Com a ajuda de colegas de trabalho e amigos, venezuelano traz a família para Venâncio

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Um ano e sete meses, a pandemia de Covid-19 e muitas dúvidas e aflições separaram o abraço da pequena Mayerlin, de 8 anos, com o pai Manuel Hernandez, 32 anos. Quando ela, a mãe Gumeryelis Malabe, 28 anos, e a irmã Manuelis, de 1 ano e 8 meses, desembarcaram do vôo vindo de Manaus, no Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, na noite de sábado, 19, a menina saiu correndo em direção ao pai e demorou a largar.

Esse abraço tem muitos significados. Enquanto buscava aliviar a saudade da separação, depois que o pai havia saído da Venezuela em busca de condições melhores para a família, a menina também era acolhida por uma nova vida, que estava a menos de duas horas do aeroporto, em um município que tem se tornado referência no acolhimento a migrantes e refugiados. Mayerlin é, agora, uma venâncio-airense.

Para Manuel, que estava de aniversário na sexta-feira, o presente mais esperado desde que saiu da Venezuela, em fevereiro de 2020, chegou um dia depois, e veio carregado de muita emoção. “Choramos muito quando elas chegaram. Quando saí da Venezuela não sabia quando veria elas de novo. Mandava tudo o que conseguia para lá, para não morrerem de fome”, conta.

Na época, a caçula Manuelis tinha apenas um mês. No reencontro, enquanto a irmã não se cansava do abraço de Manuel, ela ainda olhava desconfiada, segura no colo da mãe, sem reconhecer o pai, que ficara longe da família.

Gumeryelis ainda entende poucas palavras em português e recorre ao marido para entender o idioma na nova cidade. Mas o sorriso que transborda no brilho dos olhos dispensa qualquer palavra. “Passei muito trabalho, mas valeu a pena”, reforça ela, que chegou com as filhas e apenas uma bolsa a tiracolo.

Além do esforço e do trabalho do imigrante, garantir a vinda das filhas e da esposa para Venâncio Aires foi possível graças à ajuda de muitos venâncio-airenses que se sensibilizaram com o sonho, a luta e o carisma de Manuel, que é funcionário do Supermercado Frey, no bairro Macedo. Parte dos R$ 7 mil necessários para viagem foi arrecadada por meio de uma ação entre amigos organizada pelos colegas de trabalho. “As pessoas aqui são muito boas, muito honestas”, considera.

Muita emoção marcou o reencontro na noite de sábado, quando a família chegou no aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre. (Foto: Gabriel Frey/Divulgação)

No supermercado Frey, o emprego e a rede de apoio

Foi justamente no Supermercado Frey que Manuel encontrou a esperança e o empurrão para reencontrar a família. Primeiro, teve a carteira de trabalho assinada, em março deste ano, o que devolveu a esperança, depois de ter passado um ano apenas fazendo bicos, em Manaus, na região Norte do país, assim que chegou ao Brasil. “Nunca tinha trabalhado em fruteira, mas faço o melhor que posso”, afirma ele, responsável pela reposição das frutas.

Um dia, vendo a preocupação de Manuel, a auxiliar de escritório do supermercado, Scheila Nowotni, o surpreendeu com uma pergunta: “quanto precisas para trazer tua família?”. Na época, ele estimava que R$ 2 mil fossem suficientes, mas o valor acabou sendo quase três vezes maior. A partir de então, uma verdadeira rede de voluntários se formou.

“A Editora 13 de maio deu 125 blocos da ação entre amigos. Fizemos cada número a R$ 2. Se vendêssemos tudo daria R$ 5 mil. Como tinha R$ 500 em prêmios, sobrariam R$ 4,5 mil. Conforme a rifa foi sendo vendida, a gente foi repassando o dinheiro pra ele. Os colegas de trabalho se empenharam muito para ajudar na venda e nossos clientes também colaboram. Nossa equipe é muito unida e é isso que fez a diferença”, ressalta Scheila.

O venezuelano Manuel Hernandez trabalha desde março na fruteira do Frey Supermercado (Foto: Luana Schweikart/Folha do Mate)

“O brasileiro é bom”

Manuel não se cansa de agradecer e repetir o quanto as pessoas têm sido solidárias com ele e os tantos outros venezuelanos que precisaram sair do país por conta da crise econômica. “O brasileiro é bom”, resume. A maior parte dos móveis e utensílios na casa de aluguel onde mora, no bairro Macedo, veio de doações.

“A ninguém falta Deus. Temos que orar e escutar ele. Antes de dormir, eu pedia a Deus que encontrasse um emprego. Logo fui contratado no supermercado. Depois, pedi para trazer a minha família. No outro dia, do nada, chegou a chefe e disse que iam me ajudar. Quem faria isso?”

MANUEL HERNANDEZ – Venezuelano

Futuro

Sobre o futuro, Manuel afirma que o primeiro objetivo, agora, é pagar o que ainda está pendente da viagem da família. Ao lado da esposa e das filhas e com uma fé inabalável, ele não tem dúvida de que os próximos anos serão muito mais felizes.

“Valeu todo o esforço, agora minhas meninas vão poder tomar leite, comer maçã”, cita o pai, ao explicar que até itens básicos de alimentação já não eram acessíveis para a família na Venezuela. “Minha filha me perguntou se maçã existia, porque ela nunca tinha visto, e mostrei pra ela que aqui a maçã existe.”

Entenda

  • A crise econômica, política e social tem levado muitos venezuelanos a migrarem para outros países, por conta do desemprego, da escassez de alimentos e da desvalorização do dinheiro.
  • A família de Manuel Hernandez morava na cidade de Barcelona na Venezuela. Ele trabalhava em um depósito de uma distribuidora de alimentos, mas, acabou perdendo o emprego com o avanço da crise.
  • Um dos fatos lembrados por ele são as prateleiras vazias nos supermercados. “Tínhamos dinheiro, mas não tinha o que comprar.”
  • A crise começou a se intensificar por volta de 2015, após a morte do presidente Hugo Chávez, em 2013, e com o governo de Nicolás Maduro.
  • Manuel e outros venezuelanos que hoje moram em Venâncio Aires contam que, em 2017 e 2018, se alimentaram basicamente de aipim e peixe, além de mangas, pois havia muitas árvores do tipo no local. Além disso, chegavam a ter que cozinhar mamão verde com sal para ter uma refeição.
  • A maioria dos venezuelanos migrantes ingressa no Brasil na fronteira com o estado de Roraima.
  • Manuel viveu por um ano em Manaus, mas como não conseguiu um emprego com carteira assinada, decidiu ir para Venâncio Aires, onde já tinha amigos e familiares, no início de 2021. A ideia original era voltar para a Venezuela, pois estava desempregado, mas, por conta da pandemia de Covid-19, as fronteiras estavam fechadas e impediam o retorno.
  • Quem quiser contribuir com a família, pode realizar as doações no mercado Frey. A família ainda necessita de geladeira, máquina de lavar roupa, sofá e demais utensílios, roupas e calçados.

Veja o vídeo do encontro:

Ação entre amigos

Nesta semana, foi realizado o sorteio da ação entre amigos. Manuel, inclusive, foi um dos premiados, pois muitas pessoas adquiriram números e colocaram em seu nome, para auxiliá-lo. Resultado: 1º Educare, 2º Mercado Reckziegel, 3º Viviane Mello, 4º André Davi de Melo, 5º Manuel Hernandez, 6º Douglas Fuhr.

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Juliana Bencke

Juliana Bencke

Editora de Cadernos, responsável pela coordenação de cadernos especiais, revistas e demais conteúdos publicitários da Folha do Mate

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