Sem o asfalto, a aposentada Gisela Schuster sofre diariamente com a poeira (Foto: Alvaro Pegoraro/Folha do Mate)
Sem o asfalto, a aposentada Gisela Schuster sofre diariamente com a poeira (Foto: Alvaro Pegoraro/Folha do Mate)

De um lado, Venâncio Aires. Do outro, Santa Cruz do Sul. A divisa entre os dois municípios sempre existiu e os problemas ocasionados por ela, também. Mas agora, as prefeituras das duas cidades vão dar fim ao problema que se estende há décadas. Nesta semana, moradores de Linha Seival e arredores conheceram a proposta de um novo traçado. O encontro ocorreu na sede do Clube Esportivo da localidade, na terça-feira, 2. Os levantamentos de campo foram realizados nos últimos meses e apresentados para a comunidade.

Um dos líderes comunitários de Seival, Eduardo Wolffembuttel, de 40 anos, mantém uma casa comercial na localidade, junto com a esposa Maribel Kuhn, de 38. Residindo há 10 anos na região, enfrenta problemas recorrentes por causa dos impasses da divisa. “Pelo IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística], o meu comércio fica em Venâncio. Já o CNPJ, energia e demais documentos são registrados em Santa Cruz”, comenta.

Em alguns momentos, o comerciante afirma que enfrentou problemas na emissão de notas fiscais. Há 17 quilômetros do Centro de Santa Cruz do Sul e dois quilômetros de Vila Arlindo, é um dos únicos estabelecimentos comerciais da localidade. “Na prática, estou em um município, registrado no outro. Prejudica o cadastro e a vinda de mercadorias as vezes”, explica Eduardo.

Eduardo mantém casa comercial em Linha Seival (Foto: Alvaro Pegoraro/Folha do Mate)

Sonho pelo asfalto

O problema veio à tona quando o atual prefeito de Santa Cruz, Marcelo Moraes, em 2012, na época deputado federal, destinou emenda parlamentar para pavimentação de um trecho na localidade. Entretanto, o valor não pôde ser aplicado devido às inconsistências com o delineado entre limites, pois o valor, que seria destinado do município vizinho, seria aplicado em trecho de Venâncio Aires.
“E esse problema prejudicou muito o desenvolvimento da nossa localidade. Tivemos pouca evolução nos últimos anos”, lamenta o líder comunitário.

O sonho pelo asfalto também é citado pela aposentada Gisela Teresa Schuster. Aos 85 anos, ainda sonha, em um dia, ver a pavimentação chegando na frente de casa. Com problemas de saúde, costuma ficar em casa. No pátio, com pés de jabuticaba, árvores frutíferas, flores e um bambuzal – que fica aos fundos – a poeira atrapalha os momentos de lazer e descanso nos dias mais secos.

“Digo que a gente poupa dinheiro o ano inteiro pra chegar o fim do ano e pagarmos alguém para limpar as paredes da casa. A sujeira parece que gruda, é difícil tirar, e não tenho mais condições de fazer isso”, explica ela.

O que importa agora não é a pressa, mas a eficiência. Queremos resolver a situação do traçado 100% para que essas famílias voltem a ter segurança jurídica, acesso a financiamentos bancários e manutenção de estradas garantida.”

VANIR RAMOS DE AZEVEDO
Secretário de Planejamento e Mobilidade Urbana de Santa Cruz do Sul

Passo a passo do problema

Em entrevista à reportagem, o secretário de Planejamento e Mobilidade Urbana de Santa Cruz do Sul, Vanir Ramos de Azevedo, que liderou o trabalho de levantamento, detalhou o andamento do processo. Segundo ele, o objetivo é resolver a demanda até o primeiro quadrimestre de 2026. O titular da pasta afirma que a questão afeta diretamente cerca de 180 famílias.

No ano de 1922, há mais de 100 anos, foi estabelecida a definição dos limites. Mas uma nova lei estadual, de 1944, alterou o traçado para uma ‘linha seca’, com desenho reto. Essa mudança, segundo o secretário, cortou propriedades ao meio e transferiu para Venâncio Aires lotes registrados em Santa Cruz do Sul e vice-versa. Com a vinda da emenda parlamentar, o problema passou a ser discutido.

Além de Linha Seival, a área de divisa abrange localidades como Quarta Linha Nova Baixa, Linha Araçá, Linha Eugênia e região do Cerro Baú, estendendo-se por cerca de 10 quilômetros até a divisa com Monte Alverne, no Arroio Castelhano.

“É importante que as pessoas entendam que não se cria uma nova divisão de município entre via de acesso ou arroios, mas pelas matrículas e divisas dos imóveis.”

DEIZIMARA DE SOUZA
Secretária de Planejamento e Urbanismo de Venâncio Aires

Solução

Para resolver o impasse, as prefeituras optaram por retomar a lógica do traçado de 1922, considerado mais adequado, mas com correções pontuais, seguindo as matrículas e divisas das propriedades. Ao invés de traçar a linha divisória baseada em arroios ou estradas ou em linhas retas que cortavam propriedades ao meio, o novo limite contornará as propriedades conforme o registro oficial de cada uma.

Propriedades em azul passam a pertencer a Santa Cruz do Sul e, em coloração laranja, a Venâncio Aires

O objetivo foi garantir que nenhuma residência ficasse dividida entre dois municípios e respeitar o sentimento de pertencimento dos moradores. “Não fizemos apenas uma análise técnica de georreferenciamento. Consultamos as pessoas. Posso afirmar que 99% das situações serão atendidas no sentido de manter as famílias na cidade com a qual elas melhor se identificam”, ressaltou Vanir.

A secretária de Planejamento e Urbanismo de Venâncio, Deizimara Souza, complementa que a mudança somente vai mudar o delineado, e não alterar outros documentos que já estão consolidados, como matrículas de propriedades rurais. “A gente sabe que era uma expectativa muito grande da comunidade, para que isso se consolidasse.”

Próximos passos

  1. Com o processo considerado o mais difícil sendo feito, a documentação deve tramitar por mais alguns meses. Nas próximas semanas, equipes irão a campo para instalar os marcos físicos na divisa de 10 quilômetros e realizar mais estudos.
  2. Após a conclusão técnica, o projeto de lei será enviado para as Câmaras de Vereadores dos dois municípios, passando por votação.
  3. Com a aprovação, o documento segue para a Comissão de Assuntos Municipais da Assembleia Legislativa do Estado para análise final.

A expectativa é que toda a tramitação sobre a divisa entre Santa Cruz do Sul e Venâncio Aires esteja concluída até abril de 2026.

Júnior Posselt

Repórter

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