
Mais um fim de ano está chegando e, com ele, as tradicionais confraternizações e encontros no trabalho, na família e entre amigos — momentos que ganham força nos últimos dias do ano, com as celebrações de Natal e Ano-Novo. Trata-se, portanto, de um período marcado por conexões.
O período costuma ser associado a sentimentos positivos, mas também pode provocar percepções distintas conforme a vivência de cada pessoa. Para aprofundar o tema, discutir a importância de conexões reais e entender como lidar de forma equilibrada com essa fase, a Folha do Mate entrevistou a psicóloga clínica Letícia Wilges, que analisa os desafios e as oportunidades emocionais desse momento. Confira a entrevista completa a seguir.

Folha do Mate: Qual é a importância das conexões neste período do ano e por que é relevante que elas sejam, de fato, reais?
Letícia Wilges: Culturalmente, dezembro condensa uma expectativa de felicidade obrigatória e de união, como se precisássemos compensar o ano todo em poucos dias. Porém, conexões reais são mais sobre a qualidade dessa presença, por estarmos ali porque escolhemos e não por medo do julgamento, para evitar a culpa ou o desagrado alheio. É fundamental nos permitirmos escolher estarmos em encontros que ampliam nossa vida e nos aproximam de como gostamos de nos sentir e da pessoa que queremos ser.
De que forma os encontros desta época podem fortalecer os vínculos e renovar relações?
Para fortalecer uma relação, a presença não precisa ser necessariamente física; ela precisa ser sentida. Podemos usar as redes sociais a nosso favor, enviando uma mensagem genuína de afeto. Inclusive, uma estratégia valiosa é não ficar preso à rigidez das datas oficiais: não é preciso esperar o dia 24 ou 31, que costumam ser dias muito atribulados. Antecipar esse contato demonstra que você lembrou da pessoa com calma e carinho, e não apenas por obrigação do calendário.
Apesar de muitas pessoas associarem o fim de ano a proximidade e celebração, há quem se sinta isolado. Por que esse contraste ocorre?
Nessa época é como se colocassem uma lente de aumento para nossas questões internas. Para muitos, a data aciona memórias de perdas, mudanças de vida ou conflitos familiares. Quando a dor dessas lembranças surge, é comum que a pessoa tente se proteger afastando-se de tudo. O isolamento surge não porque a pessoa não queira conexão, mas muitas vezes como uma estratégia de defesa para não entrar em contato com emoções difíceis.
As redes sociais têm papel ativo nesse período. Elas contribuem para aproximar as pessoas ou ampliam comparações e expectativas?
Elas atuam nos dois extremos. Podem ser ferramentas valiosas de aproximação para quem está longe fisicamente, permitindo estar mais perto. Por outro lado, se não tivermos clareza, caímos na armadilha da comparação. As redes mostram um recorte escolhido a dedo e editado da mesa perfeita, da família sorrindo, das viagens. Quando comparamos nossa vida inteira e real com o recorte dos outros, geramos sofrimento e frustração desnecessários. A questão é usá-las se perguntando: estou entrando aqui para me conectar ou para me medir com uma régua desleal e ilusória?
Que estratégias podem ajudar as pessoas a lidar de forma mais equilibrada com as demandas emocionais e sociais típicas desta época?
Primeiro, abandone a luta contra o que você sente. Em vez de tentar forçar uma alegria que não existe ou brigar contra a tristeza, abra espaço para ver suas emoções com curiosidade e entender qual mensagem que elas estão vindo passar. Por exemplo: a raiva é uma indicadora que um limite nosso foi rompido, a ansiedade nos sinaliza que alguma ameaça (real ou imaginada) está presente…
Segundo, se dê a chance de desligar o piloto automático de só reagir às demandas dos outros e poder fazer uma escolha consciente do que realmente você precisa para esse fim de ano. Antes de dizer sim a um convite, pergunte-se: ‘Ir a este local, com essas pessoas, me aproxima ou me afasta de quem eu que quero ser e como quero me sentir?’.
Se decidir ir, vá com propósito claro (pode ser pela tradição, pela conexão com alguém específico). Se for apenas para evitar desconforto, você estará lá de corpo presente, mas emocionalmente ausente e ressentido.