Venâncio Aires é o primeiro município dos Vales e também um dos pioneiros no estado a ter uma lei municipal sobre medidas de informação e proteção às gestantes, parto, abortamento e puerpério. É a lei do Parto Seguro, uma ideia que partiu do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers).
Até então, tudo que dizia respeito ao assunto estava amparado em inúmeras portarias do Ministério da Saúde. Segundo Sabine Braga Chedid, diretora Regional Norte do Simers (que abrange Venâncio), essas determinações da União começaram a ganhar corpo há cerca de 20 anos, com o objetivo de reduzir a mortalidade materna e neonatal. “Diretrizes sobre segurança e humanização já existem, mas muitas vezes essas informações não chegam a todos. Com leis municipais, a ideia é aproximar a população ao máximo dos direitos e deveres de profissionais e de gestantes [veja box]. É tornar isso mais palpável, dando mais visibilidade às portarias”, explicou.
Conforme Sabine, o assunto sempre esteve em pauta no sindicato, por isso se pensou na formatação de um projeto de lei (PL). Na prática, o Simers redigiu um texto base (reunindo portarias do Ministério da Saúde) e tem levado ao Poder Legislativo de municípios gaúchos para que formalizem o PL. Em Venâncio Aires, a proposição foi conjunta dos vereadores Sandra Wagner (PSB), André Puthin (MDB) e Luciana Scheibler (PDT), que compõem a Comissão de Saúde, Cidadania e Assistência Social da Câmara. A matéria foi aprovada por unanimidade no fim de maio e, já na primeira semana de junho, sancionada pelo prefeito Jarbas da Rosa.
“Nós nos sensibilizamos com a proposta, porque entendemos que temos que ter leis mais específicas sobre isso. E ficamos felizes em ver o projeto sancionado. O prefeito é médico e entendeu a importância e a necessidade de assegurar os direitos das mulheres e também dos profissionais de saúde”, destacou a presidente da comissão de Saúde, a vereadora Sandra Wagner.
Expectativa
Trazer o assunto para o âmbito municipal, através de um projeto de lei, foi elogiado pela pedagoga Luiza de Fátima Lazzaretti, 32 anos, moradora do bairro Brígida. Ela está à espera de Davi que, se não ‘chegar antes’, nascerá na próxima quarta-feira, 27, de parto cesárea (por opção dela), no Hospital São Sebastião Mártir (HSSM).
“Fiquei surpresa e achei importantíssimo ter uma legislação sobre isso. Nem toda mulher sabe que ela tem direitos durante a gravidez e na hora do parto, e acho que assim essas diretrizes podem ser mais facilmente consultadas”, opinou Luiza, que está com quase 39 semanas de gestação.
Para ela, alguns pontos são fundamentais. “Esse contato pele a pele, saber que podemos amamentar logo, mesmo de cesárea, se estiver tudo bem com mãe e filho. O direito ao acompanhante [no caso de Luiza será o marido, Miguel Schimuneck, 34 anos] e própria conduta médica também, que não pode constranger ou desrespeitar a gestante.”
“Venâncio foi o primeiro município na sua região e um dos pioneiros no estado a ter uma lei própria. Aos poucos, outros têm aderido à proposta, que entendemos importante para difundir os diretos e deveres dos pacientes e médicos.”
SABINE BRAGA CHEDID – Diretora Regional Norte do Simers
Direitos e deveres
• Segundo Sabine Braga Chedid, diretora do Simers, a lei do Parto Seguro foi pensada no âmbito SUS (Sistema Único de Saúde), para que não haja diferenciação. “Independente do tipo de parto, seja pelo SUS, seja particular, os direitos e deveres são os mesmos.”
• Conforme a lei sancionada em Venâncio, estão entre os direitos da gestante, parturiente e do recém-nascido: pré-natal de qualidade de acordo com o Ministério da saúde, tendo acesso a exames e consultas mínimas necessárias; e assistência humanizada, contemplando atendimento digno e de qualidade durante a gestação, parto, puerpério e abortamento.
• A gestante também pode dispor de um acompanhante de sua escolha durante o pré-parto, parto, pós-parto imediato, independente da via de nascimento (vaginal ou cesárea); e tem a garantia para o recém-nascido de assistência neonatal de forma humanizada e segura.
• Outro ponto importante é o contato pele a pele, clampeamento (corte) tardio do cordão umbilical e amamentação na primeira hora de vida do bebê, salvo nos casos clínicos não recomendados, de acordo com as diretrizes do Ministério da Saúde.
• Por fim, a gestante ainda tem o direito de receber informações, sempre que solicitadas, sobre a evolução do trabalho de parto e seu respectivo estado de saúde, bem como do bebê; e ter acesso à cópia do prontuário, conforme protocolo da instituição e portarias do Ministério da Saúde.
• Quanto aos deveres da gestante, parturiente e puérpera, ela deve seguir as orientações da equipe de saúde, conforme os protocolos do Ministério da Saúde, durante a gestação, abortamento, parto e puerpério; respeitar a equipe de atendimento; assinar consentimento informado após esclarecimentos pertinentes, salvo hipótese de justo motivo; e ter consigo a carteira de pré-natal.
Danos, abusos e desrespeito
• Pela lei, serão considerados danos, abusos e desrespeito à gravidez, abortamento, parto e ao puerpério, quando, por exemplo, houver tratamento agressivo, grosseiro, zombeteiro ou de qualquer outra forma que faça a mulher se sentir humilhada, diminuída ou ofendida.
• Quando ela for recriminada por processos naturais de gestação e do parto, como gritar, chorar, ter medo, vergonha ou dúvidas; não tiver respondidas dúvidas ou quando houver omissão de diagnóstico e indicação de procedimentos invasivos desnecessários.
• Também será considerado abuso submeter a mulher e o recém-nascido a procedimentos que estejam em desacordo com as recomendações do Ministério da Saúde; deixar de aplicar anestesia na parturiente, quando houver disponibilidade, conforme normas regulamentadoras; e realizar episiotomia de rotina em desacordo com as recomendações federais.
• Ainda, não se deve submeter o recém-nascido saudável a procedimentos de rotina antes de colocá-lo em contato imediato pele a pele com a mãe, conforme as recomendações do Ministério da Saúde; alocar a mulher em abortamento ou perda gestacional junto com outras parturientes e seus recém-nascidos; e impedir a alimentação leve e líquidos isotônicos às mulheres em trabalho de parto.
No âmbito estadual, o projeto de lei Parto Seguro também já tramita na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul e prevê mais investimentos nas maternidades.
“HSSM já aplica as diretrizes há mais tempo”, diz coordenadora do Centro Obstétrico
A coordenadora do Centro Obstétrico do Hospital São Sebastião Mártir (HSSM), Luana Gassen, também destacou o reforço à informação que a lei municipal pode dar. “É importantíssimo trazer isso para a população. Mas, no nosso caso, olhando a legislação, tudo que ali está já é feito aqui. O hospital de Venâncio já aplica essas diretrizes há mais tempo”, garantiu Luana.
Conforme a obstetra, pontos como o contato inicial pele a pele, a possibilidade de amamentar logo (se tudo estiver bem com a mãe e o recém-nascido) e ter um acompanhante de sua escolha, são fundamentais dentro do conceito maior de humanização. “É, para muitas mulheres, o momento mais lindo da vida e que deve ser respeitado em todos os aspectos, sempre considerando a saúde da mãe e do bebê. Todas têm direito a pré-natal, exames e um parto humanizado, independente se for normal ou cesariana.”
PL do Legislativo
• Ao formular o projeto de lei, o Legislativo de Venâncio Aires ainda incluiu algumas informações referentes a denúncias, a partir de uma sugestão do Instituto Gamma de Assessoria a Órgãos Públicos (Igam).
• Pela matéria, as denúncias de violência podem ser feitas no próprio hospital onde a mulher foi atendida; na Secretaria responsável pelo estabelecimento; nos Conselhos de Classe (CRM, quando o desrespeito veio do médico, e COREN, quando do enfermeiro ou técnico de enfermagem); e pelo telefone 180 (Central de Atendimento à Mulher) ou 136 (Disque Saúde).
• A fiscalização deverá ser realizada pelos órgãos públicos nos respectivos âmbitos de atribuições, os quais serão responsáveis pela aplicação das sanções decorrentes de infrações às normas, mediante procedimento administrativo, assegurada ampla defesa.
Opinião
Coincidentemente, a Lei do Parto Seguro ganha repercussão em meio aos desdobramentos do crime ocorrido no Rio de Janeiro, onde um médico anestesista estuprou uma mulher em pleno parto. Como a legislação trata, também, da segurança das gestantes, a reportagem abordou o assunto com Luiza, que está grávida, e com as médicas Sabine e Luana, do Simers e do HSSM, respectivamente.
“Talvez os profissionais acreditaram que não teriam voz suficiente para acusá-lo simplesmente e procuraram uma forma de provar o que acontecia. Para mim, foram muito inteligentes em achar essa alternativa, pois contra o fato não há o que questionar. Isso chocou todos nós [HSSM]. De pensar que é o momento mais feliz de uma mãe e ser submetida a isso?” LUANA GASSEN
“Denúncias são comuns e em todo processo a investigação é para ouvir os dois lados. Mas o que aconteceu no Rio de Janeiro não se admite, é uma atitude antiética e imoral comprovada. Não se acham adjetivos para esse fato horrível.” SABINE BRAGA CHEDID
“Esse crime foi uma sequência de erros, para começar com aquele procedimento invasivo e quantidade de sedativo aplicada. Não consigo mensurar o que aconteceu, porque o momento mais lindo da vida de uma mulher virou uma tragédia.” LUIZA LAZZARETTI