Pés carregados. Galhos que se arrastam pelo chão. Frutas em quantidades incalculáveis nas árvores. O outono traz esse cenário, quando a cor vibrante das laranjas e bergamotas predomina em vários locais e, mesmo quem não é muito de comer fruta, se rende ao sabor desses pomos.
Provavelmente o costume existe em outros lugares, mas em Venâncio Aires chama atenção a bonita tradição de se dividir o que se colhe. Às vezes, o compartilhamento vai além dos vizinhos e parentes e chega a totais desconhecidos.
Assim tem acontecido com o aposentado João Flávio Simon, 69 anos. Como todo ano os pés de bergamota Ponkan ficam carregados, ele teve uma ideia: pelo menos duas vezes por semana, pendura cerca de oito sacolas na grade de casa, na avenida Ruperti Filho. Em cada sacolinha de supermercado, vão de 15 a 20 frutas. Quem passar pela frente, pode levar – inclusive uma plaquinha de ‘pegue e leve’ foi improvisada.
“É desperdício deixar no pé. Então por que não dividir? Quem sabe essa iniciativa pega e se espalha pela cidade”, sugere. Cuidadoso no trato, Simon colhe as bergamotas usando uma tesoura para cortar o galinho, para que não haja rasgo na casca.
A esposa, Cecília, ressalta que a prática da solidariedade vem de casa e não apenas com frutas. “Se temos para ajudar, sempre ajudamos quem precisa. Então quando tem campanha do agasalho ou acontece de alguma família perder seus bens numa enchente, a gente doa.”
Boa vizinhança
O casal Luiz Antonio, 67 anos, e Lorena Kaufmann, 65, também traz dos pais o costume de dividir o que o quintal de casa produz. Há 40 anos morando no bairro União, a parte de trás da residência enche os olhos pelo capricho e a variedade. Tem alface, couve, moranga, fava, tomate e temperos diversos. Só em frutas são 12 tipos, incluindo a ainda não tão comum pitaia.
O xodó dos Kaufmann é um pé de laranja umbigo, um dos mais velhos no terreno. Praticamente toda a vizinhança já experimentou, além das bergamotas Ponkan e Montenegrina, e a sempre docinha laranja do céu.
“Desde casa a gente tem esse costume. Vem de família. Tudo que se tinha, se repartia para os outros. E quando viemos para cá, continuamos, dividindo com a vizinhança. Por aqui perto, todo mundo já provou alguma fruta ou verdura”, conta Lorena.
Entre as vizinhas, está a aposentada Lisette Maria Regert Führ, 55 anos. Ela ainda era moça quando os Kaufmann se mudaram para o bairro União e, desde então, sempre ganha alguma coisa. Lisette, da mesma forma, também retribui e ainda hoje traz ovos, por exemplo, do interior de Passo do Sobrado, onde os pais moram. “Somos acostumados desde pequenos. Dar a receber.”
Atualmente, as laranjas do céu colhidas pelos Kaufmann também são usadas no lanche da Milena, a neta de um ano e seis meses da Lisette.
Pomar Solidário
Para quem quer levar ainda mais longe a produção excedente, existe a campanha Pomar Solidário, do Mesa Brasil Sesc. Ela recebe doação de frutas, verduras e legumes em toda região e o objetivo, além de reduzir o desperdício de alimentos, é oferecer refeições nutritivas para pessoas carentes.
A colheita pode ser feita pelo proprietário ou por uma equipe do programa em Venâncio Aires. Os interessados em colaborar podem contatar o Sesc pelo telefone (51) 3982-1303 ou pelo e-mail [email protected].
Impressões da repórter
Essa prática de dividir o que se tem, potencializada, digamos, nesses meses de fartura em bergamotas, é muito comum em Venâncio. Durante as entrevistas, fui presenteada com dezenas de frutas para dividir com os colegas do jornal. No dia anterior, em outra matéria que não tem nada a ver com esse assunto, voltei com uma sacola de limões do interior do município. Essa prática é real, é bonita na sua simplicidade e carrega um significado imenso. Receber, trocar, compartilhar. Em tempos que todos andam carentes da tal empatia, a solidariedade é sempre bem-vinda e também vem na forma de uma bergamota.