Sentado ao lado da esposa, no bairro Bela Vista, o caminhoneiro Marlove Domingos é tomado por um sentimento de gratidão, por ter a oportunidade de estar vivo. As lembranças do dia 2 de abril de 2016 foram parcialmente apagadas da memória, depois do acidente de trânsito em Jaguariaíva, no Paraná. Mas, as marcas físicas do acidente estão visíveis: ele teve que amputar 12 centímetros abaixo do joelho para implantar uma prótese na perna esquerda.
Com quase 30 anos de experiência na estrada, Marlove partiu para mais uma viagem de caminhão pelo Brasil. Só que desta vez, ele estava com um pressentimento antes de partir. “Quando cheguei no trevo de Lajeado, liguei para a minha esposa para pedir que ela inventasse uma desculpa para eu voltar para casa”, recorda. Como era véspera de feriado de Páscoa, Juliana Wenzel, 41 anos, achava que o marido estava de brincadeira, só porque não queria passar a data comemorativa longe da família. Apesar da sensação ruim de pegar a estrada, Marlove seguiu viagem.
O caminhoneiro passou por Goiânia, Brasília e chegou em Anápolis, em Goiás, para fazer um carregamento. Por volta das 5h, alcançou a cidade da Prata, em Minas Gerais e, ao olhar para as nuvens, percebeu a formação da imagem de Nossa Senhora Aparecida de cabeça para baixo, no céu. “Achei aquilo curioso, estacionei o caminhão para descansar um pouco e peguei o celular para tirar uma foto e enviar para a minha esposa.” Essa é uma das poucas lembranças do dia do acidente que seguem na memória do caminhoneiro.
Destino
Depois de percorrer um longo trajeto, Marlove passou por uma praça de pedágio em Jaguariaíva, no Paraná, e a 50 metros, decidiu parar para descansar em um posto de combustível. Estava com o caminhão estacionado, próximo a uma rodovia em obras, quando o motorista de uma carreta foi surpreendido por uma fila de veículos que se formou no sentido contrário e para evitar um engavetamento, decidiu jogar a carreta contra o caminhão de Marlove. Com o impacto, ele foi arremessado 20 metros para fora da cabine e sofreu traumatismo craniano.
Marlove costumava ligar para a esposa no fim do dia, mas desta vez, o telefone não tocou. “Naquela hora, não passou nada de ruim na minha cabeça, achei que ele estava no banho”, afirma a esposa, que é proprietária de um salão de beleza no bairro Bela Vista.
No decorrer da noite, Juliana começou a ficar preocupada com a falta de notícias do marido e, por meio de uma ligação para o CCR RodoNorte (socorro de rodovia), ela teve notícias de Marlove que, naquela hora, já havia sido submetido a uma cirurgia para que o pé fosse implantado.
Devido à gravidade da situação, o caminhoneiro já havia sido transferido para o Hospital Universitário (UEPG) de Ponta Grossa. O motorista ficou no coma induzido por nove dias, na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e, dois dias depois, foi acordado para ser avisado de que teria que passar por mais um procedimento para remoção de parte da perna esquerda. “Era preciso assinar um termo de compromisso e eu não tive coragem de tomar sozinha esta decisão”, afirma Juliana, que esteve todo o tempo ao lado do marido. Antes de ter conhecimento que os acompanhantes dos pacientes poderiam se hospedar em uma das casas de acolhimento de Ponta Grossa, ela dormiu dentro do próprio carro por quatro dias, em frente ao hospital.
A cada passo, uma vitória
Depois de ter passado 15 dias no hospital, Marlove teve a oportunidade de voltar para casa. O caminhoneiro teve que fazer um ano e três meses de fisioterapia, antes de adaptar à prótese na perna esquerda. Com o apoio da família, ele deu literalmente, um ‘passo por vez’. “Quando soube que ia usar prótese, tive que entender aquilo que foi sugerido e obrigado a me adequar. Minha maior preocupação era que minha esposa me deixasse depois de tudo isso e que eu não voltasse mais a dirigir”, conta o motorista.
Apesar das dificuldades, a vontade de superar aquela situação falava mais alto. “Nunca fiquei me vitimizando. Eu estou vivo e isso é que importa”, declara. Por mais que tivesse muita vontade que Marlove voltasse a trabalhar como caminhoneiro, Juliana não tinha a mesma esperança. “Eu estava desacreditada, mas a confiança dele era em mim e eu precisava transmitir isso a ele”, afirma.
Após a recuperação, três anos depois do acidente, Marlove saía escondido com o carro da família, para dirigir e voltou a ter uma vida praticamente normal. Enquanto estava em casa, ele recebeu várias visitas de amigos e colegas e, em um destes encontros, teve a oportunidade de voltar a trabalhar novamente como caminhoneiro, na Reiter Log de Nova Santa Rita, em um veículo automático.
Retorno a Ponta Grossa depois do acidente
No dia 15 de julho, o casal decidiu voltar a Ponta Grossa, no Paraná, para agradecer ao médico traumatologista Sessin Malec, à equipe de profissionais do Hospital Universitário (UEPG) e da Casa de Apoio Mestre Jesus. Há três meses, Marlove visitou o Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida, no interior de São Paulo, para pagar uma promessa, após a recuperação do acidente de trânsito.
LEIA MAIS: