação da Terra FM.

Usando um telefone fixo, ela explica como faz para ligar para a rádio e conversar com o radialista (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)

“Uma luz que apareceu para mim”

Jandira é natural de Barros Cassal e veio menina para Venâncio Aires. Há mais de 30 anos mora no bairro Cruzeiro e já trabalhou em indústrias de calçado e de tabaco. Começou a sofrer os efeitos do diabetes há cerca de 20 anos, quando não pode mais amamentar o filho caçula. Mas foi em 2012 que a doença agravou e ela perdeu a visão do olho direito. Em 2019, foi a vez do olho esquerdo e, desde então, veio a escuridão total.

Aposentada por invalidez, Jandira conta que aceitar a cegueira foi mais difícil do que aprender a se virar dentro de casa. “Foi muito difícil no início, mas fui aceitando e me virando. Arrumo meu quarto, lavo louça e faço o chimarrão.” Quando precisa sair, conta com os três filhos e noras, sendo que um ainda mora com ela e outro reside numa casa nos fundos, além das vizinhas.

Vaidosa, gosta de estar com o cabelo arrumado e as unhas pintadas, hábito que está retomando aos poucos, depois de passar por dois momentos muito tristes em 2023. Em maio perdeu o pai, Nicanor, aos 81 anos, que sofria de Alzheimer, e no mês seguinte foi o marido Vilson, que faleceu aos 57 anos devido a um câncer.

Sem enxergar e vivendo dois lutos ao mesmo tempo, revela que foi ouvindo a rádio, especialmente a voz do radialista, que encontrou companhia e alegria. “O Felipe foi uma luz que apareceu para mim. Uma luz que acendeu na minha vida. Eu enxergo o dia pela voz dele. O jeito dele falar, a risada dele. Eu fico tentando imaginar como ele é eu sempre disse que um dia iria conhecer. Mas nunca imaginei que seria no dia do meu aniversário, receber essa surpresa. Meu sonho se realizou.”

Jandira, ainda cedo na cama, ouve o Chimarrão com Notícias num telefone LG dos modelos antigos (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)

“Sem sombra de dúvida foi meu melhor aniversário. Tive oportunidade de conhecer quem nos ouve todo dia. Momentos assim fazem tudo valer a pena. Nos faz seguir no rumo certo, porque tentamos trazer as informações precisas para os ouvintes, tentamos trazer emoção para o rádio e tentamos fazer a vida das pessoas diferentes. E a dona Jandira dizer que os dias dela ficam mais felizes quando nos ouve, é uma felicidade que transborda no coração.”

FELIPE ROSA – Comunicador da Terra FM

Perdas e ganhos

Felipe me falou de Jandira na terça, quando fui abraçá-lo pelo aniversário. Emocionado com as mensagens que recebeu, falou com carinho da ligação dela, também aniversariante da semana. “A gente podia ir lá, né, Dé?”, me provocou. “Isso dá matéria, cara, vamos!”, respondi. Assim fomos ao bairro Cruzeiro, de surpresa, na quinta, 21. A colega Larissa Maciel acompanhou a visita. Nós três choramos ouvindo o relato dessa ouvinte especial da Terra FM.

Essa poderia ser uma história de perdas, afinal Jandira perdeu a visão e depois, em pouco tempo, o pai e o marido. Mas prefiro uma história de ganhos. Jandira ganhou um presente de aniversário especial, a visita de alguém que se tornou, nas palavras dela, luz para os dias. E mesmo que não possa ler estas linhas (alguém vai ler para ela), merece ter parte da trajetória narrada por escrito.

Quanto a Felipe, Larissa e eu, ganhamos a oportunidade de aprender sobre a vida e os desafios que ela é capaz de impor. Tivemos uma lição em forma de frase inscrita na cuia de Jandira, do chimarrão que ela mesma prepara: “Quando você ama o que tem, você tem tudo o que precisa.” E aprendemos que, ainda que falte um sentido, a vida segue e as emoções continuarão chegando ao coração, levadas por um toque, um gosto, um cheiro. Ou por uma voz, num microfone de rádio.



Débora Kist

Débora Kist

Formada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) em 2013. Trabalhou como produtora executiva e jornalista na Rádio Terra FM entre 2008 e 2017. Jornalista no jornal Folha do Mate desde 2018 e atualmente também integra a equipe do programa jornalístico Terra em Uma Hora, veiculado de segunda a sexta, das 12h às 13h, na Terra FM.

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