Fome que ronda: Venâncio Aires registra aumento na procura por alimentos

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Por Débora Kist e Eduarda Wenzel

Uma pesquisa realizada pela Universidade Livre de Berlim (Alemanha), em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade de Brasília (UnB), mostrou mais um dado preocupante em relação à pandemia: a fome vem pairando sobre a casa de mais brasileiros.

De acordo com o estudo, são 58 milhões de pessoas que vivem com ‘insegurança alimentar’, ou seja, correm o risco de deixar de comer pela falta de dinheiro. Em Venâncio Aires, não há dados exatos sobre quantas pessoas estão com dificuldades ou, na pior das hipóteses, passando fome. Mas, é possível ter uma ideia a partir do movimento percebido em entidades assistenciais.

No Centro Promocional João XXIII, por exemplo, os números de 2020 chamam atenção. Foram distribuídas, ao longo do ano passado, 1,2 mil cestas básicas para famílias que nem estão cadastradas (no cadastro há 500 pessoas).

Segundo a presidente, Marlei Specht, a procura por comida aumentou cerca de 60%. “Muita gente começou a procurar desde o ano passado, pessoas que perderam o emprego por causa da pandemia ou que ficaram doentes. E tem muita gente do interior também”, revelou.

Na ONG Parceiros da Esperança (Paresp), o fator ‘comida’ foi a principal motivação para a entidade reabrir as portas, mesmo em um cenário de bandeira preta e que pedia pelo distanciamento. “Tivemos que abrir, em primeiro lugar, pela fome. Muitas crianças diziam que não tinham comida em casa e pelo menos aqui elas fazem todas as refeições”, revelou a coordenadora, Sara da Rosa.

Nas últimas semanas, cerca de 40 crianças voltaram a frequentar a entidade, mas, parte dos que seguem em casa, continua recebendo cestas básicas. “Se considerarmos essa ajuda, assistimos mais de 500 pessoas. Nossa sorte que contamos com o apoio da comunidade, do Banco da Alimentos e de vários empresários”, destacou Sara.

Mônica, com a filha Manuela. A menina frequenta a Paresp e a família recebe cesta básica (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)

Ajuda

“Não sei o que seria de nós.” A afirmação é de Mônica Vaz Schmitts, 35 anos, sobre o rancho que a família recebe da Paresp. Mônica tem quatro filhos e Manuela, de 11 anos, frequenta a entidade.

Sem trabalhar desde agosto de 2020, quando encerrou o contrato em uma indústria de tabaco, Mônica diz que já deixou currículo em vários lugares. “Infelizmente as empresas dizem que a situação também tá difícil, por causa da pandemia. Então faço uns bicos por aí.”

Atualmente, quem paga as contas é o marido (safreiro) e o filho mais velho, de 18 anos, que também trabalha. “Mas isso dá para aluguel, água e luz. A comida que a gente consegue comprar, tem que fazer durar. Nunca pensei que a gente fosse passar tanta necessidade. Graças a Deus que a Manuela pode ir na Paresp e temos essa ajuda.”

Planeta Vivo distribui refeição diariamente

A ONG Planeta Vivo, no loteamento Tirelli, oferece para muitas pessoas a principal refeição do dia. Diariamente, pelas 16h, cerca de 100 pessoas (média de 35 famílias diferentes) buscam a ‘marmita’ na entidade. A presidente da ONG, Izolde Musa da Silva, explica que essa refeição é uma parceria com a empresa Alliance One e, toda tarde, voluntários da entidade buscam arroz, feijão e outros alimentos na empresa, e servem para as famílias na sede da Planeta Vivo.

O número de pessoas auxiliadas aumentou durante a pandemia. Antes dela, a instituição realizava almoço, em média, duas vezes na semana e ajudavam algumas famílias. “Além da refeição diária, entregamos para outras famílias as cestas básicas, que arrecadamos com parcerias”, frisa Izolde.

São feitos cadastros, com informações pessoais e também com dados de quem reside em cada casa, assim a ONG consegue fazer a marmita conforme a necessidade de cada um.

A presidente lamenta que, para muitas dessas pessoas, essa é a única refeição e que a entidade também não consegue, no momento, aumentar o número de famílias auxiliadas. “Temos muita procura de vários bairros e, se pudéssemos, iríamos aumentar o número de pessoas que ajudamos, pois são idosos, doentes, mães chefes de família e outros que dependem disso por estar sem renda.”

Fabíola, à esquerda, mora sozinha com o filho de 6 anos, que é autista. Sobre a marmita que busca na Planeta Vivo, ela diz que “dá para a janta e ainda sobra para o almoço.” (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)

Vacinação Solidária: uma ação para ajudar no combate à fome

Um dos meios de combater a fome é através da doações e união da população. Por isso, em março, o gabinete da vice-prefeita, Izaura Landim, junto com os profissionais de saúde que trabalham na aplicação de vacinas contra a Covid, lançou a campanha ‘Vacinação Solidária’.

Em menos de um mês, a ação já arrecadou 2,183 mil quilos de alimentos – foram 136 cestas básicas distribuídas para famílias assistidas pelo Centro de Referência a Assistência Social (Cras), Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) e Gabinete da Primeira-dama.

Em menos de um mês, Vacinação Solidária já arrecadou duas toneladas de alimentos (Foto: Alvaro Pegoraro/Folha do Mate)

Izaura comenta que a ideia surgiu por conta da grande procura por cestas básicas, de pessoas que antes trabalhavam e nunca haviam passado pela situação de fome, mas com a pandemia perderam a renda familiar. “Hoje mesmo (sexta-feira), umas pessoas estava no gabinete me pedindo ajuda, são pessoas que eu conheço muitas vezes, que trabalhavam muito, ficam até com vergonha de pedir, pois nunca haviam passado por isso”, relata a vice-prefeita.

A doação não é obrigatória, porém a maioria das pessoas está fazendo sua parte e, ao se vacinar, doam um quilo de alimento. Izaura afirma que algumas pessoas levam até mais e que grande parte doa com ‘coração’ e ainda motiva eles a continuarem. “Se todo mundo levar um quilo, vamos ajudar muitas pessoas, porque para quem doa é apenas um quilo, mas quem recebe é o alimento que tem para passar semanas”, reforça.

Cras

Durante a pandemia, o Centro de Referência a Assistência Social (Cras) realiza mensalmente a entrega de algumas cestas básicas, que fazem parte do benefício eventual de calamidade. Conforme a coordenadora do Cras, Solange Aparecida Guadagnin, a procura aumentou nos últimos meses. “Pessoas tanto de bairros como do interior procuram ajuda, mas nem sempre conseguimos atender todos, por isso revezamos, um mês uma família é contemplada, no outro ela pode não ser, para que outra receba a cesta básica também. Infelizmente temos que selecionar”, lamenta Solange.

Banco de Alimentos

  • O Banco de Alimentos de Venâncio Aires é um dos grandes parceiros das entidades que, por sua vez, chegam até a população mais carente. Segundo o presidente, José Augusto Spies, já foram distribuídos quase 24 toneladas de alimentos durante a pandemia.
  • Os beneficiados são o Hospital São Sebastião Mártir, Casva, João XXIII, Paresp, Lar Novo Horizonte, Casa de Acolhimento, Apae, Liga Feminina de Combate ao Câncer e ONG Planeta Vivo.
  • Devido à pandemia, as ações do Sábado Solidário, em supermercados do município, não estão acontecendo. Mas a entidade vem recebendo doações do Banco de Alimentos do Rio Grande do Sul. Além disso, houve doações, como da Afubra, Tramontini, IFSul, Comunidade Católica e Aposentados do Banco do Brasil.
  • Atuam pelo Banco de Alimentos membros do Rotary Venâncio Aires, Rotary Chimarrão, Rotary Novas Gerações, Lions, Melvin Jones e Ordem Demolay.

Crise

Segundo o economista Eloni José Salvi, a demora governamental em tomar decisões sanitárias, fez a crise se estender. “Os mais pobres sempre sentem mais. Porque mesmo que trabalhem, muitas vezes estão em cargos substituíveis e são facilmente demitidos. Ou em situações bem informais. O que já era uma renda baixa, vira um cenário de dificuldade maior ainda e a fome é uma delas.”

    

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