Hidrantes viram dor de cabeça para associações de Venâncio Aires

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A exigência da instalação de hidrantes em clubes sociais e salões comunitários com mais de 750 metros quadrados tem preocupado diversas associações de Venâncio Aires. Embora seja uma determinação prevista em lei desde 2013 (após a tragédia da boate Kiss), há um prazo previsto até 2023 para que ocorra a instalação.

Seriam dois anos até lá, mas, ainda assim, a questão tem gerado questionamentos, principalmente entre as sociedades do interior do município. Publicamente, o assunto ganhou destaque na Câmara de Vereadores, depois que o vereador Claudio Weschenfelder (PDT) protocolou duas moções de apelo, endereçadas ao Governo do Estado e ao comando geral dos Bombeiros no Rio Grande do Sul. Uma delas pede a prorrogação de todas as determinações relacionadas ao Plano de Prevenção e Proteção contra Incêndios (PPCI) e a outra solicita que seja revista a obrigatoriedade do hidrante, já que o equipamento é considerado caro para a situação atual do ‘bolso’ das entidades.

“Foi um pedido de várias entidades, principalmente ginásios, sedes e associações, porque a maioria está fechada há quase dois anos por causa da pandemia, afetando a parte esportiva e principalmente eventos, que são o que garantem a renda”, destaca Weschenfelder, que integra a diretoria da Associação Esportiva São Pedro (Assespe), de Linha Grão-Pará.

Ainda, conforme o vereador, se a exigência for mantida, ela colocará em risco o funcionamento dos locais. “Tem muita entidade pequena que não tem o recurso que o investimento exige e, se não conseguir atualizar o alvará, pode até fechar as portas.”

Mão atadas

Na Associação Esportiva, Cultural e Recreativa São Luiz, de Vila Santa Emília, os orçamentos até foram feitos, mas os números assustaram. Com valores necessários para os investimentos que superam R$ 50 mil, a diretoria do Luizão vive um impasse. “Estamos de mãos atadas, porque a hora que liberar os eventos, teríamos condições de ter a renda de volta. Mas para fazer evento precisa do alvará. Então como fazer?”, questiona o tesoureiro, Celso Piccinini.

Tesoureiro do Luizão, de Santa Emília, Celso Piccinini, com três orçamentos em mãos: média de R$ 50 mil (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)

Ele conta que, há cerca de seis anos, a associação investiu R$ 250 mil em reformas, o que incluiu a troca do telhado e a parte elétrica. Com aproximadamente 160 sócios, que contribuem com uma mensalidade que não chega a R$ 10 (para limpeza e a premiação do bolãozinho), o ‘grosso’ da arrecadação no Luizão sempre veio dos grandes eventos. Mas, desde o início da pandemia, tudo parou. “Do que a gente tinha previsto em 2020 e não pôde acontecer, deixamos de arrecadar uns R$ 80 mil.”

Para Piccinini, se houvesse uma prorrogação para atualização do PPCI, contando com a volta dos eventos em 2022, é possível a associação se organizar até 2023. “Se tiver condições de voltar com os eventos no ano que vem, teríamos um tempo maior para fazer um caixa e nos organizarmos.”

Empréstimo

Uma das associações de Venâncio que já contam com hidrante é a Associação Cultural, Recreativa e Esportiva Ouro Verde, de Linha Olavo Bilac. O ginásio foi construído em 2010 e a instalação do sistema hidráulico aconteceu em 2014, na gestão do atual presidente, Arno Schwingel.

Na época, foram investidos cerca de R$ 40 mil, considerando os equipamentos, o projeto e a planta necessária para o PPCI. Para isso, houve uma ajuda ‘a mais’ de alguns associados. “Tivemos que contar com o empréstimo de alguns sócios, cerca de 30% do valor, porque não tínhamos tudo em caixa”, revela o vice-presidente, Luciano Walker.

Com 74 famílias associadas, incluindo as sociedades de Damas e de Cavalheiros, é cobrada uma pequena taxa mensal (a exemplo do que acontece no Luizão) e que é usada para o bolãozinho. “O que dá dinheiro são os eventos, as festas, como a nossa intercomunitária, e o futebol, que agora está voltando. Mas, desde o ano passado, estava tudo parado.”

Sobre o hidrante, Luciano Walker entende a cobrança, mas que ela deveria ser analisada caso a caso. “A questão da segurança é muito importante, mas deveriam avaliar caso a caso, porque é baixo o risco de incêndio para o valor investido. E com as entidades descapitalizadas, fica difícil investir nesse momento de pandemia.”

O que diz a lei sobre a prevenção contra incêndios

Embora o incêndio da boate Kiss (que matou mais de 240 pessoas em Santa Maria, em janeiro de 2013) tornou mais rigorosa a legislação sobre prevenção e proteção contra incêndios no Rio Grande do Sul, a exigência de hidrantes já era prevista em lei de 1997 (substituída pela lei Kiss em dezembro de 2013).

Ou seja, o equipamento em edificações com mais de 750 metros quadrados (a exceção são residências), precisam ter o sistema hidráulico. Mas a principal dúvida das associações de Venâncio Aires diz respeito ao ano de construção. Isso porque a lei diz que edificações anteriores a 1997 não precisam de hidrante, desde que comprovem sua área e a finalidade da época.

Na prática, isso significa que não basta a comunidade saber que um salão ou ginásio foi construído antes disso (muitos datam dos anos 80, por exemplo). É preciso comprovar. “Essa questão do ano é considerada para locais com ocupação F12, que abrange a maioria dos clubes sociais, salões e sedes comunitárias, que realizam festas e encontros. Para comprovar uma edificação existente regularizada, precisa de documentos públicos que atestem a área e a finalidade da época”, explica o sargento Rafael Severo, auxiliar do Setor de Segurança contra Incêndio do Corpo de Bombeiros de Venâncio Aires.

Sistema

Para essas edificações, a determinação é que se instale um sistema hidráulico que inclui caixa d’água, bombas para canalizar e distribuir, e tomadas para saídas de quatro mangueiras de 15 metros cada. Além disso, prédios maiores de 750 metros quadrados também precisam do sistema de alarme de incêndio – custo médio de R$ 5 mil.

O sargento Severo lembra que, mesmo onde não há exigência de hidrante, é preciso seguir normas que valem para todos: extintores, saídas de emergência, sinalização de emergência, iluminação de emergência e treinamento de pessoal.

Tenente Morais e sargento Severo, do Corpo de Bombeiros de Venâncio Aires, consideram pouco provável que o Governo do Estado faça nova prorrogação (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)

Quase impossível

Para o comandante dos bombeiros de Venâncio, tenente Luciano Machado Morais, é pouco provável que o Governo e a Assembleia Legislativa façam alguma alteração em lei. “Acho quase impossível, porque já houve muitos anos para essas adequações.”

O tempo referido pelo comandante começa em dezembro de 2013, quando a lei Kiss foi aprovada. Na época, foi dado um prazo de seis anos para todos fazerem as alterações necessárias no PPCI. Mas, no fim de 2019, houve nova prorrogação e, até o fim desta, em dezembro de 2023, serão 10 anos. “Já se teve um prazo, mas de qualquer forma não cabe aos bombeiros decidir. A lei é determinada pelo governo e cabe a nós, instituição pública, só cobrar o que está previsto nela. Entendemos que isso pode inviabilizar muitas associações, mas acho difícil mais uma prorrogação”, conclui o tenente Morais.

15 – são os locais com ocupação F12 (clubes sociais, salões e sedes comunitárias) que estão com o alvará em dia, dentro de um total de 115 espaços em Venâncio Aires e Mato Leitão. Para os chamados F12, o alvará tem validade de dois anos.

Busca pela comprovação da data

Na sede comunitária de Linha Marechal Floriano, o presidente da Comunidade Evangélica, Jairo Bencke, conta que já fez um protocolo na Prefeitura pedindo a documentação que atesta a construção do local na década de 1980. Assim, se comprovar a área e a finalidade da época e conseguir a regularização, não precisaria do hidrante (mesmo tendo mais de 750 metros quadrados).

Com cerca de 220 pessoas associadas na comunidade, Bencke diz que não haveria recursos para instalar o equipamento. “Vejo com bons olhos a legislação, como as saídas de emergências e extintores. Mas quanto a colocar hidrante em espaços onde não teve registros de incêndio, são construções amplas, que não têm teto rebaixado, não vejo necessidade. Ainda estamos na pandemia, então seria o momento de flexibilizar isso e dar prazos maiores”, considera.



Débora Kist

Débora Kist

Formada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) em 2013. Trabalhou como produtora executiva e jornalista na Rádio Terra FM entre 2008 e 2017. Jornalista no jornal Folha do Mate desde 2018 e atualmente também integra a equipe do programa jornalístico Terra em Uma Hora, veiculado de segunda a sexta, das 12h às 13h, na Terra FM.

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