
A Prefeitura de Venâncio Aires retomou um trabalho de identificação e cadastramento de pessoas e empresas que trabalham com resíduos recicláveis no município. Estão envolvidas as secretarias de Meio Ambiente, Habitação e Desenvolvimento Social, além da pasta do Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo, através do setor de Fiscalização e Posturas.
O objetivo é fazer um mapeamento de todo segmento da reciclagem, por isso, são realizadas visitas a catadores e empresas que trabalham com plástico, papel e metais, por exemplo. “Nosso objetivo é identificar todos os atores envolvidos, desde o catador até a empresa que adquire para beneficiamento, incluindo os diversos tipos de materiais que podem ser recuperados. O envolvimento das três secretarias é fundamental para que possamos tratar de forma particularizada cada pessoa envolvida nesse ciclo”, explica a fiscal de Posturas, Daniele Mohr.
Na prática, o Desenvolvimento Social faz um questionamento, o Meio Ambiente orienta sobre manejo dos resíduos e o setor de Posturas orienta sobre formas de sair da informalidade, para se ter algum benefício previdenciário. “Não estamos notificando catadores independentes que trabalham para subsistência, porque sabemos que existe uma ordem econômica e é muito mais complexo do que só a necessidade de ter ou não ter empresa regularizada”, relata Daniele.
Já no caso de empresas de maior porte, tem ocorrido a verificação da regularidade. “Deixamos os termos de vistoria. Quando falta, deixamos as notificações com prazos para adequações. No caso de sucatas de veículos, ainda se faz a notificação das obrigações com o Detran, já que também fomos notificados enquanto Município, e vamos começar a fiscalizar de forma mais intensa.”
Busca por programas
A retomada desse levantamento também passa, conforme o secretário de Meio Ambiente, por uma preocupação do Ministério Público do Trabalho. “Por estarmos mais próximos, vamos ajudar nesse mapeamento. Existe uma preocupação com as condições de trabalho das pessoas e com as questões ambientais que precisam ser consideradas. Uma vez tendo tudo mapeado, facilita para buscar soluções e até programas de auxílio para os catadores”, comenta Nilson Lehmen.
Ao encontro dele, o secretário de Habitação e Desenvolvimento Social, Ricardo Landim, entende que “ter um cadastramento de todos os envolvidos será importante para pensar outras alternativas de trabalho, buscar programas ou ideias de cooperativas.”
A assistente social Daiane Führ lembra que esse trabalho já tinha iniciado há alguns anos, com a aplicação de um questionário com os catadores. “Retomamos o planejamento inicial de realizar o mapeamento. É muito importante termos esse dado como diagnóstico para planejamento de ações coletivas, pois para a política de assistência social são considerados ‘grupo específico’ para atendimento. Nas abordagens, já se faz orientações e, se necessário, encaminhamentos.”
Trabalho informal é motivo de preocupação
Um dos objetivos desse mapeamento de pessoas que trabalham com materiais recicláveis é tentar chegar ao número exato de famílias que catam resíduos na cidade, já que muitos estão na informalidade, no ‘frio’, como se diz de forma popular. “Se fosse fazer um levantamento, acredito que passaria de 100 famílias”, arrisca Izolde Musa da Silva, presidente da Organização Não Governamental (ONG) Planeta Vivo, entidade que realiza trabalho voluntário e social há quase 20 anos.
A ONG ainda acompanha o projeto Catadores da Vida, com o objetivo de ajudar pessoas que trabalham na coleta de resíduos. Atualmente, cerca de 25 famílias são assistidas pela entidade e há encontros mensais. “A maior preocupação é com a falta de informação e falta de seguridade trabalhista. Como a renda é muito baixa, muitos não conseguem pagar um ‘autônomo’ para ter INSS. Então também queremos ver com o Poder Público a possibilidade de buscar programas federais que possam ajudar”, comenta Izolde.
Entre os catadores ligados à ONG estão André Schlosser, 38 anos, e Silvane Grenzel, 50. Moradores do bairro Morsch, eles recolhem materiais entre as ruas Tiradentes e Júlio de Castilhos, na maioria das vias desse perímetro no sentido leste-oeste. O equipamento de trabalho são dois carrinhos – um deles puxado por Silvane (emprestado pelo comprador dos materiais) e o outro soldado na bicicleta de André, uma Monark com anos de uso e que, conforme ele, já deveria ter ganhado pneus novos. “Mas o dinheiro não chega. Essa semana mesmo, o carrinho quebrou e precisei soldar. Sorte que o rapaz não cobrou o serviço”, comenta o catador.
Num mês considerado ‘bom’ em vendas, a média gira em torno de R$ 1 mil, conforme contabiliza Silvane. Ela, que por anos foi agricultora e trabalhou em indústria, diz que gosta do que faz. “Gosto do meu trabalho e a gente até contribui com a limpeza da cidade, né? A gente só se preocupa se acontecer alguma coisa, de ter uma segurança, e no futuro com a aposentadoria. Mas, hoje, pagar o INSS ou até MEI, fica complicado.”

Complemento da renda
Outro catador assistido pela Planeta Vivo é Davi Lemes, morador do bairro Battisti. Aos 71 anos, ele se aposentou ‘pela idade’, aos 65, depois de anos trabalhando como safreiro em tabacaleira e como servente de pedreiro. Foi nos tempos de construção civil, aliás, que começou a catar resíduos e segue até hoje, porque precisa de um complemento na renda. “Viver com um salário mínimo não dá, minha filha”, resume. Perguntado se a saúde anda boa para seguir percorrendo as ruas da cidade e carregando peso na bicicleta, ele garante: “Graças a Deus, tomo só o remédio da pressão.”
Para trabalhar, Davi ainda usa um colete verde, da época do projeto Minuano, que há cerca de 10 anos destinou materiais e EPIs para catadores em várias cidades gaúchas, entre elas Venâncio Aires. O carrinho que ele usa também lhe foi cedido daquela época.

Valor dos materiais
• Tanto André e Silvane, como Davi, vendem o que recolhem para compradores intermediários. Eles comentam que o valor de todos os materiais diminuiu nos últimos dois anos.
• “Antes o quilo da latinha [alumínio] dava R$ 7 e agora uns R$ 5”, conta a catadora. Ainda, conforme Silvane, hoje eles recebem R$ 0,25 por quilo de papelão e R$ 0,10 por quilo de ferro.
• Sebastião Leonardo Flores, que há mais de 40 anos trabalha com resíduos no bairro Coronel Brito e vende para empresas de reciclagem, também menciona o preço.
• “Caiu muito mesmo, principalmente papelão e plástico, daí a gente também não consegue pagar muito”, afirma Flores, que hoje compra materiais de mercados e de alguns catadores.

Coleta em grande escala
Ao mesmo tempo que existem catadores que vendem para alguns depósitos intermediários, há outra ‘ponta’ que trabalha com resíduos e faz, de uma forma ou de outra, função semelhante, mas numa escala muito maior. Trata-se de empresas de reciclagem que recolhem diretamente em indústrias.
Uma delas é a Recimak, localizada em Linha Estrela. “Embora façamos trabalho semelhante, não é uma concorrência dos catadores, porque é um nicho de mercado diferente”, destaca o administrador, Lisandro Guth. Ele explica que, como a empresa tem licenças da Secretaria de Meio Ambiente, Ibama e Fepam, só adquire materiais de quem também é licenciado.
Além disso, compra apenas recicláveis que não estão contaminados (molhados ou sujos de tinta e óleo, por exemplo) e os caminhões só recolhem quantidades acima de 600 quilos. A compra direta de plásticos, papéis, ferro e metais nobres (cobre e alumínio) ocorre em supermercados, comércio, tabacaleiras e metalúrgicas.
Conforme Lisandro Guth, a empresa recicla, por mês, média de 50 toneladas de papelão e 30 toneladas de plástico. O empresário também tocou no assunto ‘preço’, o qual, segundo ele, tem relação direta com a pandemia. “Antes recebíamos R$ 1,50 o quilo do plástico. Na pandemia foi a R$ 4,50. Mas, agora, que as coisas começaram a normalizar, estamos recebendo cerca de R$ 1,20.” Para Guth, essa baixa passa pelo fato de muitas indústrias ainda estarem receosas de retomar uma produção normal, porque ainda há incertezas econômicas devido à troca de governo.

Nova licitação será aberta para contrato com a Usina de Triagem
Quando o assunto é trabalho de reciclagem em Venâncio Aires, é preciso lembrar o que é feito na Usina de Triagem de Linha Estrela, onde chegam a ser recuperadas até 70 toneladas de resíduos por mês. Nesse caso, existe um contrato com a Cooperativa Regional de Catadores dos Vales do Taquari e Rio Pardo (Cootralto), para a qual a Prefeitura repassa R$ 34 mil mensais.
No entanto, recentemente, o local virou alvo de polêmica, já que colaboradores pediram, em abaixo-assinado, que a cooperativa deixe o comando da usina. A principal queixa é de que os valores não estariam sendo repassados corretamente aos cooperados. A Cootralto, por sua vez, contesta a reclamação e disse que pode não renovar o contrato, que encerra em junho.
Sobre isso, o secretário de Meio Ambiente, Nilson Lehmen, informa que foi instaurado um processo administrativo e vai ser dada oportunidade de a cooperativa se manifestar. “Fizemos uma perícia com relação à questão trabalhista e pedimos laudos.” Lehmen revela que, para a Administração, há entendimento de que o próximo contrato precisa ser ampliado para atender alguns objetivos.
“Nossa ideia já é abrir um novo processo licitatório. Então, além de triar o lixo, quem assumir vai ter que reformar a infraestrutura do local, oferecer EPIs e todas as condições de trabalho, além de operar a balança rodoviária do caminhão de coleta e fazer a gestão de um ecoponto, devidamente estruturado.”