Quanto amor cabe no colo de uma mãe? No abraço de um avô? Na mensagem do amigo de todas as horas? A quantidade é relativa, mas sempre vem carregada de cuidado. É clichê, mas é verdade: amar é cuidar. Então quanto amor (e cuidado) cabe nas mãos de uma mulher que prepara as melhores cucas e broas para o marido? E quanto amor cabe na atitude desse homem que se livrou da enxada para que a amada, com a coluna frágil, não fosse mais para a roça? Nesse cuidado e agrado mútuos, de um casal de cabelinho branco e passos octogenários, uma história de amor perdura há mais de seis décadas. Em Vila Santa Emília, interior de Venâncio Aires, o cuidar tem sido a receita de relação duradoura de Juquinha e Erena, que já vão para o 65º dia 12 de junho lado a lado.
Uma conversa na roça e o ‘sim’ diante de Cônego Albino
Tudo começou em 1959, quando nas terras de barro vermelho de Venâncio também já crescia tabaco, mas o ervais eram abundantes e ainda predominantes. José Machado de Bittencourt, que desde que se entende por gente é Juquinha (apelido dado pelo avô materno Laurindo), vivia na lida da roça, na então Linha Santa Emília. Quando não era capina, era arrancar erva. Às vezes, quando o trabalho era perto do ‘rumo’ das terras de um vizinho, rendia uns dedos de prosa e até umas cuias de chimarrão. Numa dessas, Otília, casada com Luiz Antônio dos Santos, soltou para o então jovem de 22 anos. “Juca, a Erena quer ‘pegar um baile’ contigo. Mas tu tá namorando, né?” O rapaz de olhos azuis e que carregava sobrenome francês respondeu à madrasta de Erena. “Na verdade, eu já ‘quebrei os pratos’ com a outra moça.” Assim, como é a pressa de todo jovem, Juquinha passou a visitar a casa dos Santos, formalizando o namoro com uma mocinha miúda e bonita, de apenas 15 anos, encantada pelos olhos claros do pretendente.
Juquinha, sempre pacato e caseiro, não era lá muito de ir em festas, mas ele lembra bem da Festa do Bastião de 1960 que ele e Erena foram, nos tempos de grandes lonas puxadas no entorno da Praça Católica e da Igreja São Sebastião Mártir. E foi neste templo que ele e Erena subiram ao altar num sábado de manhã, em 9 de junho de 1961 (completaram 63 anos de casados no último domingo). O casamento foi celebrado por Cônego Albino Juchem, o mesmo que batizou Juquinha, em 1937.
Para ir até o Centro de Venâncio e depois até a casa do pai de Erena, onde os familiares se reuniram para o almoço, Juquinha diz que foram a bordo de uma ‘Doginha’. Trata-se de uma caminhonete Dodge, da família Reckziegel (a mesma que tinha transportadora e depois empresa de ônibus). Entre os anos 1950 e 1960, o veículo foi muito usado para levar jovens para casar na cidade.
Depois de casados, eles continuaram morando em Santa Emília, localidade onde seguiram como agricultores e criaram os filhos. Eles são pais de José Raimundo (já falecido), Renato, Rejane, Maria Regina (falecida ainda bebê), Adriana e Luciana. São 11 netos e dois bisnetos.
O fim da enxada e a melhor cuca
Hoje aposentados, Juquinha, 87 anos, e Erena, 80, vivem tranquilamente em Vila Santa Emília, sempre sob os olhares e ligações zelosas dos filhos. Fazem quase tudo juntos, como dividir o chimarrão (às vezes cinco vezes ao dia), assistir à missa na TV Aparecida e ouvir os clássicos do sertanejo raiz com Teodoro e Sampaio e Lourenço e Lourival.
É quase tudo junto. Isso porque Juquinha tem ido sozinho para as capinas nas lavouras de feijão, batatinha e aipim. “Aqui em casa sempre tinha duas enxadas. Dei fim numa, porque ela não deve ir”, revela, apontando o dedo indicador para Erena, que sofre de problemas na coluna. “Fiz isso para ela não se judiar”, completa o aposentado.
A esposa reconhece o cuidado do marido, que só lhe quer bem e não deixa mais ela nem arrancar uma raiz de aipim. Mas como segurar alguém que ainda tem tanta disposição? “Às vezes ele me ‘puxa a orelha’ porque mexo nas flores.” Segundo a versão de Juquinha, a amada tem feito ‘arte’. “Fica levantando lata com terra, ‘empoleirada’ para lá e para cá, pendurando vaso de flor. E se ela se machucar?”, questiona, preocupado. Apesar de serem as flores o motivo da ‘arte’, Juquinha continua presenteando a esposa com begônias e tantas outras espécies. “Flores deixam ela feliz.”
O zelo do marido, associado ao companheirismo, são as características que Erena mais gosta nele. “E sempre foi muito bonito”, afirma ela, olhando para a foto em preto e branco do casamento. Quando perguntado sobre o que mais gosta na companheira, Juquinha diz que o carinho da esposa é ‘doce’, como as guloseimas que prepara. “Ela faz a melhor cuca. O bolo e as broas, então? Cozinhar para alguém com amor também é bonito, né?”
Sobre qual o segredo para uma relação tão duradoura, Juquinha acredita que o companheirismo sempre foi o principal entre eles. “Sempre fomos muito companheiros e com boa sintonia. Às vezes ela diz uma coisa que eu tinha acabado de pensar e vice-versa. A gente se entende, se aceita e se gosta assim.”
“Um conselho para um jovem casal? Um entender o outro, amar de coração e não mentir. Aí acho que se consegue trilhar junto.”
JOSÉ MACHADO DE BITTENCOURT, O JUQUINHA – Aposentado e eterno namorado da Erena