O problema era de conhecimento geral há muito tempo, só que ninguém esperava que, de fato, os moradores dos 256 apartamentos do Condomínio Bela Vista, localizado no bairro de mesmo nome, um dia ficariam sem abastecimento de água. Pois este dia chegou na última terça-feira, 14, quando, por inadimplência – recorrente e de elevado montante -, a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), interrompeu o fornecimento. A notícia logo correu a cidade, divulgada, especialmente, por moradores que levam as suas contas em dia e, em virtude dos maus pagadores, foram prejudicados e ficaram sem água.
A dívida com a Corsan estava em aproximadamente R$ 70 mil e já havia renegociação, mas não foi mais possível honrar o compromisso em razão do baixo valor arrecadado pelo condomínio. Por isso, a companhia não teve mais como ‘segurar’ a situação e o fornecimento foi interrompido. Assustados, os moradores acionaram a Prefeitura, que enviou para o Bela Vista um caminhão pipa da Patrulha Agrícola, para atender moradias que ficassem sem água. Como as caixas estavam abastecidas, não houve falta de água pela manhã e, no início da tarde, foi paga uma parcela de cerca de R$ 17 mil, suficiente para o religamento.
Embora a situação esteja controlada momentaneamente, a síndica do condomínio, Célia Schwertz, destaca que, no próximo mês, o problema deve se repetir. “Não temos mais o que fazer. Já fomos procurar ajuda da Defensoria Pública e do Judiciário, conseguimos aumentar o prazo para que as pessoas regularizassem seus débitos, mas não há mais para onde correr. Ou se conscientizam de que precisam pagar as contas, ou vamos ficar definitivamente sem água. É o velho ditado: os bons estão pagando pelos maus”, lamentou.
Em outubro, além da parcela da renegociação, de R$ 16,5 mil, será preciso quitar a fatura do mês, que deve ficar em R$ 17 mil, aproximadamente. A arrecadação mensal, de acordo com a síndica, geralmente não ultrapassa os R$ 10 mil. Segundo ela, pouco mais da metade dos moradores das 256 unidades habitacionais costumam manter as contas em dia. “A gente fala com as pessoas quando chega a dois, três meses de atraso. Daí ficam de pagar, mas não se confirma. Fazemos o corte de forma individual, mas as famílias procuram a Defensoria e vem ordem para religar. Aí eu pergunto: é justo manter o serviço para todos que não pagam e, quando um fica sem, ficam todos, inclusive os que mantêm em dia”, questiona.
Indignação
A aposentada Hermanita dos Santos Silva, de 77 anos, veio ao encontro da reportagem da Folha do Mate assim que notou a presença da equipe no Condomínio Bela Vista. Ela estava indignada com a situação de desabastecimento, pois mantém suas obrigações em dia. “Ganho só um salário mínimo, meus filhos, mas nunca deixei de pagar a parcela, o condomínio, a água e a luz. E aí agora tô com os baldinhos cheios lá em casa porque tem gente que não paga e todos ficam sem”, queixou-se ela, acrescentando que, também por insuficiência financeira, os serviços de limpeza e jardinagem já foram interrompidos.

“Precisamos de uma providência urgente, pois no mês que vem a situação vai se repetir. Na Corsan, não conseguimos parcelar o valor em mais do que três vezes. Temos ainda uns 80 apartamentos sem moradores, ou que têm gente de vez em quando, e daí também não entra o dinheiro do condomínio. Sofro pressão direto, mas não tenho como pagar as contas dos outros. A situação é insustentável.”
CÉLIA SCHWERTZ
Síndica do Condomínio Bela Vista

Mãos atadas
• O coordenador da Patrulha Agrícola, Rodrigo Antônio Vieira Garin, o Rodrigo VT, esteve no Bela Vista na terça-feira, 14, para colocar o caminhão pipa da Prefeitura à disposição dos moradores. Não foi preciso utilizar os oito mil litros que o veículo carregava, pois as caixas de água ficaram com volumes suficientes até o religamento.
• No entanto, Rodrigo VT se diz preocupado com a situação, pois é inevitável que o problema se repita daqui a 30 dias, quando chegar o momento de quitar a nova fatura. “O que a gente pode fazer, enquanto Prefeitura, é socorrer com o caminhão pipa, de forma emergencial. Só que precisamos de uma solução e estamos de mãos atadas”, disse.
• Antes de deslocar o caminhão pipa para o condomínio, o coordenador da Patrulha Agrícola fez contato com o promotor de Justiça Pedro Rui da Fontoura Porto, para ter certeza de que era possível a Administração atender os moradores, sem que houvesse apontamentos. A resposta foi de que há um interesse coletivo e a atuação era necessária.

AUDIÊNCIA
- O promotor Pedro Rui da Fontoura Porto afirmou ontem que tomou conhecimento da situação pela Folha do Mate e Rádio Terra FM e sugeriu que moradores, Ministério Público, Defensoria e Judiciário possam estar juntos em uma audiência para encaminhar uma solução.
- “Ninguém me procurou, mas fiquei sabendo por vocês. Aqui no MP não há nenhum procedimento relacionado à falta de água, mas desde que soube da situação, fiquei pensando o que seria possível fazer em busca de uma resolução. Acredito que uma audiência é o ponto de partida”, reforçou.
- Em relação aos apartamentos abandonados e às irregularidades que foram comprovadas em trabalho do Ministério Público, Porto lembra que um dossiê foi enviado ao Ministério Público Federal, com objetivo de que a Caixa Econômica Federal encaminhasse os distratos e o Município pudesse disponibilizar as unidades para abater o déficit habitacional em Venâncio Aires.
- No entanto, até o momento não houve novidades acerca do assunto. Tanto MP quanto a Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Social aguardam contato das autoridades federais para dar sequência ao processo. Pela última manifestação da Promotoria, seriam pelo menos 44 unidades com irregularidades comprovadas.
Encontro no dia 27
• A defensora pública Luciana Artus Schneider informou ontem que há uma audiência agendada para o dia 27 deste mês, no Fórum, para tratar do assunto. Ele pretende chamar a síndica do Bela Vista e representantes dos condôminos, além de membros do Ministério Público e do Judiciário.
• De acordo com ela, “a grande questão do condomínio é que a fatura de água vem atrelada à fatura condominial e, como há inadimplência pelos mais diversos motivos, chegou a um ponto em que os recursos arrecadados não dão mais conta de cobrir os custos”.
• Luciana destaca que obteve na Justiça liminares para cinco famílias, para que não tivessem o abastecimento de água interrompido, pois contam com idosos e crianças. “Não são estas cinco liminares que estão gerando a situação. O problema é que o condomínio é muito alto”, comentou.
• Outro ponto ressaltado pela defensora é que os apartamentos, enquanto estiverem alienados à Caixa Econômica Federal, precisam ter segurança 24 horas, o que colabora para o aumento do valor da taxa condominial. “Sabemos que há muitos inadimplentes e que a Corsan não tem obrigação de arcar com os custos, mas se trata de uma situação peculiar, pois são muitas pessoas em situação de vulnerabilidade. Vamos em busca de uma solução”, argumentou.
• Luciana ajuizou ação solicitando que o fornecimento de água não fosse interrompido no Bela Vista. O caso caiu para a 2ª Vara, e a juíza Cristina Margarete Junqueira negou o pedido liminar. A defensora fez agravo ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), mas a liminar foi indeferida mais uma vez. O processo segue tramitando.
R$ 136
é o valor do condomínio por unidade no Condomínio Bela Vista, de acordo com a síndica Célia Schwertz.
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