O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no início de março, permitir a penhora daquele bem de família que é dado em garantia pelo fiador (em contrato de locação de imóvel comercial) para quitar a dívida deixada pelo inquilino. Ou seja, pela decisão da maioria dos ministros, mesmo que às vezes um fiador tenha apenas um único imóvel, ele poderá sim ser usado como forma de pagamento pelo que é devido.
Em meio a isso, uma família de Venâncio Aires vive um impasse, já que corre o risco de perder o único imóvel. A situação envolve Silvano Paulo Hansel, 75 anos. Nome conhecido na cidade, o empresário gerenciou por anos a Hansel & Jaeger – Cachoeira de Tintas, loja do Centro, e presidiu a Câmara do Comércio, Indústria e Serviços de Venâncio Aires (Caciva).
Hansel assinou como fiador de um imóvel comercial em Porto Alegre, em 1989. Em 2019, a família soube que o locatário estava com muitos meses de aluguel atrasado (entre 2017 e 2019). No entanto, devido à situação do empresário, cuja saúde ficou comprometida após sofrer um Acidente Vascular Cerebral (AVC) em 2010, somada à descoberta de um câncer que acometeu a filha dele em 2019 e depois ainda a pandemia, a preocupação e os esforços se concentraram na saúde e o assunto não foi ‘investigado’.
“Em junho de 2021 recebemos uma intimação judicial. Aí soubemos que era referente a 12 meses de aluguel atrasado. O processo correu à revelia, sem defesa, e, como não foi recorrido, o pai e a mãe correm o risco de perder a casa, que é o único imóvel deles”, explicou Daniela Hansel, filha de Silvano.
Ela revelou que o primeiro pedido de ‘impenhorabilidade de bem’ já foi negado, mas o advogado da família, de Santa Cruz do Sul, recorreu. O recurso está previsto para ser julgado nesta quarta-feira, 30.
Esperança
Para Daniela, embora a situação seja difícil de reverter, a Justiça deveria considerar a condição de vulnerabilidade vivida pelo pai. Com o AVC, Silvano Hansel precisa de ajuda para caminhar e para comer. Também não enxerga com o olho esquerdo e atualmente precisa de sete tipos de medicação. “Logo depois do AVC, descobrimos um aneurisma, operado às pressas. E, no ano seguinte, quase todo mês, o pai precisou ser internado devido a ataques epiléticos. Até hoje precisa de anticonvulsivantes.”
Antes do Acidente Vascular Cerebral, Hansel administrava a loja Cachoeira de Tintas de Venâncio, além de outras quatro em Cachoeira do Sul, Porto Alegre e Canoas. Hoje, estão todas fechadas e, conforme a filha, os pais vivem das aposentadorias.
Silvano mora com a esposa Clarice, 71 anos. O casal conta com parentes próximos e conhecidos da família para ajudar no dia a dia, já que Daniela mora em Santa Cruz e o irmão, Fernando, em Santa Catarina. “Caso aconteça o pior, de o pai perder a casa, nós já estamos conversando sobre o que fazer. É muito triste a situação, por causa de algo que ele assinou de boa vontade há mais de 30 anos, quando ainda era jovem e tinha condição de lidar e decidir sozinho. Vamos ver o que acontece, porque a esperança é a última que morre.”
Divergências no STF
Segundo a advogada de Venâncio Aires, Marina Fonseca, no julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), o voto que predominou foi do relator, ministro Alexandre de Moraes, que entendeu que a possibilidade não violaria o direito à moradia do fiador. “O ministro entendeu que ao assinar, por livre e espontânea vontade o contrato de fiança em locação de bem imóvel, que só foi firmado em razão da garantia dada pelo fiador, este abre mão da impenhorabilidade do seu bem”, explicou Marina.
Ainda conforme a advogada, Moraes destacou o caráter espontâneo do oferecimento do imóvel em garantia no contrato de aluguel. “Para o ministro, em contrato escrito, que não deve deixar margem de dúvidas, o fiador oferece não só o seu bem de família, mas também todo seu patrimônio, e faz isso de livre e espontânea vontade.”
Marina Fonseca ressaltou que a decisão do STF não foi unânime. Foram seis ministros que tiveram o mesmo entendimento de Alexandre de Moraes e quatro discordaram. Um deles foi o ministro Edson Fachin. “Ele se opôs, porque considerou que a exclusão da proteção da moradia do fiador significa restringir direitos sociais fundamentais. Além disso, o ministro entendeu que o direto à moradia deve prevalecer sobre os princípios da autonomia contratual e de livre iniciativa”, explicou a advogada.
Nova discussão
Embora a situação tenha sido decidida como constitucional, a tendência é de que as discussões acerca do assunto continuem. “O que pode acontecer é discutirem a modulação dos efeitos da decisão. Ou seja, se é algo que valerá a partir de agora ou retroativo, portanto, atingindo contratos anteriores. Isso é algo de interesse, também, de entidades e associações, então em breve o assunto deve ser retomado”, destacou Marina.
Bem de família
- Segundo Marina Fonseca, o bem de família pode ser o imóvel urbano ou rural, utilizado como residência familiar, decorrente de casamento, união estável, entidade monoparental, ou entidade de outra origem, protegido por previsão legal específica.
- Para que seja passível de proteção da Lei 8.009/1990 (que trata sobre a impenhorabilidade do bem de família), é necessário que o imóvel seja utilizado como local permanente de habitação da família.
Seguro fiança
Para Marina Fonseca, a partir de agora, com a decisão do STF, muita gente deve optar pelo chamado ‘seguro fiança’, já que os únicos envolvidos no contrato de locação serão o locador (proprietário), o locatário (inquilino) e a seguradora, reduzindo possíveis danos patrimoniais aos fiadores.
“O seguro fiança é uma forma de garantia contratual, que substitui a necessidade do fiador. Ao invés de apresentar um fiador quando locar o imóvel, se contrata um seguro, a ser pago por quem vai utilizar o espaço, em que fica como beneficiário o proprietário do imóvel. Ou seja, o dono será ressarcido por uma seguradora, caso o aluguel não seja pago”, explicou.
Ainda conforme a advogada, no seguro fiança também podem ser incluídos na apólice (contrato com a seguradora) outras coberturas referentes ao imóvel locado, como taxas, IPTU, água, luz, e até mesmo despesas com ação de despejo.
“É muito indicado para situações em que os locatários não querem buscar por fiadores para o contrato de aluguel, tanto pela necessidade dessas pessoas se encaixarem nas exigências da imobiliária, como pela disposição de confiança em oferecer seu nome e, consequentemente, seu patrimônio como garantia.”